Estudei em uma Escola Secundária pública e em uma Universidade pública, Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
Em 1994, quando entrei na faculdade, quem entrou vindo de escolas privadas pertencia a uma minoria. A Faculdade de Economia pedia apenas a específica de matemática e tinha a média mais alta para entrar. Na altura as escolas com notas mais altas nas específicas eram escolas públicas. Nesse ano foi a Escola secundária nº 2 dos Olivais a que teve notas mais altas na específica de matemática.
Em 2009, 15 anos depois, a minha irmã entrou na mesma faculdade. Continua a ser a faculdade com a média mais alta de entrada. O que mudou? Agora a grande maioria dos alunos vêm de escolas secundárias privadas. Nos ranks de melhores notas nas provas nacionais não se encontram escolas públicas de Lisboa. A minha irmã fez o ensino secundário em uma escola privada.
O que mudou esta relação de qualidade entre o ensino privado e o ensino público? Foi a falta de investimento na educação? A falta de apoio público. Factores objectivos como a quantidade de recursos empregues e e factores qualitativos como as bandeiras dos governos no poder neste período dizem que não é essa a razão.
Nas discussões sobre o tema é normal que se ponha na mesa o facto de que as estatísticas melhoraram muito neste período. Acredito que seja exactamente esse o problema. O Estado apostou nas estatísticas, que são indicadores da realidade mas não são a realidade. Qualquer indicador deixa de servir quando passa a ser um objectivo em si. O número de licenciados é um indicador que assume que os critérios para que esta certificação seja atribuída não sejam alterados com o objectivo de facilitar esta certificação. A certificação deveria indiciar mais conhecimento adquirido e por isso a quantidade de certificações é, à partida, um bom indicador. Ao alterarem-se os critérios de exigência para obter-se mais certificações e logo um melhor indicador temos o efeito contrário na realidade, menos conhecimento.
Nas escolas secundárias temos um fenómeno semelhante. O indicador mais usado é o abandono escolar, um indicador cuja evolução pode servir desde que a exigência e os factores que levam ao abandono escolar não sejam alterados. O que foi feito foi exactamente alterarem-se estes critérios. Os alunos que antes abandonariam ou seriam expulsos das escolas são obrigados a ficar ou impedidos de ser expulsos. Ficam na escola sem aprender, porque podem obrigá-los a manter a matrícula, os professores podem ser obrigados a passá-los mas o ministérios da educação ainda não os consegue obrigar a adquirirem os conhecimentos dados pela Escola. Pelo caminho, aqueles que queriam aprender são prejudicados pela falta de disciplina na escola e pela falta de motivação de professores. Um professor que tem como objectivo dado pela sua hierarquia fazer passar alunos pode ser um bom professor? Sim pode, mas quantos o deixaram de ser por esta razão? Esta filosofia de ensino combinada com a orientação para a forma em vez do conteúdo e de uma crescente centralização ajudam a explicar a degradação da qualidade da educação pública em Portugal.
Falo hoje com amigos que andaram na sua maioria na escola pública. Não só por razões financeiras mas também por razões ideológicas gostariam que os seus filhos fossem para a Escola pública. Para sorte deles ainda têm a opção de os colocarem em escolas privadas, que é o que vão fazer. A aceitação da derrota é o primeiro passo para aceitarmos a necessidade de mudança de rumo.
Completamente de acordo.
A progressão qualidade do ensino -> melhores notas -> entrada na universidade ficou, na minha opinião, bastante distorcida nos últimos anos. Em 2009 o ensino recorrente privado sobe de 5000 matriculados para 50000, o que só por si duplicou o número de matrículas no ensino privado… (fonte: http://www.pordata.pt/Portugal/Alunos+matriculados+no+ensino+secundario+privado+total+e+por+modalidade+de+ensino-1016)
Longe de mim querer generalizar, mas não diria que o ensino recorrente privado seja um poço de excelência… No entanto, para cursos com médias altas, muita gente com dinheiro procura essa filosofia de ensino..
Miguel Pereira,
Há 15 anos atrás havia muita “gente com dinheiro” a colocar os filhos no ensino público. Agora ninguém, com ou sem dinheiro, quer lá por os filhos.
A filosofia de ensino que procuram é o de ensinar, de preparar.
