A Lei

O meu artigo publicado hoje no Diário Económico.

Há uma série de argumentos emanados do bom-senso que aconselham uma reconfiguração do papel do Estado. Como a evidência do seu tamanho exagerado não bastou durante anos, a factura que agora chega aos portugueses não pode fazer outra recomendação que não seja mudar de vida. Mas se, por um lado, deixamos de poder viver com o estado a que nos habituamos porque já não temos quem financie a festa, por outro não podemos dar corpo ao estado com que teremos de viver porque a Constituição não deixa. Frédéric Bastiat, na sua obra ‘A Lei’, disse que “se se tenta fazer a lei religiosa, fraternal, igualitária, filantrópica, industrial, literária, artística, logo se atingirá o infinito, o desconhecido, a utopia imposta ou, o que é pior, uma infinidade de utopias, que lutam para apoderar-se da lei com o objetivo de a impor.” Este é o verdadeiro legado que os deputados da Constituinte deixaram às gerações que se lhes seguiram: a lei fundamental do país mete o bedelho em todas as áreas da sociedade, indicando uns caminhos e vedando outros, impondo-nos uma direcção que apenas nos conduzirá ao precipício. Com isso, a mesma Constituição que não preveniu que sucessivos governos empenhassem a credibilidade do país e o futuro dos cidadãos – quando a sua primeira função deveria ser, precisamente, proteger os indivíduos contra os abusos do estado – blindou uma série de ‘direitos’ que se pensava serem eternamente sustentáveis, e bloqueia, ainda hoje, qualquer reforma verdadeiramente estrutural. Numa altura em que os portugueses se afogam em impostos, torna-se urgente questionar a imposição constitucional de não mexer a sério no grosso da despesa do estado (despesas com saúde, educação e segurança social; encargos com salários e prestações sociais) e de não despedir os funcionários públicos que estão a mais (segundo a generalidade dos estudos são pelo menos 100 mil). Entalados entre a impossibilidade de manter o estado que temos e a obrigação de seguir os ditames anacrónicos da Constituição, falar em revisão constitucional soa a eufemismo. Mudar de Constituição é o caminho.

6 pensamentos sobre “A Lei

  1. Paulo Pereira

    O que está a mais é o estado não social burocrático.

    O estado social é a base de uma sociedade saudável, educada, criativa e produtiva.

  2. Marão

    Actualização do estatuto e reformulação das freguesias, claro que sim. Mas não se acomodam anexos antes de se dimensionar a nave principal. Se os partidos da actual maioria feitos patos-bravos querem assentar tijolo sem cuidar dos alicerces, dos socialistas registe-se que quando na governação não gerem, atrapalham, diluem e transferem. Catastróficos ao leme, ciclone arrasador na oposição. Não há solução para o País com um sistema eleitoral talhado á conta e medida como alimento das clientelas partidárias do arco dominante, em que as permutas de poder, entre estafados e viciados ocupantes se sucedem ciclicamente em restrita escala a dois comparsas, com pendura de ocasião em permanente estado de alerta. Inundados de naftalina trocam de actores e fatiotas, preservando á vez a chave bem guardada do palheiro que os vai engordando, repartindo e enfardando entre si em palco de simulação de guerrilhas para entretenimento público. Só uma emenda constitucional de emergência máxima constituirá receita curativa para tão nociva moléstia, com renovação de gentes, refrescamento e distribuição com renovados e legítimos peões em tabuleiro a arejar com destreza. Das quase duas centenas e meia de deputados ensacados em turbilhão, aí uns 50% não tem feito mais que coçar cadeiras, agarrados, tolhidos e obedientes por vícios fósseis desde á mais de 30 anos, em que nunca foram capazes, ou intencionalmente mascararam a emergência de parir uma nova, escorreita e transparente lei eleitoral. O modo e tempo da actual discussão do número de freguesias não passa de um mal encenado número circense, quando tudo deveria iniciar-se por uma constituição adulta e sem sofismas, pelo modo de eleição e assento no parlamento e órgãos autárquicos para que com legitimidade renovada se arquitecte o edifício administrativo do País. A redução do número de deputados deve andar perdida, a descentralização, (que não uma regionalização multiplicadora de benesses e burocracia), parece que se perdeu. Se os governantes de turno apenas rodeiam habilidosamente as questões estruturais de fundo, os anafados opositores enquanto arregalam o olho á espera de vez, vão-se coçando com um chega para lá macaco, quee em vez de apontar alternativas decentes insistem em inundar-nos a pele, tossindo e salivando gafanhotos. Saltam de galho em galho como quem muda de camisa, de Faro para Braga como de Sintra para Lisboa.

  3. Nuno

    N’A Lei Bastiat também diz (parafraseando), que se qualquer lei tira algo a quem pertence para dar a quem não pertence, é eliminar esta lei de imediato pois o que hoje (século XIX) é excepção, cedo se tornará a regra. Os beneficiários protestarão alegando os seus direitos adquiridos, não ouçamos estes sofistas, caso contrário, a situação tornar-se-á sistemática. Escuso-me de referir a validade desta descrição/previsão.

    É o debate mais importante da civilização ocidental nos próximos anos: confiamos ou não no espírito humano? Ou confiamos em pretensos humanistas que o querem moldar à sua imagem?

    “A Lei” é que devia ser a Constituição.

  4. Nuno

    Se o Estado, ao redistribuir a riqueza, destrói uma considerável parte empobrecendo efectivamente a sociedade no seu todo, não será o Estado exclusivamente não social?!

    E que mito é esse de que só o Estado pode dar Educação e Saúde? Se mesmo com a obrigatoriedade de contribuição para estes sistemas públicos (em coerência com o respeito que os Socialistas sempre demonstram pela liberdade individual) 1/3 da despesa com saúde é privada e as escolas privadas são relativamente numerosas e de maior qualidade, se a liberdade de escolha imperasse ficaríamos subitamente sem estes dois bens?!

    Quanto à produtividade e criatividade do Estado nem vou comentar. É mais do que patente ao longo da História a superioridade da iniciativa privada em termos de produtividade, inovação e cooperação. Não confundamos necessidade de vida em sociedade com necessidade do Estado.

  5. Paulo Pereira

    Nuno,

    O estado social não redistribui riqueza, tal como a policia não redistribui riqueza ou as estradas não redistribuem riqueza.

    O estado social permite que toda a população tenha saude , educação e seg. social de boa qualidade.

    Um estado sem estado social não será competitivo com os outros estado com estado social.

    A criatividade e produtividade vêm das pessoas saudáveis, educadas e criativas, como não sabemos á partida quem serão os mais produtivos e criativos apostamos em todos e deixamos depois o sistema capitalista funcionar a criar produtos e a vendê-los.

    Por isso todos os paises desenvolvidos têm estado social, porque o estado social é util e funciona.

    Imagine a complicação que seria viver num país sem estado social !!!

    Olhe os EUA além do estado social, ainda inventaram o Keynesianismo Militar, só para não deixar margem de erro !!!

  6. Nuno

    Paulo, eu estou perfeitamente de acordo que precisamos de saúde e educação. Tal como precisamos de comer e beber. Só não acho que sem o Estado ficássemos sem os dois bens. Isso é discurso de Ordem dos Médicos, Enfermeiros, FENPROF e afins. E nem me parece eficiente ou moral atribuir o monopólio forçado desses sectores ao Estado.

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