Estado:
Segundo a extrema-esquerda, trata-se de uma estrutura de domínio de classe, mais propriamente da burguesia capitalista, financeira e latifundiária, sobre o proletariado. Tem de ser tomado pela via revolucionária, para ser gerido, numa fase intermédia, socialista, pela vanguarda da revolução ou do proletariado, até se atingir o nirvana comunista da igualdade social absoluta. Nesse momento ele deixará de existir por contradição histórica.
Segundo a esquerda democrática, é o resultado de um contrato social garantístico da igualdade e das liberdades sociais. Sem o estado as liberdades (não propriamente a liberdade) são inexistentes ou impraticáveis, já que os homens seriam incapazes de ordenar as suas acções de forma pacífica e não violenta. O estado promove a segurança, as liberdades cívicas, a igualdade e a justiça social. Deve ter a dimensão necessária à promoção desses fins e não deve escusar-se de interferir no jogo social e económico para os atingir. Neste último domínio em particular, é ao estado – e não ao mercado – que compete a promoção do desenvolvimento económico, pela redistribuição de renda e criação directa e indirecta de riqueza. Numa versão mais suave, social-democrata e revisionista, aceita-se a coexistência, no plano económico, do estado e do mercado, desde que as regras do funcionamento deste último sejam ditadas e fiscalizadas pelo primeiro.
Segundo a direita conservadora, trata-se de uma estrutura pactuada pelos indivíduos, para que lhes sejam garantidas algumas condições elementares de vida social, que eles, por si, são incapazes de garantir plenamente. O estado deve, assim, situar-se nos domínios da segurança, da justiça, das relações externas e da economia, como garante da liberdade económica e das regras do mercado de livre concorrência. Alguma direita democrática mais ortodoxa quer ver o estado a promover o bem-estar social. Esta “direita” é objectivamente de esquerda e deve saltar para o parágrafo anterior.
Segundo a direita liberal, a História da Humanidade é a da resistência ao poder soberano do estado. Por essa razão, as populações medievais negociavam cartas de privilégio com os poderes públicos, que viriam a transformar-se, alguns séculos mais tarde, nas Constituições liberais, orgânicas e não programáticas. Para a direita liberal, o estado é um dado de facto que é necessário combater e não pode ser ignorado. Deve ser permanentemente reconduzido a funções mínimas, não deve intervir no mercado sob pretexto algum, e deve ser substituído, em todos os domínios que lhe possam ser retirados, pela livre cooperação entre indivíduos. A direita liberal tem hoje de resolver o problema da erosão dos instrumentos clássicos de limitação do estado, a saber, o Livre Mercado e o Estado de Direito Constitucional, que a soberania tem vindo a conseguir desgastar com o tempo, tornando frágeis e, por vezes, inúteis, as suas instituições.
Para os anarquistas de esquerda, o estado é um instrumento de opressão, que é necessário extinguir pela violência. A propriedade privada é a origem de todas as desigualdades humanas e é para a preservar que o estado existe. Logo, o caminho da extinção do estado é o da abolição da propriedade privada.
Para os anarquistas de direita, o estado existe? Não, não existe. Ele é apenas um sonho mau saído de cabeças minarquistas, que, quando acordarmos, não existirá mais. Entretanto, se recairmos no pesadelo, bastará fechar os olhos com força e invocar o princípio da não agressão para que tudo se componha.
Anarquistas de esquerda? Anarquista de direita? Isso não existe. Pelo menos para mim… e sou anarquista.
Efectivamente, anarquia é anarquia (não há esquerda ou direita).
^ ^ Isto! +1
Saudações voluntaristas!
rui a., compreeende que pela sua definição em Portugal (e não só), a “esquerda democrática” (incluindo “impuros” da direita conservadora) não seria apenas maioritária mas a quase totalidade da população?
Claro que entendo, caro João Branco. E é isso mesmo que se passa e que resulta no nosso rotativismo secular de dois grandes partidos do centrão, o PS e o PSD. E, já agora, é também por isso que isto chegou ao que chegou.
