Uma incursão rápida hoje ao «coração» do programa de ajustamento, como lhe chama, e bem, o FMI, no seu último relatório sobre Portugal, deixa-nos um bocadinho a fugir para o bastante alarmados. O coração do ajustamento é a evolução da dívida pública. Tudo o resto é instrumental em relação a isso, dada a urgência e a incerteza. E a incursão foi aos dados do Banco de Portugal, que hoje revelaram o valor da chamada dívida de Maastricht, em Novembro. Calma! O ano ainda não acabou: são 206.646 milhões de euros. Ou 124,3% do PIB. Ou mais 7 mil milhões do que o FMI estimava no relatório acima referido e divulgado, há dois ou três dias, i.e., a mais da última e enésima revisão em alta do valor projectado para 2012, que deveria dar «apenas» 120% do PIB. Ou mais 16,2 pontos percentuais do que em Dezembro do ano passado. Ou a maior subida num ano de que há memória. Ou 8 pontos percentuais acima do que o FMI era capaz de projectar há um ano por esta altura. Vamos ter de voltar ao assunto muitas vezes. É que isto parece que não está mesmo a correr nada bem.
Jorge Costa,
Explique a quem não percebe, se não se importa:
Se o défice fica em 5% como raio aumenta a dívida 16%?
Lucas, porque como disse um ex-presidente da república um belo dia: há vida para além do défice. Quanto mais não seja o rácio da dívida / PIB aumenta porque o PIB decresce…
Lucas: a dívida, que, como disse o Pedro, é um rácio, varia exctamente três tipos de factores. O défice primário, que deve ser 0,8% do PIB. O resto chama-se bola de neve. É um efeito automático, a repercussão do passado sobre o presente, e tem a ver com a diferença entre a taxa de juro implícita na dívida passada, determinando o montante de juros que estamos a pagar agora, e o crescimento nominal da economia no presente (volume e preços). Quanto maior for a bola que já vem de trás, e maior a diferença entre a taxa de juro e a taxa de crescimento da economia, mais ela incha. Quando a dívida é igual a 100%, incha automaticamente pelo valor da diferença. Quando é superior, incha mais que a diferença. Para que não cresça, o excedente primário tem de ser igual à bola de neve. Isso, em dado momento, pode tornar-se impossível. O saldo primário visado é tão grande que as políticas para o atingir só podem ter um efeito de contracção momentâneo da economia, tornando o processo uma tarefa de Sísifo. Um terceiro factor são as despesas não contabilizadas no défice, que tem a ver com operações sobre activos: participação do Estado em aumentos de capital de bancos privados ou públicos, realização de responsabilidades contingentes (activação de garantias), etc. Nós tivemos um crescimento muito negativo e não só não tivemos excdente primário, como tivemos um pequeno défice. Pequeno, mas muito aquém do excedente que seria necessário, para travar a bola de neve. E tivemos volumosas operações extra-orçamentais, nomeadamente com os bancos.
Pedro,
Ok, mas o rácio défice/PIB deve aumentar na mesma proporção.
Obrigado Jorge, mas continuo baralhado
Pensava que a maior parte da taxa de juro implícita na dívida passada não se altera, só a nova dívida contraída. E se as despesas não contabilizadas no défice contribuiram para a dívida em 3 vezes o seu valor porque razão só se fala no défice em vez de discutir a gestão desses arranjos de contabilidade? Alguém tem que explicar publicamente como aparecem assim mais 17 mil milhões de euros de dívidas da noite para o dia, ou não?
Lucas: a taxa de juro de facto não se altera, pelo menos a da chamada dívida fundada (compromissos a mais de um ano). O que se altera é o crescimento do produto e dos preços, e, muitas vezes, o cálculo do stock de dívida herdada, à entrada do ano, não está bem feito, pode estar subavaliado. Porque é que não se discutem as operações «extra-balanço» que sobrecarregam a dívida? Excelente pergunta. Olhe, hoje vão ser divulgados os dados da execução orçamental. Só para ter uma ideia, consulte aqui rapidamente http://www.igcp.pt/fotos/editor2/2012/Boletim_Mensal/12_BM.pdf a diferança entre o saldo global, aquele de que se fala, e o saldo global com activos financeiros, de que não se fala. Um representava em Outubro (contabilidade pública, de caixa) 7.335 milhões de euros e tinha diminuído 16,8% face a igual período do ano passado. O outro, que vai todo direitinho para a dívida, representava 16.784 milhões de euros, e tinha-se agravado em 55,1%. Julgo que ajudará a perceber parte do problema. De que nem sequer se fala? Claro. Note: tradicionalmente, a diferença entre um saldo e outro é diminuta. Passou a ser colossal desde há dois anos.
Lucas as contas estão cada vez mais cinzentas mas é possível que seja pelo facto de parte da nova Dívida não ter sido toda gasta. Portugal comprometeu-se em pedir emprestado um determinado valor à Troika. É possível que o tenha feito na totalidade-ou seja esses valores já fazem parte da dívida- mas ainda não o tenha gasto todo. Agora quanto falta e quanto é que deveria ser é que permite saber como as coisas estão a correr.
Isto para lá de eu achar que o plano da troika é só prolongar a agonia.