A ideia é sobejamente conhecida e desenvolvida por inúmeros teóricos políticos: o ocidente está em decadência e a civilização de referência irá passar a estar na Ásia. Mais especificamente, este farol civilizacional será produzido pelos asiáticos de leste (i.e. chineses, coreanos, japoneses).
Sobre a decadência do ocidente, já conhecemos as razões tradicionalmente apresentadas. Apaixonado pela igualdade e pelo individualismo universal, o homem ocidental continua a fabricar o seu próprio inferno de Dante. Sem conseguir enfrentar as causas do declínio, o ocidente vai-se debatendo com a insustentabilidade dos seus modelos de providência social, com o relativamente baixo crescimento económico, com a incapacidade de se perpetuar em termos populacionais (i.e. de existir no futuro), com o falhanço do multiculturalismo, com projectos burocráticos europeus desastrosos (i.e. União Europeia), com os EUA a darem os primeiros sinais de desagregação civilizacional, etc… Em suma, o ocidente parece ter ficado preso no seu niilismo igualitário, pelo menos desde que a revolução francesa “implantou” o liberalismo contra a tradição e ordem.
Porém, que razões temos nós para pensar que a civilização de referência do futuro será a asiática?
A resposta tradicional é a do espírito dos tempos, isto é, materialista e de carácter económico. Os tigres asiáticos (Hong Kong, Singapura, Taiwan, Coreia do Sul) há muito que deslumbram os economistas com os seus índices de crescimento económico explosivos e prosperidade inigualável. O Japão, apesar dos altos e baixos, continua a ser uma referência mundial e a China, com os problemas inerentes a um país com dimensões continentais, vai-se revelando uma potência económica muito distinta dos demais BRICS. Sem surpresa, inúmeros prognósticos económicos prevêem que a economia chinesa irá ultrapassar todas a outras no mundo dentro de algumas décadas.
Outra análise importante é aquela que vem do campo das ciências comportamentais. Há muito que os estudos cognitivos revelam consistentemente que as populações dos asiáticos de leste são as que apresentam o QI médio mais elevado no globo; apresentando em média mais 5 pontos de QI do que as populações nativas europeias e sendo ultrapassados apenas por esse grupo minoritário que são os judeus Ashkenazi (que são o grupo étnico com resultados mais elevados ao nível do QI).
Mesmo quem nunca perdeu tempo a analisar estes resultados no campo das ciências cognitivas já desconfiava que algo de semelhante se estivesse a passar; afinal de contas, basta passear pelos departamentos académicos das universidades de topo no mundo ocidental nos campos das ciências naturais, engenharias, etc… para perceber que os asiáticos de leste compõem uma percentagem desproporcionalmente grande dessas comunidades académicas. Isto é particularmente evidente nos EUA, Canadá, Austrália ou no Reino Unido. Eu próprio já tive a oportunidade de o confirmar pessoalmente em Cambridge, no Imperial College London e noutras universidades britânicas.
Assim, perante a evidência de que o QI está fortemente correlacionado com prosperidade económica (com a excepção de casos como a Coreia do Norte onde o regime político não permite a criação de riqueza), está montado o cenário para a aceitação do futuro domínio civilizacional da Ásia oriental.
Contudo, uma das críticas mais prementes a esta ideia de que a tocha da civilização irá passar do ocidente para a Ásia é a de que, apesar do seu índice médio de inteligência ser ligeiramente mais elevado do que nas populações ocidentais, os asiáticos parecem ser menos criativos e menos inovadores (condição relevante para a expansão civilizacional e material). Afinal de contas, nos últimos séculos, foi o ocidente que gerou praticamente todas as inovações relevantes e os asiáticos simplesmente foram eficientes da sua produção e reprodução. A explicação tradicional do porquê de tal fenómeno prende-se com a cultura de obediência asiática (e não de irreverência) e com os sistemas políticos com base na autoridade. Tal, é nos dito, impede que os asiáticos atinjam o seu potencial criativo. No entanto, esta resposta é apenas a explicação de parte do enigma. Os geneticistas Harpending e Cochran sugerem que a possível resposta para este fenómeno está no facto de um determinado gene associado à impulsividade estar praticamente ausente nas populações orientais. Isto, tal como nos é sugerido, é o resultado da selecção natural evolutiva num ambiente onde as normas sociais são implacáveis na punição de transgressores da autoridade. Um país enorme como a China não se sustentaria durante séculos sem o enorme grau de homogeneidade que possui e principalmente sem esta tendência natural para a aceitação de autoridade.
