Matemática não é Verde

Caudal de rio na Gronelândia destrói ponte, no Público (inclui vídeos).

O que eu acho incrível nesta notícia é que consegue o feito de, na mesma notícia, ter as seguintes passagens:

Ao mesmo tempo, o satélite Oceansat-2 testemunhava um fenómeno que só se conhecia nos registos dos glaciares e nunca tinha sido testemunhado. Entre 8 e 12 de Julho, a área da superfície de gelo que se estava a derreter do enorme glaciar que cobre grande parte da Gronelândia passou de 40% para 97%, um fenómeno nunca antes visto que a agência espacial norte-americana (NASA) anunciou nesta quarta-feira.
“O que aconteceu foi uma fusão anómala da massa de gelo da Gronelândia. A película superficial de gelo fundiu muito mais nas últimas semanas”, explicou Gonçalo Vieira, investigador do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa e especialista no estudo de glaciares. “É surpreendente porque este fenómeno nunca tinha sido observado pelos dados de satélite”, disse ao PÚBLICO.

Ou seja, neste momento só 3% da Gronelândia tem gelo (podem ver a notícia e o mapa por satélite aqui).

&

A Gronelândia, uma região autónoma da Dinamarca, é a maior ilha da Terra (a Austrália faz parte de um continente e não é considerada uma ilha), tem 2,1 milhões de quilómetros quadrados, cerca de um quarto da área do Brasil. Destes, 1,7 milhões de quilómetros quadrados estão cobertos de gelo que se acumulou ao longo de centenas de milhares de anos.
É um enorme glaciar que, no seu pico, atinge os três quilómetros de espessura e tem um volume de 2,85 milhões de quilómetros cúbicos. Se toda esta água congelada da ilha derretesse e se diluísse nos oceanos, o nível médio do mar subiria 7,2 metros, inundando cidades costeiras um pouco por todo o mundo.

Mas não tinha derretido? Se só 3% de 2.100.000 de Km2 têm gelo e a profundidade máxima é de 3 Km, onde se escondem esses “milhões de quilómetros cúbicos? Como diria o Vale e Azevedo: “Onde estão os milhões?“. Quantas pessoas com QI superior a, vá, 100 ainda acreditam que o mar vai subir e “inundar as cidades costeiras” no dia em que a Gronelândia voltar a ser verde, como o foi no milénio passado?

Sempre achei esta história muito mal contada, pois a matemática de base sempre me pareceu impossível. Depois deste flop (sobre o qual podem ler aqui detalhes), não estava na altura de se queimarem reciclarem alguns relatórios e essas pessoas irem fazer algo de útil?

36 pensamentos sobre “Matemática não é Verde

  1. Dervich

    Não basta saber fazer contas, tem de se ler o que é dito: “A película superficial de gelo fundiu” e não 97% de todo o gelo…

    Não será preciso sequer ter QI 100 para perceber esta diferença.

    Por outro lado, ainda que ninguém saiba ao certo se um dia se vão “inundar as cidades costeiras”, toda a gente sabe (já foi referido neste mesmo blog) que a Gronelândia não foi verde no milénio passado (nunca o foi), pelo contrário, há 20 000 anos a placa de gelo chegava até à latitude de Londres.

  2. Eu li o artigo Dervich,
    Mas façamos as contas: 3% de 2.100.000 Km2= 63.000 Km2
    Ora, assumindo a espessura máxima: 3 Km x 63.000 Km2 = 189.000 Km3
    Assim, a questão é “Onde estão os milhões?”?!?

    Sempre assumi que esses 57% que derreteram em 4 dias tinham mais do que uma camada “superficial” (pois faço contas a toda a hora e para bater certo teria de ser). Mas agora sei que os 2.000.000 Km3 nem sequer 200.000 Km3 são…

  3. lucklucky

    http://afr.com/p/lifestyle/review/scorning_the_propaganda_of_fear_35NPhGM05z5vuBNPRHVobI

    When a celebrated French philosopher from the centre left assails the “despotic” politics of environmental fear he should expect a dressing down from his climate change-conscious comrades.
    But Pascal Bruckner has incited such fury with a diatribe against green prophesiers of imminent planetary ruin, the reaction has surprised even this veteran of the trans-Atlantic culture wars.(…)

  4. Dervich

    3% de 2.100.000 km2 foi a área em que não derreteu nada

    97% de 2.100.000 km2 foi a área em que houve uma fusão à superficie (1 cm de expessura?), tudo o resto abaixo disso (3 kms – 1 cm) permanece lá tudo…

    É na soma destes dois volumes (basicamente o 2º) que estão os milhões que procura.

