Muitos que se dizem de direita queixam-se de que esta não tem representação no mainstream político e comunicacional. Tudo é de esquerda agora, variando apenas na intensidade do igualitarismo apregoado. Porém, o termo “direita” é usado em todo o lado e temos a sensação de que ela existe e que se move. Ela tem representantes na televisão a verbalizar coisas supostamente de direita; e mais, alegadamente há gente de direita a escrever na imprensa e em blogues. Na realidade, com as devidas excepções, não há direita no discurso mainstream político e tal explica-se com uma das mais ferozes críticas à postura conservadora: que esta se limita a conservar as revoluções dos outros (i.e. da esquerda).
Se há algo que difere a esquerda da direita é a perspectiva moral com que encaram a igualdade e a desigualdade. Enquanto que a esquerda faz do igualitarismo um deus intocável, um bem moral último, a direita vê a desigualdade humana como natural e respeitante da ordem humana e daí deriva a sua força moral positiva. Por outras palavras, a direita idealiza a qualidade (que implica desigualdade) e a esquerda idealiza a igualdade. Desta forma, talvez fosse mais correcto usar os termos “vertical (hierarquia) vs horizontal (igualdade)” em vez do clássico “direita vs esquerda” que saiu do parlamento francês durante a revolução francesa.
O problema daquilo que passa por direita hoje em dia é ter absorvido muitos dos valores das revoluções igualitárias do passado e defendê-los como se fossem seus. Muitos destes valores poderiam ser discutidos, mas para este artigo interessam particularmente 3: liberalismo, materialismo e racionalismo.
Liberalismo
O liberalismo fez-se contra a tradição, contra a autoridade religiosa, contra a aristocracia, ou seja, fez-se contra a ordem hierárquica natural que se tinha desenvolvido na Europa durante milénios. Fez-se a favor do indivíduo e da igualdade e liberdade do Homem. Do ponto de vista moral, o liberal considera que todos os homens são formalmente iguais e que no indivíduo e só nele reside a soberania última. Daí a crença liberal em “direitos”, sejam eles “humanos”, de propriedade ou de libertação. Esta foi uma revolução igualitária contra a autoridade da tradição e que a direita tentou combater desde sempre. Em Inglaterra, os liberais estavam à esquerda do parlamento e passaram o século XIX a lutarem contra a ordem tradicional hierárquica.
Hoje em dia, perante o esmagador triunfo do liberalismo no ocidente do pós guerra, a direita cedeu e abraçou o liberalismo. Regra geral, acredita em “direitos humanos”, no mercado, no universalismo do Homem, no secularismo de Estado, na democracia liberal, etc… Por outras palavras, acredita em todas as revoluções feitas pela esquerda igualitária e agora convence-se que estas são as suas causas.
Isto advém em grande parte da aversão patológica que a direita geralmente tem a ideias abstractas. O “direitista” médio diz-se um homem pragmático, desprovido de grandes utopias loucas, que gere o que a vida apresenta, mas sem saber tornou-se num escravo das ideias igualitárias; pior, convenceu-se que estas ideias são suas, mesmo que muitas vezes sinta que elas não funcionam, ele acha que elas são moralmente boas.
Ao abraçar o liberalismo a direita ignorou a sua posição tradicional anti-individualista baseada na família, nação, tradição, sangue, autoridade, hierarquia e espiritualidade. Aliás, tirando os mais eruditos, os “direitistas” médios não fazem ideia do que é a direita tradicional e acham que ser de direita é defender o indivíduo até ao infinito. Não é surpreendente que a esquerda tenha uma vida tão fácil e que mantenha a sua hegemonia, mesmo quando o seu modelo social igualitário vai colapsando a olhos vistos. Assim, perante a progressiva derrota da direita não é de admirar que o liberalismo clássico, outrora uma ideologia de esquerda, seja agora o último refúgio da direita que não tem coragem ou engenho para sair do actual paradigma; desta forma, a luta ideológica fica limitada a 2 liberalismos: o clássico (de inspiração Lockeana) e o social de pendor ainda mais igualitário (de J. S. Mill a John Rawls).
Materialismo/Economicismo
Existe a ideia de que foi Marx quem nos trouxe o materialismo (histórico), onde o fenómeno social é explicado segundo as condições materiais existentes. Porém, tal como em tudo o resto, Marx limitou-se a seguir a lógica do liberalismo clássico que colocou o foco da moralidade no material quando fez da propriedade sinónimo de liberdade individual. A partir daí os “direitos” ganharam uma componente material.