De qualquer forma, a ideia de que os orientais não são inovadores não é totalmente corroborada pela história. Não só inúmeras inovações vieram do oriente no passado, como o próprio Adam Smith escreveu que o mercado na China era na altura muito mais evoluído e eficiente do que na Europa.
Mas mais importante do que todas estas análises é o impacto cultural que um domínio oriental teria no mundo. Com base na cultura social e política oriental, é fácil de inferir que o seu modelo do futuro assenta em 3 bases: 1) Autoridade/tradição, 2) Economia de mercado 3) Etnocentrismo.
O filósofo marxista Slavoj Zizek já identificou o sucesso deste modelo de uma forma bem mais sagaz do que a generalidade dos analistas capitalistas ocidentais. Para ele, a actual crise económica que se vive no ocidente, que leva tantos a culparem o mercado pelo que se passa, não irá significar o fim do mercado. O mercado gera demasiada riqueza para ser abandonado. Irá significar sim o fim da democracia liberal e dos valores liberais de igualdade e liberdade individual que a sustentam.
Zizek não deixa de ter razão, na prática, a democracia liberal faz-se contra o mercado e não a favor deste. Por outras palavras, em vez de serem 2 faces da mesma moeda como muitos liberais julgaram (haaa Fukuyama!), são processos antitéticos que criam forças em sentidos contrários. A democracia liberal, ao tentar satisfazer os valores centrais do liberalismo que domina o ocidente, acaba por afectar a exequibilidade do liberalismo clássico de moralidade proprietária; de igual forma, as pressões igualitárias das massas, juntamente com as pseudo-elites eleitas à sua semelhança, transforma o liberalismo clássico no liberalismo social Ralwsiano dominante. Este último é já uma forma autoritária e estatizante do liberalismo em agonia, ao ponto de, para manter a liberdade e igualdade do “Homem”, precisar de restringir a liberdade de expressão com “hate speech laws” ou redistribuir mais de 50% do PIB dos países.
Por outro lado, no Oriente, o liberalismo é rejeitado. Nem o maoísmo conseguiu quebrar a lógica do etnocentrismo, respeito pela tradição, identidade e autoridade. São estes os famosos “valores asiáticos” que representam cerca de 1/3 da população mundial e que no caso chinês representam uma união política e identitária sem paralelo.
Como escreveu Roger Scruton, é impossível pensar em “nós” sem nos separarmos do “eles”. Se se verificar o domínio oriental no globo, isto significará a ascensão do poder desta moralidade tradicional no mundo e o fim do liberalismo como referência mundialista que hoje em dia é imposta pelos EUA. O fundador de Singapura e famoso líder Lee Kuan Yew foi muito claro sobre o futuro do oriente quando proferiu: “os asiáticos não têm dúvidas de que uma sociedade comunitária onde os interesses da comunidade precedem o interesse do indivíduo serve-os melhor do que o individualismo da América”.
Concluindo, a economia de mercado não está em perigo, mas o mesmo não se pode dizer do liberalismo e dos seus valores. Estes irão ter uma forte competição de valores muito distintos vindos do oriente. Contudo, a curto prazo, o ocidente ficará preso nos conflitos que preparou para si mesmo e nas utopias que teima em não largar … isto, claro, até que o céu lhe caia em cima.
Visionamento recomendado: “Understanding the rise of China”
Interessante. Muita matéria para reflexão…
Curiosamente, por outras razões, nos últimos tempos tenho andado a dar mais atenção ao Zizek e também me parece que, indo além dos aspectos caricaturais (o que no caso não é fácil), há alguns insights com valor na obra do homem.
