Estamos no Verão e será que você aí em casa tem tido cuidado com esse pneuzinho acumulado? Tome cuidado e saiba porquê.
Tem sido noticiado, nos últimos dias, um recente insólito que decorre no outro lado do mundo. Refiro-me ao caso do imigrante sul-africano que reside na Nova Zelândia, exercendo a profissão de chef de cozinha, e que viu recusada a renovação do seu visto devido ao “excesso de peso”. “O casal está na Nova Zelândia há seis anos e, nesse tempo, Albert Buitenhuis perdeu peso – passou de 160 para 130 quilos. Até agora, a renovação do visto de trabalho de ambos não levantou qualquer interrogação“. Dizem os especialistas que “tem que se ter em conta os futuros custos e necessidades de serviços médicos”.
O argumento em defesa dos contribuintes é tão populista e cínico, como perigoso. Facilmente compreendemos porquê. Se Albert Buitenhuis não apresenta um “padrão aceitável de saúde”, exige-se conhecer os critérios que um sistema de saúde pública define para excluir ou penalizar os indivíduos. A interrogação coloca-se ainda com maior premência por sabermos que a pessoa em questão até apresentou uma diminuição substancial do peso, desde há 6 anos até então, e só agora enfrentou este entrave burocrático. Se a Nova Zelândia pretende seguir uma avaliação de riscos, própria de um sistema de seguros personalizados, será que também quer excluir do seu territórios os imigrantes com propensão para doenças oncológicas, fumadores convictos, anorécticas, diabéticos, entre tantos outros, invocando o pretexto de aliviar as potenciais despesas comportadas pelo estado (mesmo que essas pessoas nem venham a precisar de fazer uso dos serviços de saúde)? É por estas e por outras que o argumento é perigoso.
Também é um argumento populista porque o estado moderno é pródigo em criar os seus novos conceitos de “fardo”, pois é ele que começa por estimular a criação e conservação das dependências até atingir o ponto fatal da insustentabilidade. Ou seja, até bater na parede. Assim sendo, os problemas são sempre emendados com medidas absurdas como é o caso desta. A preservação e intocabilidade de um sistema público de saúde depende da própria abstracção dos cidadãos e da opacidade de toda a estrutura, de forma a tornar imperceptível a real correspondência entre as receitas arrecadadas e a sua aplicação concreta. Se cada um nós fosse analisar, caso a caso, a aplicação destinada aos nossos impostos nos respectivos beneficiários e se o avanço dos processos dependesse da aprovação prévia dos contribuintes, certamente que muitos utentes veriam os seus tratamentos cancelados. Obviamente que isso é fisicamente impossível, é um exemplo extremo e caricatural mas é daí que advém a força do monstro e convém sempre recordar. Visto de outro prisma ainda, se cada um de nós estivesse mais associado e informado das despesas pessoais comportadas pela própria saúde, seria maior a moderação de comportamentos de risco e a contenção nos gastos de saúde, relativamente a serviços supérfluos dos quais pudesse prescindir por não tirar de lá uma compensação que valesse o incómodo. A título de exemplo, pensemos na quantidade de cirurgias estéticas que invocam razões de saúde para usufruir de comparticipação pública.
Tudo isto serve para clarificar que, embora à primeira vista a punição do imigrante sul-africano possa aparentar uma preocupação com a sustentabilidade de um sistema e respeito para com os contribuintes, na verdade, a medida parece querer lançar “areia para os olhos” e escamotear o facto de este homem ter sido sempre forçado a cumprir um “contrato social”, sem assinatura, e de ter respondido às exigências que lhe eram apresentadas, sem outra alternativa. No entanto, por melhor ou pior que funcione um determinado sistema de saúde, a prioridade de eficiência deve passar pela responsabilização de todos os agentes envolvidos e não foi esse o incentivo que parece ter existido ao longo do tempo. Estamos perante uma manobra de humilhação de um trabalhador que foi forçado a descontar para um sistema que lhe dá uma facada nas costas ao fim de 6 anos. É típico do fornecedor em causa. Também é típico do fornecedor querer corrigir os comportamentos por meio de coerção, martelando em cima das tendências humanas. Neste caso em particular, é muito agradável para o estado, passar a imagem de herói na luta contra as gorduras e gordurinhas acumuladas.
Quando nos aventuramos em obras de carpintaria e deixamos falhas nas medições, cortes e encaixes, por falta de habilidade e de prática a lidar com o material, costumamos aplicar uma mistura de cola e serradura para disfarçar as lacunas e defeitos da peça final. O socialismo, principalmente mas não só, é muito hábil na aplicação de serradura com cola. Quando a Nova Zelândia está a escorraçar este homem, privando-o da possibilidade de prosseguir com o seu trabalho, é como se estivesse a aplicar serradura com cola. Entendem tudo ao contrário mas não descansam enquanto não atingirem o seu mundo limpo, light, homogeneizado, livre de pestilentas vontades e ócios, livre de imperfeições. Enquanto não se livrarem do açúçar e do sal, da gastronomia tradicional, nem que seja à marretada. Porque os cidadãos terão de ser sempre uns indisciplinados que carecem da brilhante repreensão estatal.