Hoje em dia tudo é explicado em termos materiais: quanto cresceu o PIB? Qual a dívida pública? A política X cria ou não mais riqueza material? Outras considerações à “direita”, especialmente de índole cultural e particular, praticamente desapareceram do discurso político, permitindo à esquerda basear todo o seu discurso na igualdade material (i.e. justiça social). Isto baseia-se na assumpção de que se o problema do crescimento económico for resolvido, tudo está resolvido. Porém, o que vemos no mundo é a conquista demográfica de povos com culturas pouco materialistas, com práticas nada liberais e com mercados muito menos desenvolvidos; e como se costuma dizer: a demografia é destino. A resposta aqui está na cultura e no seu impacto. Nisto a “direita” calou-se, ou quando fala é para criticar práticas anti-liberais de outros povos (e.g. muçulmanos). Mais uma vez, a melhor defesa das revoluções igualitárias e anti-tradicionais vem da actual “direita”.
Racionalismo
A direita sempre foi céptica em relação ao racionalismo. Sempre assumiu que os homens são competitivos, instintivos e vítimas de paixões. Reagiu negativamente contra o iluminismo alegando que a crença na razão é simplesmente isso: uma crença infundada.
Porém, hoje a direita entregou-se de corpo e alma ao racionalismo, esquecendo a velha máxima de David Hume que a “Razão é a escrava das paixões”. Isto é particularmente evidente quando tenta convencer racionalmente as massas de que o que é preciso são “contas em dia”, “austeridade”, “procura e oferta” e mercado (mais ou menos) livre. Como a direita já devia saber, os seres humanos sentem primeiro e pensam depois (quando pensam). A “direita” postula que é preciso austeridade e continhas no sítio, mas como perdeu o lado do discurso que permitia ser convincente e persuasiva (a nação, Portugal, a cultura, a “raça” portuguesa), tornou-se na coisa menos apelativa de sempre … não admira que o povo seja todo de esquerda. Ao ignorar o tribalismo natural e o emocionalismo humano a direita entregou as cartas todas à esquerda. Ficando apenas com reivindicações de baixos impostos, mercado globalista e austeridade sem ter valores colectivos para oferecer. Isto, claro está, é a melhor receita para derrotas infinitas, quer na frente económica, quer na frente cultural.
Em suma, não se combate a esquerda do século XXI com ideologias de esquerda do século XIX.
Poderiam arranjar um inimigo externo.
Uns credores malvados e piratas que nos querem endividar para depois sermos escravizados com juros. E que não nos emprestariam dinheiro se houvesse calote.
A única forma de nos salvarmos desses malvados vampiros seria com excedentes orçamentais, em nome da salvação da Nação.
Mas gostei do artigo.
Resta acrescentar que sem «transcendência» no discurso não haverá futuro. É mister ter em conta o lado espiritual do Homem. Logo, das massas.
É o triunfo de Gramsci. A revolução cultural esquerdista trouxe-nos a uma ordem cuja finalidade é o igualitarismo e que ambiciona o contrato social feito de direitos e deveres abstractos, expurgado de tudo o que seja “construção cultural”. desde a religião ao sexo, passando pela família, nação, identidade, pertença, etc. No fundo, uma ordem em que o indivíduo é expurgado de si mesmo.
Para dar a volta a esta derrota cultural, é necessária uma reacção cultural…é sempre esta que antecede o poder político e esta reacção terá de ser uma filosofia de combate, para tempos quentes, que aponte para identidade, para a renovação ou criação de mitos, valores, tradições.
Mas claro, ir por aqui, é sempre uma escolha de Aquiles….aqueles que colocarem o seu prestígio público ao serviço de ideias destas, correm o perigo de serem trucidados no altar da correcção politica.
Caro FIlpe,
Não por acaso, estava a preparar um post, aqui para O Insurgente, à volta do mesmo tema deste seu. Vou ver se o acelero, para não perder o mote.
Abç.,
O individualismo metodológico é, de facto, o ponto de partida de qualquer liberal, que logo aí se separa de qualquer adepto do colectivismo metodológico, seja ele comunista ou ultramontano, grafe ele em maiúsculas classe ou nação. Essa é a divergência mais importante e não é sobreponível à distinção esquerda / direita, a qual, a essa luz, é irrelevante. É verdade, um liberal tem dificuldade em ver a vantagem que haveria em ser oprimido em nome do Destino da Raça, relativamente a ser oprimido em nome da Missão Histórica da Classe Operária.
Era impossível fazer instantaneamente uma transição ideológica e discursiva do demagogismo socialista a um conteúdo cultural de Direita. Vale mais ficar calado ou apostar todas as fichas na fundamentação político-cultural que Poiares Maduro começa a fornecer.
Deus. Pátria. Família.
