“r-i-g-o-r-o-s-a-m-e-n-t-e a-o c-e-n-t-r-o”

https://i0.wp.com/www.ionline.pt/sites/default/files/imagecache/iarticle_photo_400x225/amaral.jpg

O senhor da fotografia ao lado chama-se Diogo Freitas do Amaral. Os mais novos conhecem-no como ex-ministro do governo de José Sócrates e fiel companheiro de algumas figuras gradas do socialismo português e actuais ou antigos deputados do PS: Luís Beiroco, Rui Pena e, naturalmente, essa referência maior do nosso socialismo democrático que é Basílio Horta.

Eu tenho, todavia, uma estória para contar aos mais jovens. Freitas do Amaral foi, em tempos, há quase quarenta anos, o fundador e o primeiro presidente do CDS, o partido mais à direita do espectro partidário do nosso regime democrático. Todos os outros nomes referidos no anterior parágrafo foram também dirigentes, deputados e ministros do CDS.

Freitas do Amaral tinha sido, logo no começo da sua vida profissional, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e assistente e colaborador próximo do Professor Marcelo Caetano, que sucedeu na presidência do conselho de ministros, em 1968, a António de Oliveira Salazar. Entre os jovens comprometidos com o regime deposto a 25 de Abril de 1974 e, sobretudo, com o regime que se esperava refundado por Marcelo Caetano, Freitas era tido, talvez por feitio e por carácter, como um homem tolerante, democrático, quase um liberal (era um grande apreciador da liberdade!). Essas e outra característica determinante, a de ser um “europeísta”, o que, à época, significava que tinha pouco ou nenhum apreço pela presença portuguesa em África, levaram a que, numa bela tarde do verão de 1974, já depois da revolução, Freitas do Amaral recebesse um telefonema do Conselho da Revolução (uma espécie de Tribunal Constitucional da época), para comparecer com o seu amigo e companheiro de tertúlias intelectuais, Adelino Amaro da Costa, no dito Conselho, no dia seguinte. Freitas confessa no primeiro volume das suas Memórias que se convenceu que os iam mandar prender. No dia acertado lá compareceu com o seu amigo no temível conselho revolucionário e, para espanto de ambos, foram recebidos, se bem recordo (não tenho o livro à mão) por um afável major Melo Antunes, figura eminente da esquerda revolucionária, que, em vez de os enfiar no calabouço a que se julgavam destinados, lhes pediu, melhor, os intimou a fundarem um partido de direita. Um partido de direita democrática, naturalmente, europeísta e distante do Ultramar, claro está, e que aceitasse a legitimidade da revolução de Abril, o que não era coisa difícil (mortos por isso estavam eles) para Freitas e a Adelino.

Freitas do Amaral e Amaro da Costa aceitaram a encomenda, mas nunca se sentiram, nenhum dos dois, confortáveis com a ideia de que o CDS fosse um partido de direita. Adelino chegou mesmo, por esse tempo, a confessar-se um homem de centro-esquerda (segundo as Memórias de Freitas do Amaral) e, quanto a Freitas, fosse pelo trauma do seu percurso marcelista, fosse por convicção íntima ou por ambas as coisas, rejeitou sempre a qualificação pessoal de “homem de direita”. Na televisão, quando lhe perguntavam como definia ideologicamente o seu partido, ele mirava as câmaras e, através delas, os espectadores, e, com a gravitas exigida pela solenidade do momento e a sua pautada e solene voz de mestre-escola, respondia pausadamente: “O CDS não é um partido nem de esquerda nem de direita. O CDS está r-i-g-o-r-o-s-a-m-e-n-t-e  a-o  c-e-n-t-r-o”.

Esta mania de Freitas e do CDS não se dizerem de direita punha-me, a mim, que era então um garoto pequeno, reaccionário, pelos ditames da idade, e de direita, por sensibilidade emotiva e algumas boas companhias de certas pessoas mais velhas, os nervos em franja. Durante anos execrei a figura política do fundador do CDS, mas hoje compreendo que não era o CDS que não era um partido de direita (todo o eleitorado não socialista repartia o seu voto entre esse partido e o PSD), mas que Freitas é que foi sempre um homem de esquerda. Dito de outro modo, Freitas esteve bem como ministro de Sócrates; esteve foi mal como líder do CDS.