Aos anarcas:
Click to access progress_poverty_george.pdf
Acho piada o rui a. não considerar que a direita conservadora atribui ao estado algum papel na preservação da tradição. Parece-me uma característica elementar desta facção, se não os conservadores eram todos liberais contratualistas.
Dizer que preservar activamente a tradição é uma forma de bem-estar e portanto chutá-los para a esquerda não vale. Nem todo o intervencionismo estatal é de esquerda, muito menos se for para preservar tradições que promovam diferenciação social.
A preservação da «tradição» se feita pelo estado deixa, obviamente, de ser tradição, para passar a ser um pechisbeque qualquer para justificar o saque a fundos públicos (conhece o artigo do Vasco Pulido Valente «A Casa Portuguesa»?). Por definição, a tradição preserva-se a si própria e a direita liberal, como a conservadora, não o ignora. Um dia destes tratarei do assunto.
Rui,
Não sendo eu ancap, parece-me ainda assim que a descrição de anarquista de direita peca por algum excesso de simplismo… 🙂
Eu já percebi que o rui a. considera liberalismo e conservadorismo como mais ou a mesma coisa, por isso até é estranho que tenha posto as duas categorias separadas. Mas qual é a utilidade de fazer esta equivalência se ela não representa aquilo que é normalmente designado como conservadorismo em Portugal, em França, nos EUA, no Irão, ou qualquer país que me lembre (talvez o Reino Unido seja a excepção? não sei)
Pode sempre dizer “ah, esses não são os conservadores a sério”, mas isso já é destruir o significado das palavras em nome de uma pureza qualquer. A USSR também não é o verdadeiro comunismo, e a escola de Chicago são “a bunch of socialists”, etc …
«anarquista de direita peca por algum excesso de simplismo… »
Mas é um dicionário elementar, André! Para andar no bolso. Uma obra imprescindível, cuja inexistência nos faz muita falta e com sucesso editorial assegurado. Espero que saia antes das eleições autárquicas, para que os candidatos o possam comprar e utilizar em campanha.
E o verbete em causa era sobre o estado e não propriamente sobre o anarco-capitalismo. No fim de contas, foi mais uma tentativa de convencer o Migas da bondade dos meus argumentos…
Os liberais de direita (suponho eu, “minarquistas”) também gostavam de fechar os olhos e imaginar por um pouco que o Estado é uma criação justa, cujo mesmo a sua função mínima é passível de ser justificada. Mas suponho que, tal como os an-caps (na definição do Rui A.), acabem por esbarrar contra a fria e dura realidade.
(Viram? Também sei jogar este jogo!)
😉
Caro rui a.,
A suas definições de Direita (tanto a conservadora como a liberal) estão erradas num contexto Continental (em que nos encontramos). Aplicam-se aos anglo-saxónicos, mas não a países mais influenciados por tradições legais e organizacionais francesas ou germânicas.
A exemplo, e como foi referido atrás pelo Francisco, não considerar o peso da Tradição (que não tem nada a ver com o conceito de Common Law) na Direita Conservadora é errado. A Direita conservadora defende a intervenção do Estado na manutenção (e promoção) de princípios morais e organizativos da Sociedade. Caso prático: a direita tradicional (que por cá muitas vezes se associa ao CDS-PP) NUNCA permitiria um voto a favor ou abstenção na co-adopção de crianças por casais homossexuais.
Rui, gosto deste seu post. . Hoje em dia parece-me que na maioria das pessoas se limitam a sr de direita ou de esquerda como se isso fosse um clube de futebol e utilizam o oposto (ser de esquerda para quem é de direita e vice versa como se fosse um insulto). O esforço por objetivar o que é esquerda e direita nos dias de hoje é louvável.
Os anarquistas de direita parecem os mais realistas:
– O estado mundial não existe e assim o estado natural da ausência de monopólio territorial da violência é uma realidade de sempre, que a ciência política tem dificuldade sequer em reflectir sobre, liberais incluídos.
– O estado liberal também não existe, sendo uma utopia distante dos minarquistas.
– As constituições legitimaram o poder absoluto da vontade geral expressa no poder político, monopolizando a noção de direito e assim tornando impossível o “estado liberal” .
PS: falta uma força crescente que são os tradicionalistas.