    Sobre a Greenland ser verde:

    “The name Greenland comes from the early Scandinavian settlers. In the Icelandic sagas, it is said that Norwegian-born Erik the Red was exiled from Iceland for murder. He, along with his extended family and thralls, set out in ships to find a land rumored to lie to the northwest. After settling there, he named the land Grœnland (“Greenland”), supposedly in the hope that the pleasant name would attract settlers”

    Uma coisa são ligeiras mudanças pontuais de clima que permitem cultivar umas couves nas orlas da ilha, outra coisa são substanciais mudanças climáticas que duram milhares de anos e que se chamam glaciações e degelos.

  5. Dervich, mas leu o que escreveu?
    Erros:
    I – O que derreteu não foi 97%. Foi os 57% que medeiam entre os 40 e os 97%. Pouco menos de 1.200.000 Km2. Viu os mapas? Como pode dizer que derreteram 97%? Foram 57%.
    II – 1 centímetro de espessura? Mas isso aparecia no satélite? Está a brincar comigo, só pode.
    III – De 3Km a 1 cm permanece lá tudo? O Sol pára depois de levar 1cm, é? Mas mais importante: ESSES 3 Km só se encontram em 3% do território!!! Mas leu o meu comentário antes de responder. Aqui fica o que eu escrevi acima:

    3% de 2.100.000 Km2= 63.000 Km2
    Ora, assumindo a espessura máxima: 3 Km x 63.000 Km2 = 189.000 Km3
    Assim, a questão é “Onde estão os milhões?”?!?

    Ou seja, como os 3 Km (3Km no ponto mais profundo, pois como é óbvio os vales não são regulares) só se aplicam a 3% (63.000 Km2), não há espaço para os milhões!!!

    Não há!

    PS: Peço desculpa pelo tom, mas essa é de primária.

  6. Em relação ao nome, eu nunca disse que a Gronelândia foi a Amazónia.
    Impliquei que ela já foi mais verde e que é provável que, como disse, “a Gronelândia voltar a ser verde, como o foi no milénio passado”. O que já não deve estar muito longe, diga-se.

    E não se prenda a questões de geografia antes de perceber as questões mais básicas de matemática, vá.

  7. PedroS

    LIção desta história: NUNCA acreditar no que um jornalista escreve sobre um estudo científico. O estudo da NASA diz “degelo superficial em 97% do território”, as agências de notícias ouvem “degelo em 97% do território”, os jornalistas escrevem ” 97% do gelo da Gronelândia desaparece”.

    Os jornalistas nem sequer lêem o que eles prórpios escrevem: se 97% do gelo tivesse desaparecido , não teria sido notícia na mesma semana o desprendimento de um icebergue de alguns km2 da massa de gelo da Gronelândia.

  8. PedroS

    Infelizmente, penso que desta vez o Ricardo se enganou na sua interpretação da notícia. É verdade que esta não estava bem escrita, mas o texto diz de facto “degelo superficial”. Quanto á detecção de um degelo de 1 cm, numa massa de 3 km, é isso de facto o que os satélites fazem: analisam por infravermelhos a temperatura da superfície, e a partir desse valor é possível saber se ocorre degelo. Não medem por radar a altitude da camada superficial, o que de facto seria extremamente difícil.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Moderate-Resolution_Imaging_Spectroradiometer

  9. PedroS,
    Não vou aqui defender os jornalistas, pois penso como o Pedro, mas de acordo com as imagens (linkadas no artigo) a “degelo superficial” foi em 57% do território (Pouco menos de 1.200.000 Km2).
    E claro, é 57% da área, não 57% do gelo. Uma pessoa habituada à qualidade do jornalismo Português já aprendeu a basear-se nas imagens fornecidas…

    Quanto ao 1cm… Fico com uma dúvida: isso é um valor médio? Seria que haveria zonas com apenas 1 mm e outras com muito mais? (sim, estou a ser irónico)

    Seja como for, a questão relevante é que os 100.000 Km3 (189.000 Km3, se acreditarmos que os vales são planos e têm sempre a altura máxima) são irrelevantes para a altura dos mares a nível global e que estava na hora de uns pedidos de desculpa de certas pessoas…

  10. Os jornalistas nunca acertam nos números. O conceito de 97% já é suficientemente difícil para eles sem ainda por cima terem que se perguntar “97% de quê?”. Lemos a notícia, tiramos as nossas próprias conclusões e, se formos sensatos, ficamos conscientes que ninguém ficou de posse do argumento decisivo para a polémica do aquecimento global.