O partido, durante anos, não se libertou do estigma de não ser um partido de direita, e enveredou pela dúbia classificação de “democrata-cristão”, que nos ia vendendo como uma mistela social-democrata nórdica, misturada com laivos de catolicismo social justicialista latino-americano e alguma beatice de pároco de aldeia. Ainda hoje, quase quarenta anos passados, o CDS convive mal com os valores tradicionais da direita liberal, entre eles a ideia do capitalismo, da qual foge – vá-se lá saber porquê? – como o diabo da cruz.

Mas, por acaso, até se sabe. Sabe-se bem por que razão a direita portuguesa tem uma tradição de afinidade com o pensamento estatista e volta as costas ao liberalismo clássico. Essencialmente, porque a nossa direita não liberal é, ainda hoje e, na maioria dos casos, sem ter a consciência disso, uma direita afrancesada, devota do ancien régime, que nunca quis saber do liberalismo de origem anglo-saxónica, porque este, também, não se lhe deu a conhecer. Em abono da verdade, com raríssimas excepções, nos últimos 250 anos, quando se foi falando destas coisas e elas foram criando raízes em Portugal e no mundo, quase ninguém nos falou dessa outra tradição liberal. Com excepção de Alexandre Herculano, no século XIX, que desassombradamente disse não se importar de aprender com a tradição política inglesa e americana, Fernando Pessoa, que escreveu dois artigos apologeticamente liberais e defensores da ordem social espontânea na Revista de Comércio, de Orlando Vitorino, já na segunda metade do século XX, e de José Manuel Moreira e Pedro Arroja, nos tempos imediatamente anteriores ao começo do século em que vivemos e o primeiro também já neste, a tradição liberal clássica, originariamente anglo-saxónica, era coisa que não nos era familiar, e que quando muito se estudava nos cursos superiores que cuidavam de cultura e filosofia política e jurídica. Não deixa de ser estranho, porque pelo nosso país e pela Universidade de Coimbra passaram, como professores, Luiz de Molina e Francisco Suárez, que foram precussores dos autores liberais clássicos, como Locke, e da própria Escola Austríaca, como reconheceria Hayek, mais tarde. Mas Portugal e os portugueses nunca foram pródigos em aproveitar os seus talentos.

No mais, a direita portuguesa moderna, a que sucede à Revolução Francesa e ao Império de Bonaparte, dividiu-se entre os seguidores do Ancien Régime, com uma natural aversão ao mundo moderno e que imagina o mundo medieval como um conto de fadas e duendes, à moda de Tolkien, de combates telúricos entre o bem e o mal, com o triunfo final do bem e a ascensão ao olimpo das suas aristocracias “naturais”, e aqueles que se limitaram a seguir “personalidades”, Fontes, na segunda metade do século XIX, Sidónio e Salazar, antes do regime democrático, e Sá Carneiro e Cavaco, depois de Abril de 74. De todas estas personalidades, algumas delas miméticas entre si, só Salazar possuía um verdadeiro pensamento e uma doutrina política, muito próximos da tradição francesa católica e passadista, da Action Française e de Maurras, para quem é na ordem tradicional pré-constitucional, isto é, no mundo antigo e estamental (de que o corporativismo é herdeiro), que se encontra a toda a virtude. Qualquer ideia de modernidade, de progresso, de defesa dos valores burgueses do comércio e da livre troca, o ideal da construção de cidades e civilizações baseadas na ideia de lucro, de prosperidade e do interesse próprio individual, está aqui excluída. Em contrapartida, valorizam-se os valores ditos “tradicionais”, revelados e protegidos pelas “elites naturais”, distanciados do vil metal e dos baixos interesses da burguesia, que execram. Ancien Régime, sem suma.

 No meio disto, o liberalismo português também não se posicionou de modo a tornar-se interessante às mentalidades conservadoras e de direita. O liberalismo português foi, também e com as excepções de pouquíssimos autores acima referidas, um produto da Revolução Francesa e do liberalismo jacobino francês. Seja no período do vintismo, seja no período do liberalismo republicano, foi sempre a tradição francesa e nunca a anglo-saxónica que nos marcou. Por esse motivo, também não há razão histórica para a direita portuguesa se identificar com o liberalismo clássico. Antes pelo contrário, não só essa tradição era praticamente desconhecida, como, era confundida com o jacobinismo francês, de que os proclamados liberais portugueses eram verdadeiros herdeiros.