Falando em estudos e ciência da psicologia cognitiva e ambiental, está mais que provado que sentimos um maior dever de cooperação quando estamos perante pessoas mais parecidas a nós. O etnocentrismo funciona quase como o estandarte dessa cooperação, tão importante para o desenvolvimento. Quando muitas pessoas percebem a importância de trabalhar por um objectivo e percebem que são fundamentais nesse sistema, que fazem a diferença, consegue-se chegar mais longe. Nem é preciso, a este ponto, dizer que o multiculturalismo em nada ajuda o supra-citado.
Precisamos de nós (Europa) arranjar as nossas próprias tradições, ver para lá das nossas diferenças individuais e trabalhar por um objectivo, criar a nossa própria cultura, sem lugar a egocentrismos. A outra alternativa a isto, pura e simplesmente, já não é executável.
Partilho o diagnóstico pessimista sobre a cama que estamos a fazer para os nossos filhos e netos se deitarem. Mas não partilho a visão de quão formidável é a cultura oriental. Na verdade somos nós que estamos a largar o individualismo e a cair no comunitarismo, no primado do “bem comum”, enfim, naquilo que não somos. É o abandono do liberalismo que nos está a empurrar para o oblívio. O comunitarismo amarelo tem os seus limites….a criatividade é pouca e os erros, que os haverá, serão, sempre colossais, pela própria dimensão dos decisores. Há um exemplo emblemático, com a China. Antes dos europeus terem iniciado a sua saga marítima, o poderio naval chinês era inigualável. Os enormes juncos chineses mandavam em todo o Indico, provavelmente iam longe no Pacífico e só por mero acaso não cruzaram o extremo de Africa para entrar no Atlantico. De súbito, por decisão do Imperador, o poder naval chinês foi desmantelado. Uma decisão, um erro, um desastre catastrófico.
Cá isso não era possível, porque se um rei tomasse decisão semelhante, haveria muitos subditos que se estavam nas tintas e muitos outros reinos que e chegavam à frente…
O liberalismo tratado a pontapé neste texto de Filipe Faria.
O Zizek considerado sagaz.
O Ocidente dominado pelo liberalismo.
Safa!!!! Vou já fugir daqui para fora, senão ainda fico maluco!…
A questão da criatividade coloca-se muito, também, no plano da cultura. Não sei se há aspectos genéticos que tornem certas raças mais propensas à criatividade, mas o que vi, em especial na India e na China, foram sociedades onde a educação é muito orientada para a eficiência, algo que na nossa cultura ocidental não ocorre, e que fomenta à criatividade. Eu, que sempre fui muito céptico do sistema algo laxista que se instalou na Europa, nos últimos dois anos tenho vindo a evoluir para achar que a sociedade mais lúdica em que vivemos ajuda e muito à nossa supremacia cultural e criatividade. Dito isto, há um aspecto que não está incluído na análise e que se chama “factor conflito”. O tipo de crescimento económico a que assistimos hoje e o caldo religioso que se vive em algumas regiões do globo podem levar a escaladas de guerra que provoquem retrocessos civilizacionais e destruição em massa, algo que não é de afastar num horizonte de 30 anos.
Não percebi muito bem a fundamentação da ideia de que “a democracia liberal faz-se contra o mercado e não a favor deste”. Fora isso, excelente texto, sobre um tema que me apaixona.
wwoowww. Pensava que só eu tinha este discurso… amanha tenho que comentar.
Já tinha pensado em relação aos asiáticos a questão genética, quando uma vez vi uma exposição no Top Gear sobre a falta de personalidade dos carros japoneses, bem como as cópias dos carros ocidentais na China. Quando era mais novo, os japoneses em particular eram conhecidos pelas invenções esquisitas. Já quanto à falta de criatividade, é uma questão de tempo. O Japão exporta muitos produtos culturais e o video mais visto no youtube é uma criação sul coreana. As falhas no processo criativo são é bem visíveis no lado chines e, como acredito numa progressiva ocidentalização da China, é bem provável que nos próximos anos possam sair de lá algumas surpresas.