  11. Dervich

    Oh Ricardo, você diz que “não vou aqui defender os jornalistas” e depois pergunta se “não estava na altura de se queimarem alguns relatórios?” ?!

    Você aponta-me a mim supostos erros quando interpreta a notícia deste modo – “neste momento só 3% da Gronelândia tem gelo”?!…

    E quem é que falou em milhões de Km3 de gelo perdido senão você? Afinal o seu problema é com os jornalistas, com os cientistas ou com o quê?!

    O problema foi você ter ficado convencido que a Gronelândia se tinha derretido quase toda, é isso?! Esteja descansado, já lhe expliquei que não e porquê.

    Ao contrário do PedroS, que acha uma infelicidade você se ter equivocado, para mim isso é perfeitamente indiferente, pois pode expor-se ao rídiculo como melhor lhe aprouver…Mas tente lembrar-se que a ciência não é uma questão de ideologia, talvez essa noção o previna de se encontrar futuramente em mais becos sem saída.

    E enquanto espera que os seus netos possam um dia construir um verdejante campo de futebol na amena Gronelândia, pode ficar descansado com o estado das minhas matemáticas de base, intermédia e superior: É que sabe, há 20 anos não havia essa história das equivalências…

  12. Aladin

    Quem tem uma ideia mais sólida destes assuntos, facilmente conclui que o que derreteu foi uma camada superficial, como acontece sempre na estação quente. Este ano, se calhar um pouco mais.
    Esse é o facto.
    Mas a percepção da generalidade das pessoas, induzida pelo modo como o facto foi comunicado, é que 97% do gelo da Gronelândia, derreteu.
    Uns dirão que os jornalistas são burros, outros dirão que são activistas.

    Eu penso que uns sabem tanto disto como de rende de bilros e que se limitam a cozinhar a notícia do modo mais sensacional possível, dizendo que o homem mordeu o cão.
    Outros, uma minoria, são de facto activistas em missão e tratam de usar jogos de palavras para moldar a notícia aos seus desígnios.
    E conseguiram.
    O que fica, para a generalidade das pessoas que dedicam ao assunto uns segundos de atenção, é que a Gronelândia está praticamente sem gelo que nós somos os culpados.
    E, sendo culpados, estaremos mentalmente disponíveis para exorcizar a culpa, pagando mais umas taxas em acto de contrição.
    A culpa é algo muito poderoso, que o digam as religiões, tanto as sagradas como as profanas.

  13. jhb

    Um cm de gelo, entre outras coisas…

    “Climate change study forces sceptical scientists to change minds

    Earth’s land shown to have warmed by 1.5C over past 250 years, with humans being almost entirely responsible

    […]

    Prof Richard Muller, a physicist and climate change sceptic who founded the Berkeley Earth Surface Temperature (Best) project, said he was surprised by the findings. “We were not expecting this, but as scientists, it is our duty to let the evidence change our minds.” He added that he now considers himself a “converted sceptic” and his views had undergone a “total turnaround” in a short space of time.

    “Our results show that the average temperature of the Earth’s land has risen by 2.5F over the past 250 years, including an increase of 1.5 degrees over the most recent 50 years. Moreover, it appears likely that essentially all of this increase results from the human emission of greenhouse gases,” Muller wrote in an opinion piece for the New York Times.”

    http://www.guardian.co.uk/science/2012/jul/29/climate-change-sceptics-change-mind?intcmp=122

  14. Aladin

    “Culpados de quê?!?
    De ter derretido 1cm de gelo?!? Bah”

    Sim.
    A ideia é mesmo essa.
    Nós, seres humanos, somos culpados.
    É essa a teologia da religião climática.

    O nosso consumismo, a civilização capitalista, etc, etc.
    A generalidade das pessoas não ficou com a ideia de que foi 1 cm. A notícia era inequívoca: 97% do gelo da Gronelandia desapareceu!
    E é essa a ideia que irá perdurar, por muito que seja desmentida aqui e ali. As pessoas olham para o mundo em flashes e não estudam estes assuntos mais do que o tempo de uma notícia ou de um título sonante.

    Não subestime o impacto deste tipo de notícias. É ele que, paulatinamente, leva as pessoas a pensar “como deve ser” e a apoiar politicas “verdes” ( e caras).