O facto da direita portuguesa ter sido negativamente influenciada pela tradição liberal francesa (José Manuel Moreira distingue, muitíssimo bem, as duas grandes famílias liberais, no seu livro Liberalismos: Entre o Conservadorismo e o Socialismo), não significa que não possa abraçar os princípios e os valores do liberalismo clássico. E se falarmos em identidades pessoais e catalogações ideológicas, agora respondendo ao Filipe Faria (por consideração para com ele, pelo interesse do assunto e para que ele não volte a reclamar por o não ter citado), se é essa a forma de nos identificarmos, deixo aqui três exemplos de verdadeiros liberais clássicos e, simultaneamente, homens de direita e conservadores: Burke, Gladstone e Acton. Burke era um whig, um liberal clássico, defensor do livre-comércio e da liberdade religiosa, mas simultaneamente um profundo admirador da Revolução Gloriosa e inimigo figadal da Revolução Francesa, sobre cujos primórdios se pronunciou profunda e gravemente. Hayek considera Burke um dos mais insignes liberais clássicos de todos os tempos. Os conservadores reclamam, também – e muito bem – a sua paternidade. Seria Burke um homem de esquerda porque, no seu tempo foi whig e liberal? Não o creio. O mesmo direi sobre Gladstone, que passa dos tories para os whigs por pura (e justificada) animosidade com Disraeli, e que era um liberal verdadeiramente conservador, que se opôs ao reformismo socializante daquele político torie. Quem seria, neste caso, de esquerda e de direita? Gladstone, liberal, whig e querendo conservar as velhas tradições britânicas, ou Disraeli, torie e reformista social e impulsionador do estado social inglês? E Acton? Não o poderemos catalogar simultaneamente como liberal e conservador, ele que escreveu sobre as velhas e tradicionais liberdades, que nos advertiu sobre os perigos da soberania e que era um verdadeiro católico e um tradicionalista? Seria, porventura, Lord Acton um homem de esquerda por ser liberal? Deixaremos de considerá-los, a Acton, Gladstone e Burke, liberais, por terem sido também conservadores? E seriam, no seu tempo e hoje, homens de esquerda ou de direita?

Não venham, pois, dizer-me que o liberalismo não poderá estar à esquerda ou à direita. Pelo contrário, existe uma tradição liberal, herdeira do jacobinismo revolucionário, que se situa à esquerda, e uma tradição liberal que se revê na tradição clássica, que é tradicionalista, conservadora (ordinalista social, se preferirem), e que deve situar-se à direita. Se a direita portuguesa e os liberais ainda não o perceberam, tanto pior para eles. Se preferirem, como o Professor Freitas, ficar no meio da ponte e equidistantes entre ambas as polaridades, “r-i-g-o-r-o-s-a-m-e-n-t-e  a-o  c-e-n-t-r-o”, como ele diria, só perderão com isso. A esquerda e o socialismo não costumam deixar o seu património por mãos alheias.

ADENDA: Como isto foi muito para além do legítimo num blogue. pelo que peço desculpas aos leitores (se ainda os tiver…) e aos meus colegas de página, deixarei outras questões levantadas pelo Filipe Faria para melhor oprtunidade, deixando já aqui em aberto uma que me parece que ele confunde que é a de uma suposta antinomia entre o individualismo e a necessidade de membership. Por um destes dias, que agora temos de ver quanto é que o Passos Coelho nos quer mais sacar…

32 pensamentos sobre ““r-i-g-o-r-o-s-a-m-e-n-t-e a-o c-e-n-t-r-o”

  1. António

    Rui a,

    O Nuno Melo, destacado dirigente do CDS, ainda na semana que passou deu uma entrevista a dizer que o CDS é um partido que está “rigorosamente ao centro” (com o mesmo sentido exacto com que o Freitas do Amaral o disse).

