O Princípio da Arma de Chekhov diz que uma espingarda que aparece pendurada na parede durante o primeiro acto de uma peça de teatro deve ser usada até ao final dessa mesma peça. Em Straw Dogs (1971) Sam Peckinpah não nos mostra uma escopeta nem uma pistola, mas uma trampa para caçadores furtivos que é armada e colocada sobre a lareira de uma casa rural durante a primeira cena de (falhada) confrontação. E ali fica, em tensão. Sabemos que vai ser usada e que vai ser usada para matar. Basta esperar que os outros pontos de pressão cedam. (E que bem desenha Peckinpah este jogo cinematográfico, a arquitectura da tensão, o equilíbrio nervoso destinado a romper-se, os instintos primitivos a desfazerem a máscara humana, a ambiguidade do jogo sexual.) Temos então um homem, aparentemente pacífico, culto, que se instala com os livros e a mulher numa aldeia inglesa, e temos os habitantes dessa aldeia, sem verniz de civilização, reprimidos e violentos. O convívio, sabemo-lo desde o início, é impossível. Porque sim. Porque há mundos que não se misturam. E no final, previsível mas eloquente, o homem tranquilo explode numa orgia de violência catártica. A armadilha sobre a lareira é disparada e desfaz a cabeça de um dos agressores. Uma pessoa tem os seus limites e não há capa de civilização que resista ao cerco dos bárbaros.
Fico feliz em saber que alguem lê os meus posts e vai ver os filmes depois 🙂
Aconselho a trocar “trampa” por “armadilha”…. Em Português, “trampa” tem outro significado, geralmente mais aplicável à qualidade do jornalismo do que a aparelhos de caça aos ursos 😉
Sim, é verdade, mas a palavra “trampa” também era usada no português antigo para designar armadilha. É ainda hoje usado no castelhano, e gosto das remotas ligações com a inglesa “trap”.
É um filme violentíssimo. Perturbante. Não é o meu filme (favorito) do S. Peckinpah, esse título via para a Quadrilha Selvagem.
“Fico feliz em saber que alguem lê os meus posts e vai ver os filmes depois”
Caro Fernando, você candidata-se ao epitoto de “Grande Educdor da Classe Proprietária e Liberal”!
E no entanto assim foi, passaram-se dez dias desde o meu dedilhar. Mas o CMF é bom moço. Pena será que a comunagem que por aí anda não lhe chegue aos pés, nem a mim ao artelho.
Fernando, não li o texto que refere. Revi recentemente o filme num canal de televisão espanhol (felizmente na versão original, sem dobragem). São coincidências. E sim, é um grande filme.