O gráfico que se segue é contundente. Aparentemente, os países nórdicos têm a maior receita fiscal (em % do PIB) de toda a UE. A questão que se coloca é: será que esta é uma boa medida para aferir a carga fiscal necessária para onerar os compromissos em todo o horizonte temporal?

Dois importantes indicadores não constam desse gráfico. O défice fiscal e a dívida pública. Quando a despesa é maior do que a receita, é necessário emitir dívida pública para financiar os deficits. Se este comportamento é perpetuado, estamos a colocar no futuro obrigações que terão de ser oneradas com carga fiscal (ou redução da despesa, mas consideremos que a despesa pública é constante à taxa atual).
Mesmo que a equivalência de Barro-Ricardo não se verifique e as famílias não incorporem o facto de que dívida hoje são impostos no futuro, causando uma diminuição do consumo no curto-prazo por antecipação de futura carga fiscal, a verdade é que a dívida está lá. E terá de ser paga.
Ou seja, quando a análise da carga fiscal é feita para um determinado instante t, não está a analisar a carga fiscal necessária para cumprir as obrigações para todo o período. Dito de outra forma, o valor da carga fiscal no presente não é minimamente representativo, especialmente se obrigações contraídas no presente obrigarem a um aumento significativo da mesma por forma a fazer face ao serviço de dívida (novamente, assumindo que G é constante).
Por forma a incorporar essas obrigações futuras, pensei num indicador que permita normalizar a carga fiscal para todo o horizonte temporal, que pressupõe o pagamento integral da dívida. Consideremos, então, o rácio (G + B)/T, em que G representa os gastos públicos (consumo e investimento publico), B o stock de dívida pública e T a receita fiscal, todas as variáveis em % do PIB. No longo prazo (quando t -> inf), assumindo que a dívida é paga, então (G + B)/T = 1, ou seja, o orçamento é equilibrado e as receitas equilibram as despesas.
O resultado é o seguinte:

O gráfico reflete a disparidade entre obrigações do Estado e a receita fiscal que será necessária para as cumprir. Ou seja, Portugal necessita de 4 vezes a sua carga fiscal atual para onerar as suas obrigações (para todo o horizonte, obviamente – 4*T/t).
O corolário óbvio disto é que, assumindo todo o horizonte e que os países com elevada dívida não entrarão em default, a média da carga fiscal para todos os períodos necessário para Portugal onerar os compromissos é consideravelmente superior à dos países nórdicos (assumindo, uma vez mais, despesa constante).
Isto desmistifica a ideia de que a carga fiscal nos países nórdicos é superior. Aliás, no presente, até é. Não o é, provavelmente, para todo o horizonte temporal.
Parece-me por demais evidente que se este nível de carga fiscal já é elevado, incrementá-lo seria suicidário. A única alternativa é cortar na despesa. Ou, claro, uma outra revolução industrial que catapulte a taxa de crescimento do PIB para a casa dos dois dígitos, algo que dificilmente acontecerá em breve, excepto na cabeça de alguns.
Nota: se for usado o valor do saldo primário e da dívida para o mesmo período, existe uma dupla contabilização do défice no stock de dívida pública. Por simplificação e porque ainda não existem dados definitivos para 2012, incorro nessa redundância, mas os resultados não se alteram significativamente.
Nota 2: duas variáveis são fluxos e uma é um stock. No entanto, são normalizadas pelo PIB, pelo que são aditivas. (G + B)/Y mede a despesa do período atual mais a despesa acumulada, ou seja, a despesa para todo o horizonte.
Curiosa a posicao da Austria no grafico.
Antonio, http://blogs.telegraph.co.uk/news/danielhannan/100220846/a-dilemma-for-free-marketeers-why-is-austria-doing-so-well/
A dívida de hoje não equivale a mais impostos no futuro. Isso talvez fosse verdade no tempo de David Ricardo, quando não havia crescimento nem inflação, mas em geral não foi verdade depois de Ricardo. A dívida foi em geral, ao longo da história, paga, não através de uma subida dos impostos, mas sim através do crescimento económico e/ou da inflação.
Luís Lavoura, é objectivo do BCE controlar a inflação, e tem-no feito, portanto a não ser que voltemos ao Escudo, a minha análise mantém-se para Portugal pois exclui a monetização da dívida.
Quanto ao crescimento económico, fica a questão: qual crescimento económico? Viu alguma coisa significativa nos últimos 15 anos? Eu não. Crescimento nominal anímico, que em termos reais deve ter andado perto de 0%.
‘Receitas do estado’ / PIB nao é igual a ‘Carga fiscal’. ‘Receitas do estado’ é o que o estado consegue receber quando de facto as pessoas pagam, como nos paises nordicos (Austria incluida).
Estou seguro que os paises do Sul da Europa (GIPS), tem uma taxa de incumprimento significativamente maior, baralhando a analise que faz.
Don’t get me wrong, a carga fiscal em Portugal é ridicula, concordo consigo, apenas peco um pouco de rigor.
Cumprimentos MMS
não tem muita lógica porque estamos a assumir que os Países que neste momento têm maior carga fiscal a vão diminuir via os menores compromissos futuros. Em todo o momento o que interesse é a contribuição fiscal efectiva em percentagem do rendimento auferido. O que se está a demonstrar com a “normalização” é apenas a necessidade de maior carga fiscal futura para alguns Países (caso o nosso) de forma a conseguir pagar a dívida e um superavit maior dos Países Nórdicos, que até terão margem de manobra para a fazer decrescer no futuro.
A análise é interessante.
