O resultado do sobreinvestimento em educação

Sindicato da Função Pública alerta para empregos a licenciados por 500 euros
Empresa do Vale do Ave não consegue recrutar costureiras, pagando salários de 750 euros

Começo por constatar o óbvio: os benefícios da educação vão muito para além da mera preparação profissional. Para a elite que lidera o país, é também uma boa forma de formatação ideológica (eu lembro-me de, a certa altura no ensino secundário de ter três disciplinas cujo manual era escrito por Boaventura Sousa Santos). Mas para os estudantes que desenvolvem espírito crítico em relação ao que aprendem, sabendo filtrar aquilo que recebem, a educação é uma forma de enriquecimento pessoal que oferece benefícios que vão muito para além da preparação para uma profissão. Tudo considerado, a educação é, obviamente, uma necessidade básica, mas tudo indica que nos últimos anos existiu um investimento exagerado em educação.
Eu compreendo como afirmar que existe um sobreinvestimento em educação pode ferir a sensibilidade de alguns, afinal, sendo a educação algo inequivocamente bom, como podemos ter demasiado disso? A questão é que, ao contrário do que a esquerda insiste em esquecer, os recursos são escassos. O investimento em educação foi realizado à custa de impostos e dívida, que resultaram na perda daquilo que é necessário para fazer render a educação: o capital. Em linguagem para não economistas, andamos a taxar as fábricas para formar engenheiros, e hoje temos engenheiros, mas não temos fábricas. Temos gestores, mas não temos empresas para serem geridas.
Eu sei que aparecerá sempre alguém que consiga manipular os dados de forma a demonstrar que Portugal investe pouco em educação ou taxa pouco o capital. Mas a realidade está aí: o desemprego entre licenciados está aos valores mais altos de sempre, assim como a emigração. De facto, formamos pessoas em demasia para o capital disponível para as empregar. Portugal está hoje na situação de uma companhia aérea que vendeu todos os aviões para formar pilotos. Pior do que isso: na medida em que muita dos cursos subsidiados nem sequer foram criados de acordo com as necessidades do mercado laboral, Portugal é mais como uma companhia aérea que vendeu aviões para formar astronautas e sapateiros.
O facto de existirem ofertas de empregos para arquitectos altamente qualificados oferecendo um salário de 500 euros, mas uma empresa não conseguir contratar costureiras a 750 euros é apenas o resultado da lei da procura e da oferta: temos demasiados arquitectos e poucas costureiras.
Como se corrige isto no actual panorama político? Começar por deixar de subsidiar os cursos com mais baixos níveis de empregabilidade, elevando a propina desses cursos nas universidades públicas para um valor próximo do seu custo, deixando assim de sobrecarregar os contribuintes com a formação de profissionais que o país não necessita. Seria um pequeno passo para reiniciar a acumulação de capital necessária para voltarmos a ter empregos para profissionais qualificados. Até lá precisaremos de costureiras.

Nota adicional: Na China, um país que anda a aumentar o seu stock de capital há anos, a Foxconn prepara-se para aumentar os salários dos seus trabalhadores para um valor superior ao que é oferecido a arquitectos em Portugal.

37 pensamentos sobre “O resultado do sobreinvestimento em educação

  1. catarina

    não só. A noticia dizia que não querem trabalhar porque o subsidio de desemprego é mais rentável.Pobre país.No vale do ave náo há costureiras?extraordinário.Os empresários são verdadeiros heróis acreditem.Só têm obrigações para com os clientes,para com os trabalhadores,para com o estado etc etc etc.

  2. Je

    Apesar de todo o investimento na educação, Portugal está muito, muito aquém da média europeia de escolaridade. Creio que a percentagem de pessoas com o ensino secundário completo na europa é mais de 90% e em Portugal não chega aos 60%. Ora não consta que os países europeus tenham problemas em empregar os seus cidadãos escolarizados, e não vemos aí multidões de licenciados a pedir esmola. Porque raio só em Portugal se deve defender a ignorância, com medo da não colocação futura?

    No Ave se não aparecem costureiras é porque não as há- e a empresa pode tentar formá-las ou importar mão de obra. Ou não aparecem porque a oferta não é atractiva. E aí é tornar a oferta atractiva- entre condições de trabalho (creche, bom ambiente, bom horário… é usar a imaginação) e ordenado. O mercado não é diferente para atrair costureiras competentes ou físicos nucleares. Porque raio certas pessoas pensam que uma costureira, talhante, ou mecânico tem a obrigação moral de aceitar uma oferta de trabalho só porque ela está lá?

  3. Miguel Noronha

    Não sei se reparou no pormenor do salários para costureiras ser superios ao dos licenciados. Em economia, os preços (neste caso, os salários) são um importante meio de sinalização da escassez relativa dos recursos.