  15. Aladin

    “Prof Richard Muller, a physicist and climate change sceptic”

    Falso.
    Nunca foi um céptico mas sim um assumido crente. No aquecimento global e na causa antrópica.

    O que fez foi criticar a manipulação grosseira do “hockey stick”, coisa que qualquer cientista sério não pode deixar de fazer, face às evidências. Mas isso não faz dele um céptico…

  16. jhb

    Cépticos somos todos, em vários graus. Pelo seu comentário, vejo que ele nunca foi um negacionista, isso sim…

  17. dervich

    “A notícia era inequívoca: 97% do gelo da Gronelandia desapareceu!” – FALSO

    O que a notícia diz textualmente é: “A película superficial de gelo fundiu”.

    “A generalidade das pessoas não ficou com a ideia de que foi 1 cm” – Problema delas!

    “As pessoas olham para o mundo em flashes e não estudam estes assuntos mais do que o tempo de uma notícia ou de um título sonante.” – Exato, talvez fosse conveniente mudar essa atitude ou responsabilizar mais os jornalistas, em vez de pôr em causa o conteúdo dos relatórios.

  18. Aladin

    “O que a notícia diz textualmente é: “A película superficial de gelo fundiu”.”

    Isso é o que diz o relatório.
    As notícias televisivas, onde eu e quase toda a gente ouviu a coisa, não se referem a essas minudências.
    Foram troantes: a Gronelândia perdeu em x dias, 97% da sua capa de gelo.

    E foi isso que foi interiorizado.

    O problema é das pessoas?
    Meu caro, a sua percepção da maioria dos assuntos, bebe-a, como toda a gente, através deste tipo de filtros.
    E há quem explore este facto..

  19. Nunes

    Iliteracia funcional?
    “a área da superfície de gelo que se estava a derreter do enorme glaciar” – Caso não saiba, àrea é diferente de volume. Estudou nas novas oportunidades?

  20. blitzkrieg

    O jornalista do público é efectivamente mal intencionado. A sua tese é de que enquanto o clima for um tema preocupante, continuarão a pagar-lhe para escrever artigos sobre clima e JÁ O OUVI DIZER ESTAS PALAVRAS. Como é o suposto expert, raros na redacção questionam as abominações do que escreve. O título foi evidentemente uma manipulação agressiva que induz o leitor em erro. O jornalista não é assim tão parvo que não perceba o que está em causa na notícia – é, isso sim, um estupor sem ponta de ética.

  21. lucklucky

    Leitura curiosa hahahah! você estudou ciência na escola?
    “Our results show that the average temperature of the earth’s land has risen by two and a half degrees Fahrenheit over the past 250 years”

    Como raio sabe ele isso. Que estações existiam há 250 anos?
    Nem vou falar dos problemas actuais sequer.

    Um vigarista. E com muitos idiotas úteis disponíveis.

  22. Mariana

    Quem é que gabava há umas semanas atrás do seu brilhantismo e das suas magníficas notas do secundário? Quem era? Sim, esse mesmo que está com muitas dificuldades para interpretar uma simples peça jornalística. Viva o exame da quarta classe!!!

  23. sergiotv

    Leitura adicional sobre as medições: http://berkeleyearth.org/pdf/results-paper-july-8.pdf , se existem medições de temperatura à 250 anos? até existem à mais, mas leiam: http://www.ldeo.columbia.edu/~peter/site/Papers_files/chapter1.pdf
    lamentável é a forma como este tema é discutido, uma peça jornalística tem apenas uma interpretação feita por um jornalista de determinado artigo cientifico para facilitar a divulgação à comunidade em geral com todas as inerentes limitações, se queremos ser rigorosos, o normal na comunidade cientifica é ir consultar as fontes e no caso de dúvida dessas fontes, o que se faz é a validação dos dados, tal como fez Muller…

  24. Amadeu

    🙂 🙂 🙂
    E aqui vai a letra para os sapos verdes e os cozinhados:

    O nosso amor é verde.
    Nós somos verdes.
    Verdes,
    como são os campos
    e as árvores
    quando regressa a Primavera.
    Verde é tudo quanto é belo.
    Tu és verde, meu amor, verde.
    Verde!
    O nosso amor é verde,
    mas não digas a ninguém.

  25. jhb

    “Currently, the longest-running temperature record is the Central England temperature data series, that starts in 1659.”

    Da wikipedia.

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