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Mas, na verdade, divida contraída não tem que ser paga necessariamente com o mesmo nível de impostos do presente. Quer dizer, se emitimos OT’s a 10 anos, a base tributável poderá ser maior nessa data. Isto quer dizer que o endividamento que tenha por objectivo dotar o país de capacidades para crescer, só pode ser benéfico.
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Assistimos, aliás, no pós grande-guerra a isso mesmo. As somas de dinheiro investido resultaram em crescimentos rápidos cujas receitas fizeram com que se pagasse a dívida mais rapidamente.
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O autor terá razão no caso português onde o investimento foi mal orientado, eu diria desperdiçado, em cenisses sem qualquer sustentação de nivel de actividade. Endividar o país para fazer estadios, estradas duplicadas, pagar rendas a monopolios, luxos nas escolas, obras de arte nos metros, submarinos etc não são investimentos. São gastos.
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Ricciardi (Rb)
“no tempo de David Ricardo, quando não havia crescimento nem inflação”
Vou registar esta!
Curioso gráfico. E porque não contém também a soma da carga fiscal com as contribuições da Segurança Social (que pode dar facilmente mais de 50% nos trabalhadores independentes), IUC, IMI e o IVA a 23%?
Se calhar não convém, para evitar uma revolta popular.
A verdadeira “carga fiscal” é a despesa pública – Esse é o montante de recursos desviados dos consumidores e aforradores.
Tudo o resto são formas habilidosas de fantasiar sobre a realidade.
Quando o comboio da fantasia bate contra a realidade (o que acontece sempre mais tarde ou mais cedo) temos aquilo a que se chama crise.
Inflação é um imposto disfarçado (uma intrujice), que prejudica tanto mais quanto mais se está longe dos círculos do poder, e que é vendida pelo socialismo como “crescimento”.
É também, na prática, o derradeiro esquema em pirâmide, onde quem ganha é quem emite a moeda (mais os seus amigos), e onde o final é semelhante, mas ainda mais espectacular.
É esse o ponto Ricardo. O nível atual de taxação não traduz a verdadeira “carga fiscal” que virá no futuro.
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No limite, os defensores dos estímulos públicos e das virtualidades dos défices deveriam ser favoráveis à eliminação dos impostos – dessa forma toda a despesa pública seria crescimento e défice.
Quanto mais o Estado gasta e menos impostos cobra – mais crescimento.
A dívida aumenta, mas não faz mal porque a inflacção paga a dívida.
Esta ideia bizarra circula por todo o lado (até em Universidades).
É uma analise interessante mas limitada. Como já foi dito exclui inflação e crescimento. Além de que o que verdadeiramente interessa é o serviço da divida ou o saldo primário necessário para estabilizar o stock de divida (podia ter feito esse calculo facilmente).
Por ultimo nao tem em conta activos do Estado ( no caso da Noruega é particularmente relevante).
De qq forma dou lhe os parabéns por esta interessante analise!
No post diz-se que em 2012 a carga fiscal em Portugal aumentou. Todos os dados que encontro sobre isso indicam que diminuiu:
http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/receitas_da_carga_fiscal_diminuem_59_para_535_mil_milhoes_de_euros_em_2012.html
João Miranda, o nível de carga fiscal aumentou (taxa de imposto marginal), a receita obtida diminuiu. Com as sobretaxas de solidariedade e alteração dos escalões do IRS, os descontos são maiores, a base tributável é que diminui por causa do desemprego e contração do consumo.
JMS, o aumento no nível de preços pode facilmente ser incluída na análise, mas é irrelevante pois eu limito-me aos países da EMU e podemos assumir, com bastante certeza, que a inflação é muito semelhante para todos os países da EMU pois estão sob ação do mesmo BC.
Quanto ao crescimento económico, de facto poderia multiplicar a carga fiscal pela taxa de crescimento do produto, algo que só iria prejudicar ainda mais Portugal, pois é claramente dos países com menores taxas de crescimento da UE.
Mário Amorim Lopes,
No primeiro gráfico a carga fiscal é medida com base na receita fiscal.
João Miranda, os dados usados para efetuar os cálculos correspondem aos valores em função do PIB. O PIB diminuiu logo a receita fiscal diminuiu mas não diminuíram as taxas de incidência (ou carga) fiscal. Não obstante, usei sempre os dados de 2011, antes de qualquer alteração às tabelas fiscais.
Mário Amorim Lopes,
Na sua resposta esqueceu-se de referir o mais importante que é a estabilização da dívida em função do saldo primário. No longo prazo não é necessário que a dívida seja paga mas sim que G (incluindo juros da dívida) = T de forma a que B se mantenha constante.
JMS, a restrição inter-temporal da dívida diz mais do que isso. Diz que o valor presente dos futuros cashflows (que são os saldos primários) deverá ser suficiente para pagar o nível inicial de dívida, B0. A implicação disso é que o valor presente dos impostos arrecadados seja igual ao valor presente da despesa pública ou que, caso isso falhe (é o caso), o valor futuro dos impostos seja maior e/ou o valor futuro da despesa menor. É precisamente isso que serve de base ao que aqui escrevo. O caso em que B(inf) = B0 é quando a taxa de juro é igual à taxa de crescimento do produto. Se for maior, então B(inf) = 0.
Tem toda a razão. Fui rever uns conceitos e é a chamada transversality condition. I stand corrected.
Como cenário de comparação é de facto útil (os países comparados têm, mais ou menos, a mesma inflação, crescimento pop. e crescimento per capita).
Obrigado pelos esclarecimentos!
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