  2. falcão

    Isso, tem tanta importância como o facto do PSD ter sido um partido marxista. Tretas da direita portuguesa, chame-se ela centrista ou social-democrata, coisas que estão aquém da suas características genéticas reais…

  3. Rúben Lopes

    Excelente por referenciares o Disraeli (um tory) como ter sido um dos primeiros impulsionadores do chamado “Estado Social”, quase na mesma altura que Bismarck (também ele conservador). O que parece ser contraditório, segundo a visão dos esquerdistas, mas acho que Milton Friedman explica-o melhor, referindo-se ao caso de Bismarck:

    ” […] Pode parecer paradoxal que um Estado essencialmente autocrático e aristocrático, como era a Alemanha anterior à Primeira Guerra Mundial – seria caracterizada nos nossos dias por ditadura de extrema direita – tivesse de liderar a introdução de medidas geralmente associadas ao socialismo e à esquerda. Mas não há paradoxo algum, mesmo pondo de lado as motivações políticas de Bismarck. Os adeptos da aristocracia e do socialismo partilham a fé no governo centralizado, em regra imposto e não caracterizado pela cooperação voluntária. Divergem sobre quem deve governar: uma elite determinada pelo nascimento ou os especialistas supostamente escolhidos com base no mérito. Ambos os grupos proclamam, seguramente com sinceridade, desejar promover o bem-estar da «sociedade em geral», saberem o que é do «interesse público» e como atingi-lo melhor do que a pessoa comum. Ambos professam, por isso, uma filosofia paternalista. E ambos acabam, caso atinjam o poder, por promover os interesses da sua própria classe em nome do «bem-estar geral». […]”

    – Milton Friedman e Rose Friedman , «O Nascimento do Moderno Estado Social», in «Liberdade Para Escolher», Editorial Lua de Papel, 1ª Edição, 2012, pp.131-132

  4. rui a.

    Caro António,

    Agradeço o seu comentário, mas o CDS tem aqui um papel meramente instrumental. Todavia, não me espantam essas declarações do referido deputado, provavelmente provocadas por tacticismos de ocasião, estando certo que outros dirigentes destadados do partido, como o Adolfo Mesquita Nunes e o MIchael Seufert, não se hão-de rever nelas.

  5. António

    Rui a.,

    Talvez. Mas o que eu vejo é que o Paulo Portas (presidente do partido, que é feito à sua imagem e semelhança) diz explicitamente, repetidamente, que não é, nem nunca foi , um liberal. E quando está o governo mostra-o na pratica, sem equívocos.

    Outros dirigentes superiores do partido, como Nuno Melo, dizem , explicitamente, que o CDS é “rigorosamente centrista”. Eu li a entrevista, e está lá claro que ele o disse no sentido que você esteve a falar no post, atribuindo ao Freitas do Amaral (o fundador do partido).

    E você insiste que o partido é de direita, e quer chegá-lo à liberalismo clássico, porque o Adolfo Mesquita Nunes e o MIchael Seufert (que votaram a favor do orçamento passado, não liberal, e fazem parte deste governo, não liberal) provavelmente não se revêm nas declarações do Nuno Melo?!?

    Eu acho que há muita confusão em relação ao que é a direita e o liberalismo. E este caso do CDS é a ilustração dessa confusão na realidade dos factos.

  6. rui a.

    Não há «partido liberais clássicos», António, tão-pouco partidos liberais. Um partido é um instrumento para a conquista do poder no estado e o exercício do poder estadual é sempre uma forma de intervenção. Tenho coisas escritas por aí a este respeito e acho até muita graça à existência de partidos libertários, o que considero uma contradição nos termos. O liberalismo é uma filosofia sobre o estado e o governo e não uma filosofia do estado e do governo.
    Mas, já agora que fala no Portas, o rapaz até começou, nos anos 80, pelo liberalismo. Prefaciou mesmo a edição portuguesa do Michael Novak e escreveu grandes apologias do mercado. O que lhe aconteceu depois, ao entra para a política partidária, já é outra conversa…

  7. António

    Rui a,

    Por acaso até há “Partidos liberais”, de nome e doutrina.

    Mas eu não disse que o CDS o era. Eu disse que você tenta ver que o CDS é de Direita e tenta que essa direita seja, de alguma forma, próxima do tal “liberalismo clássico”.

    Para isso, agora até foi buscar o que o P.Portas terá dito, algures, nos anos 80, já lá vão mais de 30 anos. provavelmente quando ele ainda era do PSD…E o P.P. dá tanta cambalhota que eu até duvido que ele próprio saiba qual é a sua ideologia, se é que alguma vez teve alguma!

    O que eu lhe disse são factos, recentes, actuais: o Portas negou, repetidamente, que seja liberal, e mostra, reiteradamente, que não o é. O Nuno Melo definiu o posicionamento politico do CDS como centrista. Agora, na realidade.

