O caminho das pedras do default

Ensaiou-se hoje, confessado a muito custo e verdadeiramente arrancado a ferros, o novo passo na rota do default e do confisco selectivos encetada por este governo desde a sua tomada de posse.

Depois do default aos compromissos salariais para com os seus funcionários, dos defaults efectuados a fornecedores escolhidos a dedo, e do confisco efectuado por via fiscal aos trabalhadores privados, ensaia o governo agora um novo salto no caminho da bancarrota, desta vez propondo-se voltar atrás, de forma retroactiva, nos compromissos que o estado assumiu no passado aos seus pensionistas.

Note-se, mais uma vem, o carácter selectivo da medida. Não estamos a falar num incumprimento transversal do estado das suas obrigações assumidas. Assistimos mais uma vez sim a medidas bem dirigidas e apontadas, demonstrando uma precisão de tiro que o governo escolhe não exercer noutros domínios. Porque o escolhe fazer deste modo? Quais são os credores que este governo está afinal mandatado para proteger neste processo de insolvência do estado pelo qual passamos?

Que uma medida retroactiva desta natureza é atentatória dos mais fundamentais e básicos princípios de Direito, para além de meros exercícios de conformidade ou não delas para com a nossa miserável constituição e para com a tralha que a rodeia e supostamente a faz cumprir, parece-me claro e dificilmente refutável, pelo menos a quem adopte a existência desse tipo de regras básicas e não se refugie numa lógica meramente utilitarista de que os fins justificam os meios.

É que, tomada esta medida, fica-me uma dúvida: que género de compromisso é que o estado simultaneamente assume em relação aos termos e à natureza da reforma para a qual continuará a receber, de forma compulsória – e, para já, intocada -, uma parte muito significativa dos rendimentos dos trabalhadores? Nenhuns? E entretanto mantém-se quem trabalha sob o jugo de um sistema em que as garantias são nulas e/ou insindicáveis, e em que os compromissos de hoje são a conta à ordem à disposição do estado de amanhã?

Acabe-se de vez com esta burla, e liberte-se os trabalhadores desta mecanismo de extorsão deliberada e mais que confirmada por iniciativas do género da que está em cima da mesa.

19 pensamentos sobre “O caminho das pedras do default

  1. murphy

    E não será “atentatório” dos portugueses entre 30 e 50 anos, suportarem pensões iguais a 100% do último vencimento de outros cidadãos quando eles próprios apenas terão direito (se correr bem…) a 30%-40% do seu vencimento quando se reformarem? Por muito que em televisões, fóruns e jornais se diga o contrário, será inevitável mexer nisto…

    Os factos: se há 20 anos existiam 4 trabalhadores activos por cada reformado (e a esperança média de vida, i.e., o n.º de anos médio que as pessoas usufruíam da pensão era de 10 – 12 anos), alguém com o mínimo de conhecimentos de matemática pode acreditar que o mesmo sistema suportará pagar o mesmo nível de pensões quando, dentro de pucos anos, teremos 3 pensionistas por cada 4 trabalhadores activos e, apesar da subida da idade de reforma, em média as pessoas receberão as suas pensões por 20 – 25 anos?!
    http://jornalismoassim.blogspot.pt/2013/01/da-constitucionalidade.html

  2. Miguel Noronha

    A insolvência do sistema pública de pensões é “manifestamente inconstitucional”.

  3. A solução para o que diz é acabar com o actual sistema de pensões, e libertar os actuais trabalhadores da obrigação de contribuir e perpetuar um sistema que claramente os está a burlar.

    O problema do financiamento dos encargos já assumidos e activos é um problema separado, que deve ser resolvido autonomamente. E é possível resolvê-lo sem voltar atrás da palavra dada nem ofendendo boas princípios gerais que nos separam da barbárie e das soluções discricionárias.

  4. Miguel Noronha

    Sinceramente não estou a ver como é que se pode resolver o problema dos “direitos adquiridos” sem um default parcial. Ou descobrimos petróleo ou outra abundante fonte de riqueza ou então só com uma considerável inflação vai ser possível o cumprimento (nominal) das obrigações.

  5. Não acho que neste caso concreto sejam “direitos adquiridos”. São obrigações contratuais que, ainda mais, foram impostas pela vontade do estado.

    De resto, não acho que seja necessária a descoberta de uma fonte de riqueza ou inflação. Julgo que será possível por reafectação de recursos.

    Se deixares liquidar, por exemplo, as empresas de transportes que se encontram falidas, os encargos libertos por esse facto julgo que serão mais do que suficientes para cobrir essa “despesa”.

  6. A constituição garante como garante todos os contratos estabelecidos pelo estado ou por privados. No nosso caso, mal e porcamente, e permitindo a existência de contratos de primeira e de contratos de segunda. Mas parece que há o reverso da medalha: estes parece que são os únicos que não são garantidos.

  7. Miguel Noronha

    “Se deixares liquidar, por exemplo, as empresas de transportes que se encontram falidas, os encargos libertos por esse facto julgo que serão mais do que suficientes para cobrir essa “despesa”.”