  4. Carlos Guimarães Pinto

    Je, o nível de educação de um país tem que andar lado a lado com o seu stock de capital, sob o risco de ser um investimento desperdiçado. Um bom exemplo disto é Cuba, que tem uma população altamente qualificada, mas pessoas altamente qualificadas conduzem táxis. Importa pouco comparar os níveis de qualificação portugueses com os europeus, sem ter em conta o stock de capital dos diferentes países. A realidade é que a faixa de população com melhores qualificações académicas é também a que sofre mais de desemprego (os jovens). E esta situação é semelhantes noutros países com baixo stock de capital como a Espanha e a Grécia.

  5. Luís Lavoura

    O argumento para o excesso de educação dado neste post não é completo.
    Há um outro, e mais importante a meu ver, argumento para isso. É que muita da educação que hoje em dia se faz tem por objetivo único distinguir as pessoas com mais educação das restantes. As pessoas tiram uma licenciatura ou um mestrado, não para aprenderem algo de útil, mas sim para poderem ostentar um título de licenciado ou de mestre que, esperam elas, lhes valerá um melhor acesso ao mercado de trabalho. Porém, este é um jogo de soma nula: se todas as pessoas ostentarem um mestrado, estarão na mesma situação relativa, no acesso ao mercado de trabalho, que se todas elas ostentarem apenas o 12º ano.

  6. amarquet

    A situação é ainda pior, porque as companhias aéreas que formam profissionais costumam ter clausulas que os impedem de sair da empresa sem pagarem indemenizações compensatorias – Portugal subsidiou os estudos de pessoal que agora sai do pais para ir pagar os seus impostos noutro sítio qualquer.

  7. Miguel Noronha

    “A situação é ainda pior, porque as companhias aéreas que formam profissionais costumam ter clausulas que os impedem de sair da empresa sem pagarem indemenizações compensatorias ”
    Os mesmo costuma suceder em empresas que financiam pós-graduações ou licenciaturas aos seus funcionários.

    “Portugal subsidiou os estudos de pessoal que agora sai do pais para ir pagar os seus impostos noutro sítio qualquer.”
    É exactamente isso. Tal como a India anda há vários anos a pagar a formação a médicos e enfermeiros que vão trabalhar para o Reino Unido

  8. Je

    Carlos Guimarães Pinto,
    Não sei exactamente o que é o stock de capital. Sei que um mercado a funcionar evolui no sentido de se ajustar às circunstâncias da procura e da oferta. As forças em acção estão dos dois lados (oferta e procura). Tentar congelá-lo numa situação (cortar educação para criar empregados baratos) parece-me contraproducente e perverso. Imagine se de repente tivessemos um excelente ensino técnico e formássemos muitos técnicos especializados. Se as industrias não se adaptassem e teimassem em exigir trabalhadores indiferenciados iam ver-se gregas. Os técnicos recém formados não iam encontrar trabalho em Portugal, mas talvez fossem bem recebidos lá fora, no mundo: ajustavam-se. Da mesma forma as industrias que teimam em mão de obra barata indiferenciada se cá já não a encontram devem deslocalizar-se: como diz o Prmeiro: emigrem ou aproveitem a oportunidade para mudar de vida.

  9. Miguel Noronha

    Não me parece que o Carlos tenha falado em congelar seja o que for mas a “aposta” na formação não parece estar a resultar. O desemprego entre os licenciados é elevadissimo e há escassez de outro tipo de competências. Dado que não podemos obrigar as empresas a contratar quem não querem nem conseguimos escolher as que se querem instalar cá, o que sugere então?

  10. Je

    Sugiro deixar o mercado funcionar. Os “doutores” sem aplicação prática aceitarão os 500 euros ou optarão por aprender a costurar para ganhar mais. As empresas de mão de obra intensiva deslocalizar-se-ão ou evoluirão para aproveitar a mão de obra que consegirem captar. Quanto ao ensino, não sou gestor nem político, mas não será rocket science perceber que é preciso melhorar (?) o ensino técnico.

  11. Miguel Noronha

    “Sugiro deixar o mercado funcionar. ”
    E essa isso mesmo que o Carlos sugere. Mas “deixar o mercado funcionar” inclui deixarmos de subsdiar a formação superior.

    “Quanto ao ensino, não sou gestor nem político, mas não será rocket science perceber que é preciso melhorar (?) o ensino técnico”
    Eu não sei o que é preciso. Mas se em vez de centralizarmos essas decisões no ME e deixarmos as escolas decidir talvez ajude.