  8. Pisca

    Metem-se a escrever apenas pelo que ouviram dizer e depois sai borrada, só pode ser, o Conselho da Revolução SÓ FOI CRIADO DEPOIS DO 11 DE MARÇO de 1975, se tiverem duvidas procurem no google

    O CDS é muito anterior, e a historia é algo diferente e data do verão de 74 ainda antes do 28 de Setembro de 1974

    Mas a memória histórica desta gente não vai além do almoço de ontem, e com dificuldade, o resto sãp chavões

  9. Em Portugal não há partidos de direita porque nenhum foi capaz de recolher os ensinamentos do modelo Salazar.

    A Saber:

    – peso do estado na economia » 15%
    – não existia salário mínimo
    – não havia subsídios estatais
    – ensino baseado na qualidade e não na quantidade
    – defesa dos interesses nacionais
    – política económica profissional (défices/inflações/dívidas externas » tudo sob controle)
    – defensor da propriedade privada
    – tributação baixa
    – reserva de ouro

  10. mggomes

    “Como isto foi muito para além do legítimo num blogue. pelo que peço desculpas aos leitores (se ainda os tiver…)”

    Adding insult to injury?
    Presenteia-nos com posts destes e ainda tem coragem de pedir desculpa?

    É caso para perguntar: quem disse que não havia almoços grátis?

  11. O Insurgente da III República

    No Verão de 74 ainda não existia o Conselho da Revolução, mas sim a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado (da qual Melo Antunes e Freitas do Amaral faziam parte)

  12. Há muito que o Rui A. dá o exemplo do Gladstone como um liberal conservador / de direita. Eu conheço muito pouco sobre o personagem (tenho uma ideia que “gladstoniano” era o nome atribuido à ala purista do Partido Liberal inglês, que recusava tanto desvios de direita pró-coloniais como desvios de esquerda pró-principios-do-Estado-Social).

    No entanto, baseando-me até na biografia que o próprio Rui A. apresenta aqui, não vejo grande conservadorismo, pelo menos após ter abandonado o Partido Conservador – pelo menos na grande questão fracturante da época, o Império Britânico, parece-me que ele estava do lado “progressista”. Indo para o artigo da wikipedia, vejo que ele era a favor do alargamento do sufrágio, do fim dos privilégios do ramo irlandês da Igreja Anglicana, da autonomia irlandesa, era critico do governo bourbonico das “Duas Sicilias”, a favor da liberdade de imprensa, contra o uso do chicote como pena criminal, etc, etc. (ou seja, nas questões que há época eram a grande divisão entre “conservadores” e “progressistas”, estaria mais do lado “progressista”). A única coisa “conservadora” que vejo é mesmo o seu apoio aos Estados Confederados da América.

    O Rui Albuquerque pode argumentar que ele era pessoalmente bastante religioso, mas não acho que isso, por si, faça de alguém um “conservador” (Oliver Cromwell, Joseph Priestley, William Jennings Bryan, etc eram bastante religiosos, mas ninguém os chamaria de “conservadores” – até me arriscaria a dizer que na Grã-Bretanha certas variantes de radicalismo religioso até estariam mais associadas aos “radicais” do que aos “conservadores”). Creio que o que caracteriza o conservadorismo é a ideia que a religião estabelecida contribui para as pessoas serem mais serenas, a sociedade mais coesa e tranquila, etc. (posição que até podem ser defendidas por não-religiosos – veja-se Maurras ou provavelmente os neo-conservadores norte-americanos), não a maior ou menor religiosidade pessoal.

  13. Reblogged this on Do Alto do Quelhas and commented:
    Excelente artigo que muito ajuda a compreender a arrumação ideológica (ou falta dela) dos partidos políticos em Portugal.

    Habituei-me, não sei se por influência das publicações norte-americanas, a distinguir entre os campos social e económico/fiscal do espectro político, como se de uma grelha se tratasse. Julgava também que a diferenciação entre esquerda e direita se fazia inicialmente pelas posições assumidas no primeiro e que, com o advento da Industrialização e o passar do tempo, o campo económico passara a ser o critério de distinção. Todavia, em boa hora nos chegam estas palavras.