Anarquia é anarquia, o que diferencia a anarquia da esquerda da de direita são apenas os objectivos. Por isso é que nunca percebi a anarquia dos esquerdistas, porque as suas consequências estariam muito mais próximas dos ideias liberais ou libertários, do que propriamente dos objectivos da esquerda revolucionária. Julgo que acreditam que a anarquia tornaria iguais as pessoas, quando no fundo acabaria por elevar ao poder os mais fortes, numa espécie de selecção natural. No fundo, capitularia a propriedade privada, ao mesmo tempo que subjugaria os demais à vontade daqueles que triunfariam pela força.
Se forem colocadas na devida ordem, não há fronteiras nítidas entre as diversas teorias sobre a natureza e funções do Estado. Elas só se notam quando se comparam teorias algo afastadas no espectro ideológico.
Pingback: Tretas liberais | Bordoadas
Pingback: Tretas liberais | perspectivas
«A Direita conservadora defende a intervenção do Estado na manutenção (e promoção) de princípios morais e organizativos da Sociedade.»
Dê-me lá, s.f.f., alguns exemplos de autores conservadores ingleses que defendam isto.
“Mas é um dicionário elementar, André! Para andar no bolso.”
Eu gosto de complicar as coisas… 🙂
“falta uma força crescente que são os tradicionalistas.”
Isso pode ser apenas uma moda efémera.
“Uma obra imprescindível, cuja inexistência nos faz muita falta e com sucesso editorial assegurado. Espero que saia antes das eleições autárquicas, para que os candidatos o possam comprar e utilizar em campanha.”
Antevejo um enorme sucesso.. 😉
“No fim de contas, foi mais uma tentativa de convencer o Migas da bondade dos meus argumentos…”
Ok. Assim já percebo melhor…
“Dê-me lá, s.f.f., alguns exemplos de autores CONSERVADORES INGLESES que defendam isto.”
Aí está o problema: “isto” aqui (Portugal) não é Inglaterra, nem sequer um país com ligações político-sociais fortes com esta (pelo menos desde o Séc. XV). Logo, e como escrevi atrás, o seu dicionário (no que diz respeito à Direita pelo menos) não faz sentido. Quando decidir reescrever o mesmo para a tradição política continental (franco-germânica) é capaz de ser mais relevante.
Parece que alguém continua desnecessariamente chateado…
Pois está mais que comprovado que os conservadores liberais sempre lutaram contra a extensão do Estado, basta ver o sucesso que Thatcher ou Reagan tiveram, por exemplo, em baixar de forma substancial a despesa pública e reduzir fortemente os impostos.
Além disso, os anarco-capitalistas nada têm teoricamente contra a existência do Estado, o problema do Estado é deter o monopólio da violência legítima. Se o Estado se tornar um actor como os outros, a saber dependente da vontade dos indíviduos de confiarem ou não nele não haverá nenhum problema. Agora será que tornar o imposto voluntário e permitir às pessoas de se submeterem a tribunais, leis diferentes são garantias suficientes para travar de vez o Estado? Não sei mas de certeza que “reconduzir permanentemente o Estado a funções funções mínimas” é fraquinho como programa.
Até parece um revolucionário a falar, “é preciso lutar contra a exploração burguesa, e quando for eliminada é preciso eliminar os koulaks para nos livrarmos dos espiões imperialistas”.
Numa sociedade anacap o Estado, pode bem, por exemplo, se ocupar de todos os mendigos se o dinheiro que tiver for dado voluntariamente pelos restantes membros da sociedade. Numa sociedade conservadora liberal é preciso determinar o que é o minímo, alguns dirão que é haver polícias a empedi-los de agredirem as outras pessoas, outros dirão que é preciso os impedir de se fazer mal a sí próprios…
“Aí está o problema: “isto” aqui (Portugal) não é Inglaterra”
Ok. Considerando, então, que as ideias devam ter nacionalidade, indique-me lá, s.f.f., alguns autores conservadores portugueses que defendam “a intervenção do Estado na manutenção (e promoção) de princípios morais e organizativos da Sociedade”.