E um ou dois posts mais abaixo reclama-se do muçulmano…
Finalmente um Insurgente a falar das diferenças entre ser conservador de direita e ser liberal!
Há aqui tantos que tentam ser os dois…e muitos que nem sequer percebem as diferenças!
A melhor descrição que conheço do momento actual está esta frase de Nietzsche:
“Quem teria razões para se afastar da realidade com mentiras? Só quem com ela sofre…”
http://jornalismoassim.blogspot.pt/2013/03/expectativas-constitucionais-vs.html
Parabens pelo post.
PPB
A direita manda na américa, na europa e na ásia, detem todos os meios de comunicação, mas sente que não tem voz.
Isso é xarope para a tosse a mais.
Se Salazar tivesse sido alemão ou inglês as suas palavras, teorias e métodos fariam hoje escola em todo o mundo mas boa parte dos direitolas portugueses foram comidos cerebralmente pela engenharia social da esquerda.
Só lhes interessam andar por aí a querer impor ideologias novas aos portugueses que muitas vezes nem para o burkina faso serviriam.
Consideram Salazar um tabu e nada querem aprender com o passado recente.
Uma entrevista de assombro para as pessoas entenderem a capacidade mental do homem:
http://malomil.blogspot.pt/2013/04/uma-entrevista-esquecida.html
Já que o wordpress não trackbackolou, aqui fica:
http://aventar.eu/2013/05/02/a-direita-e-sua-historia/
Tema muito interessante e que importa considerar criticamente.
– receio que o individualismo seminal nos pensadores liberais tenha cedido importância à expressão política e social da razão. Em quê? Na consolidação de estruturas e instituições que acabam por, justamente, anular aquele individualismo (veja-se a evolução das posições liberais na política americana e inglesa).
– quanto aos conservadores e às posições da direita tradicionalista, bem na sua expressão política o que os distingue da esquerda colectivista são alguns valores centrais (expressos no artigo, por exemplo), mas que tiveram sempre concretizações não distintas (na natureza e substância) das que a esquerda sempre defendeu (papel e funções do estado, essencialmente). Até a relevância do colectivo sobre o indivíduo os aproxima.
Saudações,
LV
O grande problema dos primeiros pensadores liberais, é que, como viviam em sociedades mais ou menos homogéneas, sob o ponto de vista cultural, tomaram os valores como dados. Estavam, por assim dizer, subjacentes a tudo. O racionalismo excessivo conduziu a menorização das questões de identidade e pertença, sem as quais nenhuma sociedade resiste ao tempo. Há muito mais para além da razão…o homem necessita de transcendentes, quer mais do que manter-se vivo e reproduzir-se. Quer ser feliz, seja o que isso for, e para isso necessita de pertencer a um “nós”.
essa direita conservadora e colectivista não existe? são liberais de direita que apregoam os beneficios dos mais desfavorecidos e que defendem o estado social mínimo (seja lá o que isso for)? brincamos…
então o estado tem sido disputado por uns (esquerda) e outros (direita) para ver quem tem maior poder para aplicar as suas crenças sobre as “massas” e sobre essa “nação” de que fala, mas o FF acha que a direita que temos é liberal e defende os valores da esquerda? brincamos…
caro FF, uns e outros existem e degladiam-se pelo poder de controlar o estado. os liberais (libertários se não quisermos confundir as pessoas) nada têm a ver com isso. estão há parte e levam com uns e outros pelas suas vidas adentro. e esses, caro FF, é que não têm qualquer representação no main stream.
o melhor comentário a este post reflete bem o que quero dizer:
«Finalmente um Insurgente a falar das diferenças entre ser conservador de direita e ser liberal!
Há aqui tantos que tentam ser os dois…e muitos que nem sequer percebem as diferenças!»
e se dúvidas houvesse se essa direita conservadora existe ou não, bastava comparar os likes que este post teve num dia (presumo que dessa tal direita que não existe) com os likes de qualquer post mais libertário que por estas bandas seja publicado.
caro FF, penso que está a confunfdir o país e o main stream com a sua convivência entre os insurgentes. de facto, nesta casa, pode até admitir-se que a direita conservadora esteja em minoria. mas creio que o FF se estava a referir ao main stream do pais, e não ao main stream do insurgente ou da blogosfera. nesse caso, creio que falhou redondamente.