    A tensão no seio do governo é elucidativa acerca da promiscuidade (ou se preferirem, da pluralidade) da direita. Era previsível e decorre do desenraizamento completo do liberalismo clássico que move a trupe de Passos Coelho e que esbarra por completo no Conservadorismo do CDS, ainda que fosse mais verdadeiro referir o contraste entre o radicalismo adolescente do PM e a inteligente prudência de Portas.

    Não é que se vislumbre qualquer tipo de clarificação nos próximos anos já que o liberalismo irá certamente hibernar a partir de 2015 durante muito e bons anos e que o PC continuará a ser o único partido absolutamente claro nas suas ideias. Acredito é que ter a noção disso pode vir a ajudar.

  14. Mas, mais importante que esse ponto (que é mais um detalhe), não sei se esse suposto “liberalismo” do conservadorismo anglo-saxónico não será algo exagerado – afinal, pelo menos até à segunda guerra mundial, os Conservadores ingleses e canadianos ou os Federalistas/Wigs/Republicanos dos EUA eram o partido do protecionismo, e os conservadores ingleses também têm a sua própria tradição de “aversão ao mundo moderno e [de imaginar] o mundo medieval como um conto de fadas e duendes, à moda de Tolkien” (a começar pelo próprio Tolkien, mas também Coleridge, Carlyle, Ruskin, Chesterton, a Young England, as variantes de “socialismo tory”, etc,)

  15. rui a.

    O Conselho da Revolução, enquanto órgão de soberania constitucional, foi naturalmente consagrado na CRP de 76, desconhecendo se foi anteriormente criado por alguma lei revolucionária de valor «constitucional». È ciência que francamente me escapa, sendo que considero o assunto irrelevante para o que foi referido no artigo. De facto, Freitas e Adelino foram chamados à Junta de Salvação Nacional, onde foram recebidos, creio, que por Melo Antunes, ou por outro qualquer prócere da esquerda revolucionária do tempo. Freitas conta o episódio no primeiro volume das suas memórias (O Antigo Regime e a Revolução) estava, de facto, convencido que os iam prender, e a história que ele conta foi a contada no post.

  16. Pisca

    Rui.a
    O Conselho de Revolução foi criado na sequência do 11 de Março de 75, teve a sua expressão na Constituição de 76, por força do Pacto MFA-Partidos na sua 1ª e 2ª versão, desapareceu na 1ª Revisão da CRP

  17. Pisca

    O Freitas também é algo criativo na sua maneira de contar a historia, já que nessa altura ele mesmo fazia parte do Conselho de Estado que funcionava junto da Junta de Salvação Nacional, que existiu entre 25 de Abril e 11 de Março

  18. Miguel Noronha

    Estive a rever essas passagens no livro. Foi num reunião em que estavam presentes os membros da JSN e o “capitães” do MFA (e membros do PS, PC e MDP) que lhe foi comunicado (por Melo Antunes) que o seu partido iria ser o partido “mais à direita permitido” pelo novo regime (muito democráticos, estes rapazes). Foi também convidado a integrar o governo provisório. O que recusou e disse ter sido o seu maior erro político.

  19. Excelente resumo. Parabéns. Este texto devia ser leitura recomendada (obrigatória?) para os alunos do secundário, para os jornalistas e para os políticos que nos governam.

  20. Pisca

    Um bocadinho mais de historia que sempre ajuda a entender os tempos passados, na sequência do 25 de Abril foi criada a Junta de Salavção Nacional e um Conselho de Estado presidido pelo Spinola com várias personalidades que iam do Freitas do Amaral a Ruy Luis Gomes, e onde Maria de Lurdes Pintassilgo também estava, para além da Junta claro

    Paralelamente havia a chamada Coordenadora do MFA, onde tinham assento o Melo Antunes, Vitor Alves, Vasco Gonçalves e outros Capitães de Abril

    Seria de certo modo esta Coordenadora que daria origem ao Conselho da Revolução após 11 de Março de 75

    Os primeiros choques do Spinola com o novo regime, foram com a Coordenadora que dispunha do poder das armas ainda fora dos quartéis, uma das ideias do Spinola era ter a “rapaziada” calma dando uma benesse ao Otelo com o então Copcon, “graduando” o mesmo em Brigadeiro