A tese da decadência do Ocidente tem o seu fundamento mais profundo no facto de a mentalidade nórdica que domina a Europa e o Mundo ter pensado a «ideia» adoptando um espiritualismo extreme. Em termos abusivamente gerais, só tem valor o que é espiritual e toda a natureza – onde se inclui o corpo humano – só tem o valor que do espírito recebe. O pôr do Sol não tem beleza em si; vale na medida em que os nosso espírito lhe atribui valor de beleza. Tanto o liberalismo como a democracia moderna bebem suas concepções deste princípio que está presente na mentalidade tanto de Franceses, como de Ingleses ou Alemães. Desprezando a natureza, então a educação tudo pode. E se a natureza não conta, e se, portanto, todos somos igualmente capazes, então criando as mesmas condições para todos, todos deverão conseguir atingir o fim… Levaram tão longe o seu espiritualismo que foram incapazes de ver a evidência: a desigualdade impera. E impera porque a educação e o hábito podem muito mas não podem tudo: a natureza conta. Era aliás injusto que assim não fosse, porque inviabilizava muito do mérito dos antepassados em transmitirem geneticamente os frutos desse aperfeiçoamento, quanto mais não seja a da perfeição física.
A democracia, que é o governo de muitos, adoptou estas concepções e «disse»: nascei que logo teremos um sistema educativo que fará com que sejam cidadãos capazes de distinguir o bem do mal. O liberalismo, negando a natureza, esvaziando o mundo natural de propriedade, só a reconheceu ao homem – ser espiritual – na inviolabilidade dos corpos. Abortos, plásticas, mutilação dos corpos e destruição do mundo animal, vegetal e mineral é somente o reflexo do espiritualismo extreme e da consequente negação da natureza.
Dentro da própria Europa tem havido alguma reacção intelectual a este espiritualismo extreme e há, por isso, motivos para optimismo, apesar de outros problemas que a mentalidade nórdica dominante tem. Mas enquanto Americanos e chineses vierem cá apenas comprar e vender, a coisa não é grave. Se começam a ter gente que pense, e sobretudo gente que pense o pensamento, é que a coisa se pode complicar.
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Meus caros, o Hayek ganhou Nobel a explicar porque razão as sociedades dirigidas são menos eficientes do que aquelas onde a informação flui em todos os sentidos. Tb explicou que as sociedades drigidas são mais eficientes na prossecução de um objectivo específico.
É por isso que nos estamos a suicidar ao aumentar o poder do estado. E é tb por isso que as sociedades orientais, muito mais autoritárias que as nossas ( ainda), não têm, vá lá, a “diversidade genética” que lhes permite encontrar soluções inovadoras face a problemas novos e imediatos.
É mais ou menos como as zebras e os gnus a atravessarem o rio dos crocodilos. As zebras estudam o problema cuidadosamente e avançam todas pelo mesmo sítio. Se corra mal morrem todas. Se corre bem, vivem todas. Os gnus avançam a esmo, cada um por si. Uns erram e morrem, outros encontram a passagem e toda a manada avança por ai.
O número de gnus dá a medida do sucesso da estratégia. Há milhões de gnus e não consta que estejam em perigo…
Filipe,
Só alguns comentários.
Concordo que há uma correlação enter QI e crescimento económico mas muito maior entre Present Bias (hipoerbolic Discount) e o crescimento económico. Isto para dizer que não existe individualmente correlação necessariamente entre inteligência e sucesso, mas existe mesmo entre Hiperbolic discount e sucesso. Testem as vossas crianças.
Quanto ao DRD4 7R (tema que muito gosto), só alertar que o facto de não o encontrar nas sociedades asiáticas pode meramente significar que é um alelo não humano (não Homo Sapiens sapiens), ou seja, perante a possibilidade (probabilidade?) do DRd4 7R ser herdado dos neanderthais será naturalmente prevalente essencialmente nas sociedades de matiz civilizacional europeia.
Lembrar que não foi a criatividade que criou o mundo em que vivemos. Isso é uma concepção errada. Essa criatividade de que tanto fala é usualmente usada para referir os últimos 100 anos. O mundo em que vivemos é o resultado do trabalho dos altamente colaborativos agricultores do neolítico. Estes não eram nada criativos. Mas eram dotados de um poder de colaboração nunca antes visto (veja-se na ásia o cultivo do arroz – Incrivelmente colaborativo), um poder de austeridade e uma capacidade única de controlar a Dopamina (DRD4 significa Dopamine receptor…) o semear para colher, o guardar para semear, o sacrificar para colher na altura das colheitas, a propriedade como sagrada – atributo dado pelo sacrifício feito até à colheita (onde se passavam fome o que até à redução na altura das pessoas levou e a pessoas mais esguias), ou seja com uma capacidade de controlar a impulsividade que não existia até então no caçador recolector do paleolítico.