Tudo bem, eu percebo e aceito o ponto. Mas não se pode negar que muitos, especialmente nos últimos 3 anos, pagaram pelas notas, e não pela preparação. E não foi pela falta de qualidade do ensino público, foi pelo facilitismo de algum ensino privado.
Caro Ricardo,
Também não exageremos. Depende de local para local e escola para escola. Ainda existem muito boas escolas públicas e muito más privadas e o que o Miguel Pereira diz tem o seu “quê” de verdade e está “amarrado” ao peso da nota de frequência no cálculo da nota de acesso ao ensino superior.
No entanto e, como disse anteriormente, totalmente de acordo, o principal problema prende-se com a ideia que atravessou o ensino (e que começou com o Roberto Carneiro) de que todos os alunos têm o DIREITO a ter um curso superior. Ora, o que todos os alunos têm de ter é direito à melhor educação possível, o que implica que a Escola deve ser exigente com os seus educandos e dar-lhes formação de acordo com as suas capacidades cognitivas.
“O Estado apostou nas estatísticas, que são indicadores da realidade mas não são a realidade.”
A expressão “indicadores da realidade [social]” é muito ambígua e, também por isso, propensa a interpretações ilegítimas. É lamentável que vivamos, de há muito, sob um paradigma positivista/empiricista segundo o qual será impossível compreender a realidade social sem a “mensurar” (o que seria o papel dos “indicadores”). Num tal quadro, pretende-se inferir o conhecimento sobre a realidade a partir da sua “medida” para, de seguida, interpretar aquela de um modo que esta se lhe ajuste e, sobretudo, que “permita” prever/moldar o futuro (essencialmente como mero eco do passado mesmo quando proveniente de outros entornos sócio-geográficos). É por esta razão, creio, que vimos assistindo à infernal multiplicação de “estudos” estatísticos onde, literalmente, se anda “à pesca” de correlações. Sucede que a vontade de obter “provas” é frequentemente tão intensa que, as mais das vezes, o peixe não tem hipóteses de não morder o anzol.
Enquanto não se sair “disto”, a maior parte dos “estudólogos” nunca será capaz de compreender a argumentação, que subscrevo, do autor do post>.
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“Agora ninguém, com ou sem dinheiro, quer lá por os filhos.” E assim se enterrou mais uma tentativa de argumentação pró-liberal. O Ricardo, como os outros liberais tugas, só conhece a realidade de um mundo de tios, meninos mimados e demais teletubies. Se procurasse olhar para o lado iria perceber as asneiras que diz.
Já a Mariana nem sequer tenta argumentar. Conhece-te a ti mesmo…
Ricardo, eu, que sou ninguém, já tenho muitos filhos para educar. Você que deve ter idade para andar sozinho, dê por aí uma voltas e daqui a uns anos falamos.
Os argumentos da Mariana continuam a esmagar. De aqui a uns anos serão ainda mais esmagadores?
Caro Ricardo, começo a ficar preocupada consigo. Não há que argumentar nada. Você baseia o seu racíocinio num pressuposto falso “Agora ninguém, com ou sem dinheiro, quer lá por os filhos”. Para perceber que é falso, é preciso sair do seu mundo de tios e tias. Eu não posso fazer isso por si. Dou-lhe apenas uma sugestão, sobre o tópico em questão. Investigue um pouco sobre a realidade de muitas das escolas privadas com contratos de associação com o estado.
Cara Mariana,
Há 15 anos tios, tias, pais, avós, sobrinhos e afilhados que podiam, que tinham dinheiro para o fazer, punham em grande proporção os seus filhos em escolas públicas. Hoje em dia menos. Mas uma coisa é verdade. A minha pergunta é feita com base em uma amostra de há 17 anos, o meu curso, outra de há 3 anos, o curso da minha irmã e por fim as pessoas que eu conheço (creio que são essas que dá nomes) que embora algumas sejam tão socialistas como a Mariana vão, com muito pesar, colocar os filhos em escolas privadas, das exigentes, das que os filhos não serão tratados como material para experiências de inclusão social e igualitarismo bacoco como seriam nas escolas públicas.
Ricardo, quando puder passe pelo meu consultório que eu receito-lhe um medicamento óptimo para si. Você claramente está a precisar de dormir.