    Relembro que na noite de 25 para 26 o próprio Spinola queria distribuir promoções pelo autores e participantes no golpe, mandando-os de seguida para os quarteis para ficarem sossegadinhos, e já tinha a sua rapaziada pronta para ocupar os diversos lugares

    Num pequeno apendice, as unicas promoções feitas de facto na sequência do 25 de Abril foram as da Junta de Salvação Nacional, todas as outras foram apenas e só “graduações em…” que ao deixarem o cargo era “desgraduados”, ou seja voltavam ao posto de origem,

  21. Pisca

    Miguel Noronha

    Com um processo revolucionário em mãos, convidam o Freitas do Amaral para o Governo Provisório (ele diz que sim) e você acha que eram “muito democráticos os rapazes”, olhe que ironia fica-lhe mal, deviam ter feito o quê ? Esperar que o Insurgente aparecesse para lhes explicar como ?

    Olhe que em processos de direita normalmente os convites são feitos com outros modos e muito mais insistentes e directos

  22. Miguel Noronha

    Há várias testemunhas que o podiam desmentir e nunca ninguém o fez. Curioso.
    Por sinal um deles é meu tio. Mas isso são pormenores.

  23. Miguel Noronha

    A democraticidade da rapaziada vê-se bem na forma como definem os partidos aceitáveis. Aliás, notou-se ainda melhor no pacto que obrigaram os partidos a assinar.

  24. xico

    Agora sim, Rui A., agora sim. Para um leigo e ignorante destas coisas, como eu, agora percebo onde situa a direita. Ou as direitas.
    Assim vale a pena voltar a este blog. Não para concordar ou discordar, mas para aprender.

  25. O Insurgente da III República

    Erro politico o CDS ter recusado entrar no Governo Provisório? Nem por isso, a meu ver, foi o melhor que fizeram. Assim como votar contra a CRP socialista de 76. Um partido não-socialista teria feito exactamente isto – aliás, o próprio PPD de Sá Carneiro devia ter feito o mesmo, ou abster-se.
    Este Freitas é mesmo de esquerda,

  26. Euro2cent

    Excelente oferta para o debate. Só outro detalhe menor que talvez seja de limar em futura republicação:

    “[…] Fernando Pessoa, que escreveu dois artigos apologeticamente liberais e defensores da ordem social espontânea na Revista de Comércio, de Orlando Vitorino, já na segunda metade do século XX, […] ” .

    Não conheço, mas não me soa bem, dado que Pessoa morreu em 1935. Uma pesquisa rápida não me esclareceu …

  27. JS

    Excelente “post” e interessantíssimos comentários. História. Ontem.

    Entretanto o tempo decorreu. A oligárquica monarquia, poderosa a sério, é outra e está longe.
    Cada vez menos “esquerda” vs “direita”, a ainda arcaica poeira nos olhos, o mágico jogo dos espelhos.
    Cada vez mais “elites políticas”, os não-produtivos receptadores, os que “dão e repartem e fiam com a maior parte” vs
    “os outros”, os contribuintes liquidos, os produtivos, cujo único “privilégio” é, de tempos a tempos, fazerem uma cruzinha num papelucho inútil. Até quando?.

  28. Ricardo G. Francisco

    Rui,

    A questão não é se nos colocamos na esquerda, centro ou direita. É se faz sentido, quer lógico quer tático aceitarmos essa classificação. É uma classificação que favorece os inimigos do liberalismo à esquerda porque nos cola a linhas (ultra) nacionalistas e conservadoras cristãs. Essa colagem dá um ângulo de ataque não ideológico mas de prática, que é o da incoerência. Este ângulo de ataque é resumido nas palavras “neoliberal” aqui e “neocon” nos EUA. Liberais ou conservadores fiscais mas só para algumas coisas.

    Em primeiro lugar há que combater o modelo de classificação. Em vez de direita esquerda reforçar a importância do eixo de classificação com base na vontade de centralização das decisões. Esse é o eixo que o outro lado da barricada não gosta porque, entre outras as coisas, coloca todos os autoritários iliberais no mesmo saco, quer sejam corporativistas, nacionalistas ou socialistas.

  29. hajapachorra

    Molina e Suárez foram quê?????? percussores????? de quê???? Com liberais deste calibre qualquer freitas do amaral tem sonhos indecentes com o ancien regime afrancesado.

  30. Pingback: O liberalismo clássico e as direitas | O Insurgente

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