Os últimos 50, historicamente foram a época do “festarola” paga pela inflação, pela desvalorização e pela dívida. Agora vem a ressaca e esta irá efetivamente mudar o focus do mundo para os “dads” da Ásia, com uma intolerância muito forte aos comportamentos Cads… curioso que quem (a esquerda) tanto se bateu contra a cultura ocidental, uma cultura muito Cad friendly, vai ter que viver agora num mundo dos puros “dads” orientais…!
“rá significar sim o fim da democracia liberal e dos valores liberais de igualdade e liberdade individual que a sustentam.”
O Zizek disse isto? Bem, antes dele já o Zakaria o tinha dito em “O Futuro da Liberdade”….
E já agora,
O termo “Cad”, vem de pulha e são chamados pulhas (porque o são, claro) mas aquilo que mais impressionou os antropologistas é que eram pulhas porque tinham (tem) um baixo investimento parental. Assim de esquerda, do tipo “é preciso uma aldeia para criar uma criança” porque eles é que não vão dedicar os recursos deles nisso!
Esta semana, de Otten R (et al).
“This study shows that carriers of the DRD4 7-repeat allele are disproportionally affected by the negative and positive effects of parental monitoring such that carriers of the DRD4 7-repeat allele, as compared to non-carriers, are more likely to use cannabis when levels of parental monitoring are low, and less likely to use cannabis when parental monitoring levels are high”
Na verdade isto junta-se á compilação de estudos que demonstram que essa “criatividade impulsiva” só aparece quando existe um elevado “parental Monitoring” que eles, filhos de pais divorciados (eu chamo-lhes de esquerda!) e Cads não obtêm por eles próprios, porque os seus pais possuem uma capacidade muito pequena de “parental investiment” e por isso querem que sejam a “aldeia” a pagar a educação , a “aldeia” a “spread the wealth”, sempre a aldeia…
Olympus,
“Lembrar que não foi a criatividade que criou o mundo em que vivemos. Isso é uma concepção errada. Essa criatividade de que tanto fala é usualmente usada para referir os últimos 100 anos. O mundo em que vivemos é o resultado do trabalho dos altamente colaborativos agricultores do neolítico. Estes não eram nada criativos. Mas eram dotados de um poder de colaboração nunca antes visto”
Estou genericamente de acordo com isto. A capacidade de colaboração colectiva (que nos asiáticos é auto-evidente) é uma característica que parece ser bastante mais adaptativa do que a simples criatividade. Daí a força oriental que mostrei no texto. Porém, a criatividade não é uma variável que deva ser ignorada e que pode fazer diferença. Foi isso que quis dizer. De resto, de acordo.
“Apaixonado pela igualdade e pelo individualismo universal, o homem ocidental continua a fabricar o seu próprio inferno de Dante”. Que disparate!
A paixão pela igualdade e pelo individualismo universal são a verdadeira chave da supremacia Ocidental.
A ideia de que o Oriente é diferente e precisa de valores diferentes é um mito que resurge periódicamente no Oriente para justificar a permanência no poder dos ditadores locais que perpetuam o respectivo atrazo civilizacional.
A melhor prova da supremacia dos valores ocidentais é-nos dada precisamente pelo Japão e China. Só quando adoptaram os valores ocidentais é que se desenvolveram. O que seria hoje da China se em vez dos dois ou três entrepostos comerciais autorizados no passado não tivesse transformado metade do país num offshore gigantesco baseado no laissez-faire ocidental.
O dilema da China está precisamente em ser capaz de se transformar numa democracia ocidental como o Japão ou deixar o Partido Comunista no poder esbanjar a riqueza criada no seu gogantesco ofshore em obras megalómanas e no rearmamento que os conduzirão inevitavlemente a um regime de inspiração Nazi com o consequente drama para a humanidade.
Nos anos de 1930 também havia muita gente deslumbrada com o milagre económico Alemão …
Não me parece que a tese da criatividade a Ocidente,e da reprodução a Oriente, colha.