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Então essa direita conservadora não existe? São liberais de direita que defendem todos os dias um estado social mínimo (seja lá o que isso for)? São liberais de direita que defendem os interesses sociais, colectivistas, dos mais desfavorecidos? Brincamos, só pode…
O estado tem sido disputado por uns (esquerda) e outros (direita) para ver quem obtem mais poder de forma a implementar as suas crenças pela força da lei na vida dos outros. Os liberais (ou libertários se não quisermos confundir as pessoas) nada têm a ver com essa guerra. Limitam-se a levar com uns e outros e com as manias de ambos (uns querem fazer-nos a todos iguais pela força, os outros querem que vivamos como eles à força). Os liberais caro FF, não têm representação no mainstream. O indivíduo morreu para a sociedade.
As razões do declínio (não da direita mas da sociedade em geral) são mesmo essas: uma guerra sem tréguas entre uns e outros para ditar as regras de funcionamento da comunidade através do estado, sem qualquer respeito pelos direitos fundamentais do indíviduo. Pode a direita conservadora andar envergonhada (a tal da Nação e da Família) mas essa vergonha traduz-se na defesa de outras nações (europa, etc) e outras famílias (estado social mínimo e desfavorecidos a proteger). Ela anda por aí. Perde para a esquerda, provavelmente por essa mesma sua vergonha e falta de eficácia, mas anda. Os outros (liberais) comem de ambos os lados e calam.
Um bom comentário a este post ilustra bem o que quero dizer:
«Finalmente um Insurgente a falar das diferenças entre ser conservador de direita e ser liberal!
Há aqui tantos que tentam ser os dois…e muitos que nem sequer percebem as diferenças!»
E se dúvidas houvesse sobre a existência dessa direita conservadora, bastaria comparar os likes que este post teve num dia com os likes de um qualquer post mais libertário que por aqui seja publicado.
Acho que o FF está muito influenciado pela sua convivência no insurgente. Posso até aceitar que se diga que essa tal direita conservadora (da nação, pátria, familia, etc e tal) é uma minoria por estas bandas ou até por alguns sectores da blogosfera. Mas penso que o FF se referia ao mainstream do país e não do insurgente. Nesse sentido creio que falhou redondamente.
Gostei deste texto. Separa de uma forma clara as «águas».
Identifico-me aliás com o facto dos esquerdalhos me chamarem sempre de «direita» e essa gente da direita conservadora acima descrita me chamarem de «esquerdista». O que devo dizer que muito me satisfaz, pois julgo sinal revelador de estar no bom caminho.
Sempre entendi o liberalismo incompativel e mesmo opositor ideologico de uma visão politica conservadora,. Desde o seu elemento mais básico, como seja a centralidade no individuo e na sua liberdade. O mesmo se diga sobre os esquerdismos que compartilham com o conservadorismo muitos elementos colectivista e anti-liberais.
“o facto dos esquerdalhos me chamarem sempre de «direita» e essa gente da direita conservadora acima descrita me chamarem de «esquerdista». O que devo dizer que muito me satisfaz, pois julgo sinal revelador de estar no bom caminho.”
Gabriel, é exactamente isso, acontece-me o mesmo frequentemente.
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Este é um ótimo texto que atesta a plena compreensão do autor a respeito do que seja o conservadorismo. Falece-lhe apenas uma observação suplementar: compreender que a pertinência da dualidade tradicional entre esquerda e direita ficou um tanto comprometida com o advento do liberalismo clássico (e mais ainda com o das suas vertentes mengeriana (ou “austríaca”) e anarco-capitalista). Quando nós falamos em direita e esquerda, nós nos referimos a um binômio que nasce num momento em que o liberalismo ainda se não havia firmado e consolidado como um corpo de idéias completo e sistemático, o que só vem a ocorrer a partir do final do séc. XVIII e início do séc. XIX. É fato que há traços de liberalismo em autores mais longínquos, como os escolásticos portugueses e a Escola de Salamanca, e que mesmo Burke tem lá suas simpatias liberais no plano econômico, mas estes traços de liberalismo antigo ainda surgem dentro duma concepção tradicional (Maritain diria “sacral”) do cosmos, que é própria do pensamento conservador. Se nós examinamos as idéias de quem estava à direita do rei em 1789, nós podemos ver os matizes: havia a) os saudosos do Antigo Regime de Luis XIV, que subscreviam o Discurso sobre a História Universal de Bossuet e as idéias de De Maistre; b) havia os que defendiam uma monarquia limitada à moda inglesa (como Talleyrand, Mallet du PaIn, Burke); c) havia quem defendesse os direitos históricos da nobreza de espada e o ideal de uma república aristocrática à moda da Veneza do séc. XV, num quadro de referências anterior ao absolutismo de Luis XIV; e outros ainda. Mas todos estes matizes ainda são agrupáveis sob uma concepção eminentemente conservadora/tradicional/sacral e nunca liberal. Hoje ainda não é de todo inútil referir-se a direita/esquerda, mas é preciso matizar muito mais.