“está mais que comprovado que os conservadores liberais sempre lutaram contra a extensão do Estado, basta ver o sucesso que Thatcher ou Reagan tiveram, por exemplo, em baixar de forma substancial a despesa pública e reduzir fortemente os impostos.”
A Thatcher ainda conseguiu reduzir um pouco os impostos, agora o Reagan foi o inicio do descalabro estado-unidense com a a dívida pública! O Estado dos EUA com o Reagan ganhou força, mesmo que na altura tivesse a desculpa de estar a lutar contra os soviéticos.
De qualquer forma, nem a Thatcher nem o <Reagan se podem considerar liberais pelos padrões dos insurgentes, nem pela definição do Rui.a.
“De qualquer forma, nem a Thatcher nem o <Reagan se podem considerar liberais pelos padrões dos insurgentes, nem pela definição do Rui.a."
O liberalismo é uma filosofia sobre o governo e o estado e não uma filosofia do estado e do governo. Por outras palavras, por contradição nos termos, não há nunca governos liberais. Governar é sempre intervir. O que há é governos mais ou menos intervencionistas.
“Ok. Considerando, então, que as ideias devam ter nacionalidade, indique-me lá, s.f.f., alguns autores conservadores portugueses que defendam “a intervenção do Estado na manutenção (e promoção) de princípios morais e organizativos da Sociedade”.”
Não, as ideias não têm nacionalidade, mas a sua génese e aplicabilidade depende de país para país. Se quiser, em termos ideológicos, poderá olhar para o Gaullismo francês (na sua facção mais monarquista) ou a CDU na Alemanha (principalmente no “partido-irmão” da Baviera, a CSU).
” poderá olhar para o Gaullismo francês (na sua facção mais monarquista) ou a CDU na Alemanha (principalmente no “partido-irmão” da Baviera, a CSU)”
E o que é que lá encontra?
“Governar é sempre intervir. O que há é governos mais ou menos intervencionistas.”
Algo que se ouve muito entre os círculos anarcocapitalistas curiosamente.
“Dê-me lá, s.f.f., alguns exemplos de autores conservadores ingleses que defendam isto.”
Autores conservadores norte-americanos servem?
http://ventosueste.blogspot.com/2013/06/exemplos-de-conservadores-defendendo.html
“A Thatcher ainda conseguiu reduzir um pouco os impostos”
Creio que em grande parte do seu mandato o que a Tatcher fez foi aumentar os impostos – pelo menos nos primeiros anos o que houve foi um grande aumento do IVA (houve também uma redução do imposto sobre o rendimento, mas menor que o aumento do IVA). O famoso orçamento dela que levou à tal carta de não sei quantos economistas dizendo que ia ser uma catastrofe tinha como eixo central o aumento do IVA (e creio que foi exactamente isso que levou à carta)
A ideia que eu tenho é que efectivamente houve uma redução da despesa em % do PIB, mas só lá no fim do mandato
Mas que ideia é essa que Thatcher baixou os impostos?
O liberalismo, sendo a “intervenção mínima do estado” significa verdadeiramente a intervenção do estado a mando do poder economico do grande patronato.
Thatcher baixou os impostos progressivos e aumentou os regressivos. A grande ‘magia’ da dama de ferro foi o de desviar o dinheiro da classe trabalhadora para os patrões.
A redução do apoio social foi a sua despesa controlada, a claudicação do salário mínimo e o combate aos sindicatos foram outras pérolas desta senhora.
Agora vamos cá ver, quem é que aqui, sendo um pequeno gestor de uma PME acredita que o liberalismo é a solução dos seus problemas? Vocês acham mesmo que se algum dia forem uma ameaça a um grande CEO ele não vos espezinha por amor à livre concorrência? Isto claro, supondo que vos deixam crescer até serem uma ameaça. O mais certo é viverem ad eternum a tentar estar à tona de água… E nem percebem quem vos mantém sob controle.
Ou então se calhar eu enganei-me e vocês são todos ‘cavalheiros de bem’, grandes senhores feudais, advogados partidarizados, CEOs do PSI…
Deve ser isso!
Pingback: Liberais, conservadores e anarquistas | O Insurgente