Veja-se a China, lugar de tantas invenções! Quantas coisas não foram inventadas no Império Celeste e, depois, chegaram aos reinos e principados da Europa durante a Idade Média? Cai assim por terra a tese geneticista, pois não é de crer que o gene da criatividade pudesse ser erradicado do Oriente num par de séculos, gota de água no oceano do tempo, em matéria de evolução genética! E ver o moderno Japão como modelo reprodução só pode ser coisa de etnocentrismo (os trabalho de Claude Levi Strauss mostram como tal não passa de olhar grosseiro sobre o país do sol nascente).
Concordo, contudo, que as sociedades do Oriente são menos individualistas do que as do Ocidente. Nunca perderam de vista os valores da comunidade e da tradição e, não obstante, conseguiram ser exemplos extremamente bem sucedidos de desenvolvimento económico (capitalista). Mas, atenção, nem todas as sociedades do Leste da Ásia estão nos antípodas da democracia. Muito pelo contrário, Japão, Coreia do Sul e Twain são democracias, e não me parece que estejam ameaçados pelo vírus da decadência. É Certo que Singapura e China são formidáveis exemplos de desenvolvimento económico capitalista em ditadura. E, no Caso da China, a florescente economia de mercado é dominada pelo Estado com mão de ferro. Se a China continuar a sua vertiginosa ascensão, isso sim, poderá constituir um sério desafio para as sociedades demo-liberais do Ocidente, assoladas pela estagnação económica ou pelo crescimento pífio.
PS. Raf, o conflito foi motor da criatividade e da hegemonia técnico-científica na Europa. Foi a concorrência e rivalidade entre reinos e principados, na Europa medieval, que gerou o progresso e a disseminação das invenções.
Luís Marvão,
No meu texto eu refiro precisamente isso: que há capacidade criativa no oriente. A diferença salientada será sempre de grau. O alegar de que não há qualquer diferença genética/comportamental média a este nível (ou a qualquer outro) é que é teoria que caiu por terra à luz dos desenvolvimentos actuais nos campos científicos. Seja como for, criatividade ou impulsividade (que não são bem a mesma coisa) é apenas uma variável entre muitas, outras poderão ser até mais importantes.
Já as democracias que refere, são formalmente democracias, mas muitos ocidentais não as identificariam como tal devido à subordinação que estas sofrem perante a autoridade, tradição, hierarquia e honra. O Japão então é uma democracia forçada … imposta por americanos e desmilitarizada no pós-guerra depois de terem recebido 2 bombas atómicas. É bem possível que, se o poder hegemónico oriental dos grandes números chineses se consumar como as perspectivas indicam, eles livrar-se-ão rapidamente da actual formalidade democrática.
“Conservative parties—the two most important of which merged to form the Liberal-Democratic Party in 1955—were dominated by personalities rather than by ideology and dogma; and personal loyalties to leaders of factions within the party, rather than commitment to policy, determined the allegiance of conservative members of the Diet. As one American scholar, Nathaniel B. Thayer, described them, the factions have adopted the social values, customs, and relationships of an older Japan.…The old concepts of loyalty, hierarchy, and duty hold sway in them. And the Dietman (or any other Japanese) feels very comfortable when he steps into this world.”
Filipe Faria,
Eu não digo que a genética não tenha importância. Agora há certamente outros factores a contribuir para a criatividade dos indivíduos e dos agrupamentos humanos. E por isso dei aquele exemplo da China do passado. E não me parece que um dado traço genético presente numa população possa desaparecer no espaço de meia dúzia séculos e, ainda para mais, por acção do Estado.
A mim parece-me que, nestes casos, há uma interpenetração de causas atribuídas ao meio, em sentido lato, e à genética. E, em matéria de ciência, nem smepre é fácil isolar as causas.
É verdade que a democracia veio/foi imposta do exterior, no caso do Japão e de outros países da Ásia do Leste. No entanto, parece-me exagerado dizer que se trata de democracias formais. A meu ver, têm os atributos essenciais da democracia: liberdade de criação de partidos políticos e eleições livres por sufrágio universal. Mas a minha definição de democracia é minimalista.
Cumprimentos,
Luís Marvão