O caso passa-se com um imigrante, não com um natural da Nova Zelândia.
Quem não gostar dos regulamentos da Nova Zelândia pode sempre rumar a Portugal onde o magnífico SNS, sem qualquer restrição, lhe vai tratar da saúde de borla.
Enquanto isso vamos sonhando que os recursos são ilimitados e todos temos direito a tudo.
É precisamente por se sonhar que os recursos são ilimitados que se geram problemas destes, com regulações disparatadas. O imigrante não precisou que lhe tratassem da saúde e não pediu nada. Queria – como é que se diz? – ser deixado em paz e trabalhar.
Dificilmente se encontraria num blogue “socialista” melhor argumento para um sistema nacional de saúde de acesso universal ao bom estilo do estado social europeu do que o exemplo aqui apresentado. Nunca é tarde para mudar, meus amigos!
Caro Carlos Pacheco, leu-me mal então. Acontece.
Não li não. Você apenas martelou o exemplo que encontrou à sua opinião. Os bons e velhos sistemas de saúde europeus são os únicos que conheço que não penalizam ninguém por ter 160 kilos. É um tipo de liberdade que escaba aos “liberais”.
Mas não sei se reparou que eu não estava a referir-me a exclusão quanto ao serviço de saúde. Este indivíduo foi excluído da possibilidade de continuar a trabalhar naquele território porque, poderia vir a ser um “fardo” no domínio da saúde. Talvez, quem sabe, um dia, vamos ver. Ele não pediu nada. Então e se eu fosse fumadora e se lhes apetecesse dizer que eu não podia manter-me naquele país?
Se a penalização se desse quanto ao serviço de saúde, isso seria natural, mais eficiente e não é somente possível na oferta privada. Existem modalidades intermédias que podem favorecer essa responsabilização pessoal, através até de contas poupança consoante o perfil pessoal. Eu estou a criticar os incentivos que existem em geral. É razoável que os riscos associados ao perfil da pessoa sejam reflectidos num seguro, certo? Não é isso que se faz com os automóveis?
Você escreveu “…exige-se conhecer os critérios que um sistema de saúde pública define para excluir ou penalizar os indivíduos…”
“Então e se eu fosse fumadora e se lhes apetecesse dizer que eu não podia manter-me naquele país?” Mais uma vez isto é uma questão que nem se coloca num típico estado social democrárico europeu.
“É razoável que os riscos associados ao perfil da pessoa sejam reflectidos num seguro, certo?” Sim, do ponto de vista de uma seguradora. Não do ponto de vista de uma sociedade verdadeiramente livre.
“Não é isso que se faz com os automóveis?” Uma pessoa não é um automóvel.
Claro que se exige conhecer os critérios. Se querem manter a modalidade pública e ao mesmo tempo querem aventurar-se com critérios delineados por entidades públicas, a imitar as seguradoras, ficamos com o pior dos dois mundos porque um sistema público nunca conseguirá definir critérios satisfatórios ao serviço dos clientes, pela amplitude do serviço e porque não consegue gerir tanta informação e com recursos que não lhes interessa gerir com ponderação.
Eu podia ser excluída de um condomínio privado, da casa de uma amiga, de uma igreja, de um bar. Visto que sou forçada a pagar impostos, não existe legitimidade alguma em ser forçada a sair de um país com base em suposições acerca dos gastos que a minha saúde pode vir a acarretar.
As pessoas não são automóveis mas vejo muita gente “estampada” e na “sucata” em filas de espera nos muito sagrados sistemas de saúde europeus. Pensei que o objectivo de todos nós era encontrar a forma menos imperfeita de satisfazer o maior número de pessoas. Mas se não é esse objectivo, podemos continuar a ignorar o óbvio, a ignorar “o que não se vê”, como dizia Bastiat.
“Pensei que o objectivo de todos nós era encontrar a forma menos imperfeita de satisfazer o maior número de pessoas.” É mesmo isso. Se apresentarem às pessoas alguma coisa que funcione melhor que os “sagrados sistemas de saúde europeus”, estou certo que os “liberais” não terão grandes problemas em ver concretizadas as suas ideias. As pessoas estão mais preocupadas com pão e vinho na mesa do que com grandes fantasias ideológicas, e fazem muito bem. Portanto, ficamos a aguardar que nos apresentem modelos ou sistemas onde não se veja “muita gente “estampada” e na “sucata” em filas de espera”.
Ah, então óptimo. Estamos cá para isso mesmo; apresentar alternativas sólidas. Eu também aprecio cada vez menos as “fantasias ideológicas” mas por vezes podem vir ao de cima, em virtude da tenra idade.
Tanta discussão. E porque não um sistema completamente privado? Quem assume mais riscos, paga por eles quando tiver de recorrer a cuidados de saúde.