    Não tenho agora possibildiade de comparar magnitudes. De qualquer isso implica o financimanto via impostos de terceiros por tempo significativo o que na prática será a manutenção do sistema actual sob outro nome,

  8. Luís Lavoura

    O João Luís Pinto utiliza neste post palavras manifestamente injustificadas, como sejam “retroatividade” e “compromissos”.
    Quando um patrão aceita aumentar os salários dos seus trabalhadores, há “retroatividade”? Manifestamente, não há. Da mesmíssima forma, qaundo a Segurança Social decide reduzir as pensões dos reformados, não há qualuqer retroatividade. Há apenas uma mudança que apenas produz efeitos de aqui para a frente.
    Quando eu convido uma amiga para jantar e até lhe pago o jantar, pode ela depois acusar-me de quebra de compromissos se eu não casar com ela? Manifestamente, não pode, porque eu não me comprometi a nada. Da mesma forma, o Estado não pode ser acusado de nenhuma quebra de compromissos para com os reformados, porque a nada se comprometeu com eles. O Estado não tem culpa nenhuma de que os reformados tenham imaginado, nas suas cabeças, que o Estado se estava a comprometer a algo.
    Portanto: há uma diminuição das pensões de reforma, mas isso não representa a quebra de qualquer comprmisso, a rotura de qualquer contrato, nem a instauraçºão de qualquer retroatividade. Nenhuma ilegalidade está envolvida. Há apenas uma violação de expetativas. Mas expetativas não são leis.

  9. Bom, eu não estou a dizer que se resolve o problema só à custa da liquidação das empresas de transportes (apesar que os números do RA não se podem avaliar directamente – há que considerar, por exemplo, encaixes financeiros com as novas concessões).

    De qualquer modo, já seria da ordem de grandeza do que o estado pretende encaixar mantendo a burla mas fazendo os cortes, ou seja, aquilo que está em cima da mesa e que originou o meu artigo (e sei que não é só isso que estamos a confrontar).

    O problema é sem dúvida grande, mas há outras soluções que até já apresentei por aqui que me parecem bastante mais equilibradas e que deixariam a Justiça bem mais intocada.

    Nomeadamente:

    – Reavaliar as reformas actuais à luz das carreiras contributivas.
    – Acabar imediatamente com o sistema de pensões público.
    – Reafectar receitas/encargos cessantes.

  10. O Luís Lavoura é que parece apresentar alguma dificuldade com a linguagem e os conceitos.

    “Quando um patrão aceita aumentar os salários dos seus trabalhadores, há “retroatividade”?”

    Essa questão não tem nada a ver com retroactividade. O que está em causa é uma revisão contratual com o acordo de ambas as partes. A menos que o Luís Lavoura se queira dar como exemplo de oposição à vontade de o seu patrão em renegociar o seu contrato nesse sentido.

    Já se houver um corte unilateral de salário (sem o acordo do empregado) há obviamente incumprimento contratual (“quebra de compromissos”).

    “O Estado não tem culpa nenhuma de que os reformados tenham imaginado, nas suas cabeças, que o Estado se estava a comprometer a algo.”

    Não: quando o estado cobra dinheiro aos trabalhadores dizendo-lhe que o consigna a reformas, aprova leis que estabelecem o critério e a forma de cálculo dessas reformas, e ainda torna este processo obrigatório, como é que alguém poderia pensar ou imaginar que o estado se está a comprometer com alguma coisa?

    “Há apenas uma violação de expetativas. Mas expetativas não são leis.”

    As expectativas tem relevância contratual.

  11. Pingback: Página não encontrada | O Insurgente

  12. PedroS

    “O Estado não tem culpa nenhuma de que os reformados tenham imaginado, nas suas cabeças, que o Estado se estava a comprometer a algo.”

    Tem culpa disso, sim, porque está sempre a apregoar a “defesa da Segurança Social” como algo importante para os actuais contribuintes líquidos.

  13. Luís Lavoura

    O João Luís Pinto insiste em falar de “contratos” inexistentes. Já lhe disse: não há contrato nenhum. O dinheiro que descontamos para a Segurança Social destina-se a pagar pensões diversas (de reforma, de invalidez, de sobrevivência, etc) e subsídios diversos (de doença, de maternidade, de desemprego, etc). Não há nenhum contrato da parte do Estado de qual a parte que será gasta a pagar cada uma destas pensões e cada um destes subsídios. A cada momento, o Estado pode alterar, e altera, tanto a alocação do dinheiro como as regras de atribuição das diversas pensões e dos diversos subsídios. Sempre assim foi, e nunca ninguém se queixou de “retroatividade” nem de “quebra de contratos”. E isto tanto se passa em Portugal como em qualquer outro país.

  14. Rb

    As pensões e reformas na Alemanha são consideradas Direito de Propriedade. E bem.
    .
    É uma medida sem pernas para andar. É manifestamente ilegal, imoral, confiscatória.
    .
    Só se justifca o confisco, em caso de necessidade muito extrema, no fim de linha; e neste caso além do ataque às pensões, todos os restantes direitos de propriedade devem entrar tambem para efeitos de confisco. Porquê circunstanciar o confisco às pensões? então levem tambem as casas, os carros, as accoes, os dep. bancários…
    .
    Rb

  15. TZ

    Ao contrário do que o Luís Lavoura diz, existe mesmo um contrato. Tanto mais que as regras estão tipificadas e as pensões são calculadas com base nos descontos. Pode chamar-lhe o que quiser mas qualquer tribunal irá recohecer a validade contratual a essas promessas do Estado. E é um contrato que é o obrigatório. Ou seja, eu sou obrigado a descontar para a Segurança Social. Mas quem compra obrigações e bilhetes do Tesouro não é obrigado a fazê-lo. Fá-lo por sua conta e risco. Portanto, juridicamente é perfeitamente defensável que o Estado imponha um haircut aos detendores de dívida pública continuando a proteger os direitos legitimamente adquiridos pelos pensionistas.

  16. Cfe

    “O que está em causa é uma revisão contratual com o acordo de ambas as partes. ”

    Contrato?

    Um contrato tem de ser firmado entre as duas partes livremente.

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