Se uns ‘normais’ têm legitimidade de dizer que os que fumam (ou que comem mais) devem pagar mais, os vegetarianos também podem dizer que os que comem carne também têm de pagar mais. Enfim, e as proibições ou restrições nunca mais acabam. Já vejo tantas mentes brilhantes a querer proibir pessoas de abrir a boca para fumar, não deve demorar muito até ser proibido de abrir a boca para falar.
Bom artigo, Daniela.
Um dos pontos que considero importante salientar e’ que o moderno estado-nacao democratico nao “pertence” aos cidadaos, mas sim aos politicos que estao no poder e sao estes que determinam o que o “pais” permite ou nao permite. Afinal, a “saude publica” nao existe para “bem dos seres humanos mais pobres e desprotegidos”, serve para “bem dos seres humanos mais pobres e desprotegidos”, desde que sejam socios-membros do colectivo, a.k.a., cidadaos do monopolio territorial.
No final de contas, quem fica a perder sao os inumeros clientes que tiveram o prazer de comer os petiscos deste chef e que agora ficarao privados dos mesmos. E’ a vida!
A decisão tomada lá pelos nossos antípodas também me repugna, mas não deixa de introduzir uma discussão válida sobre a responsabilização dos cidadãos pelos seus actos. A Daniela passa por cima de toda essa discussão e centra-se numa argumentação que… bom, para ser sincero não percebi nada de argumentação. Induzo que a indignação provenha essencialmente (uma vez mais) de algum moralismo católico, parcialmente disfarçado por uma prosa muito floreada. E é isso que me preocupa. Porque quando centramos a “argumentação” (mesmo que não explicitamente) em moralismos e dogmas, não se está de facto a discutir, está-se a evangelizar. E nesse respeito, Daniela, estamos claramente nos antípodas. (não resisti ao jogo de palavras, perdoem-me 🙂
E em relação ao “nacionais” que sejam digamos “fortes” ? Serão expulsos para onde ?
aardvark
Não passei por cima de argumentação nenhuma (bem, tive de passar por cima de alguma coisa para fazer um post de tamanho razoável). Comecei logo por dizer que “O argumento em defesa dos contribuintes é tão populista e cínico, como perigoso.” E expliquei os adjectivos que usei, segundo a minha opinião.
Não disse que a discussão da responsabilização era irrelevante. Porque não considero que se trate de uma discussão em condições nestes termos. Disse que era estúpido ser o estado a encenar uma suposta preocupação com o assunto. Se revoltar-me com as arbitrariedades do estado é “moralismo católico”, então chame-me o que quiser. Acho que não é preciso ser católico para perceber que este é um caso absurdo (e não percebo onde foi buscar a ideia de que sou católica).
Também não sei onde estão os floreados da escrita mas posso tentar falar com esquemas, desenhos ou fórmulas para se perceber melhor.
vale a pena raciocinar como vamos pagar as despesas medicas que crescem descontroladas?
vale a pena olhar para o exemplo Kowait que tem 80% população (nacionais) obeso; as operações de banda gastrica são totalmente gratuitas e uma parte(60%?) da população já a fez. Têm direito a tudo pago em saúde e não precisam de modificar em nada os habitos alimentares que as tropas EUA ajudaram a moldar,pois a “liberdade” de (certas)escolhas é sagrada||
Aparentemente a Daniela é sempre mal compreendida. Por motivos que não consigo entender,, pois da minha parte, eu sempre entendo seus textos.
Creio que o foco são as falsas promessas dos estados de “bem estar”, que prometem sempre o céu, mas acabam entregando o purgatório (não sou católico, mas a figura é só para provocar os anti-católicos). Há estados em que eles tiram critérios da cartola, dos quais nunca haviam falado nada. Há outros onde a dívida cresce astronomicamente. Em outros, filas de espera, na esperança de que parte dos doentes morram, Em outros, pessoas morrem por falta de cuidados dentro dos próprios hospitais. Em outros, o governo emite descontroladamente, Em outros, calote nas dívidas, Em outros pacotes de socorro, ou aumento de impostos, ou diabrites contra os investidores. Na maioria, um pouco de tudo. O crescimento da produtividade, em razão do meio capitalismo que permitem, dá algum fôlego, e atrasa o dia da prestação de contas. Mas essa virá, porque as contas não fecham. Não é um sistema que possa suster-se, porque não há incentivos corretos aos gerentes do sistema. O governante propõe alguma medida e seus assessores respondem “isso vai dar errado”. “Quando?”, pergunta oi governante. “Daqui a dez anos”, respondem. Pronto, está achada a solução. Em dez anos o governante não estará mais lá, e basta a amizade da imprensa para jogar a culpa nas costas de outro.
Obrigada, caro Renato. Fico satisfeita por saber que afinal o texto se percebe plenamente. Interpretou muito bem. Também me pareceu que eu não tinha falado chinês. 🙂