  12. Miguel Noronha

    E dado que provavelmente “Os “doutores” sem aplicação prática aceitarão os 500 euros ou optarão por aprender a costurar para ganhar mais.” continua a afirnar que não existiu sobreinvestimento em educação?

  13. Je

    Existiu sobreenvestimento porque foi mal direccionado. Qualquer investimento com um retorno baixo é sobreenvestimento. O mesmo dinheiro poderia ter sido investido com mais resultados (se por exemplo fosse direccionado para o ensino técnico. Siga o link que coloquei acima: está lá tudo). Portugal tem uma herança pesadíssima de falta de educação/formação que exigia e exige ser resolvida. Demora décadas e provavelmente custa milhões – directamene do estado ou indirectamente, pelos custos que acarreta para a vida de cada português envolvido ( empresários, doutores, costureiras, estudantes, famílias …).

  14. Miguel Noronha

    “Demora décadas e provavelmente custa milhões”
    Não sei quanto anos irá demorar mas imagino que não se resolve com planos a “régua e esquadros” elaborados nos gabinetes da 5 de Outubro ou concedendo licenciaturas a metro. E o pior é que o tal “investimento em educação” (nesta altura a quaquer despesa se chama “investimento”) vai directo para o lixo ou quando muito vai servir para suprir necessidades de outros países que assim receberão técnicos cuja formação lhes custou ZERO. Por isto mesmo, o ensino superior deve ser integralmente financiado por propinas.

  15. Paulo Pereira

    É fácil ter um mecanismo no ensino supeior que todos os anos reduza ou aumente as vagas conforme a empregabilidade em Portugal dos cursos , usando uma média móvel de 4 anos por exemplo.

  16. lucklucky

    Credencialismo. Culturalmente o papel é mais importante que a necessidade.

    Pelos resultados é óbvio que as empresas devem aumentar o ordenado que estão a oferecer ás costureiras, mas choca com a cultura em vigor onde domina aristocracia da educação feita pelo ensino como o conhecemos.
    Se as costureiras começam a ganhar mais há uma rebelião dos outros quadros da empresa que usam como argumento a educação que têm, não a sua escassez ou necessidade para a empresa. Ou seja a Cultura sobrepõem-se à Economia.

  17. André Domingos

    Eu sou um licenciado que está no desemprego. Talvez o relato do meu caso sirva para esclarecer as ideias disparatadas e desligadas da realidade que foram escritas neste a entrada do blog.

    Eu estou desempregado e não é por ser esquisito com as respostas a anúncios. Além dos anúncios relativos à minha área de formação, eu respondo frequentemente a anúncios de telemarketing, empregado de restauração e serviços e da indústria. O último anúncio que respondi, ainda ontem, foi para empregado de armazém de uma daquelas grandes empresas de Setúbal. Logo, acredito que é seguro afirmar que não sou elitista, esquisito ou picuinhas com a procura de trabalho.

    O problema que se coloca no meu caso é que raramente as empresas de trabalho temporário olham sequer para candidaturas de licenciados para essas ofertas de emprego, e fazem-no intencionalmente. Já tive a oportunidade de ter uma funcionária de uma empresa de trabalho temporário a comentar que desprezam candidaturas de licenciados pois são uma potencial fonte de problemas, pois são geralmente melhor informados sobre legislação laboral e, como poderão ser alvo de propostas de emprego mais vantajosas, há maiores probabilidades de serem eles a dar termo ao contrato em vez da empresa de trabalho temporário. Por isso, optam por contratar gente que oferece mais garantias de não se queixar de ilegalidades na relação laboral e mais garantias de se manter no posto de trabalho até serem mandados para a rua.

    Isto é terrivelmente frustrante, pois termos uma determinada formação não deveria ser uma barreira para podermos ter alguma subsistência. Pior que isso, essa barreira é posta pelas piores razões: para poder controlar o empregado e ter liberdade de cometer violações éticas e actos ilícitos.

    Mais frustrante se torna quando as pessoas que tomam essas decisões são muito menos qualificadas que nós e, em alguns casos, só se encontram nos cargos que ocupam por nepotismo e outros tipos de corrupção.

    Por isso, é seguro afirmar que o problema com o país não é essa ideia da suposta sobreeducação e sobrequalificação dos trabalhadores. O problema é outro mais fundamental: a propensão de algumas pessoas de pretender não abdicar de uma relação de poder que é minada por esse investimento na formação da população. Este problema não se resolve estrangulando a formação da nossa população.

  18. Carlos Guimarães Pinto

    Obrigado pelo comentário, André.

    O seu relato, o de um licenciado que anda à procura de empregos para o qual é sobrequalificado, só vem confirmar o principal argumento do post: o de que o sistema educativo está sobredimensionado para as necessidades do mercado laboral. Existem demasiados licenciados como o André para as necessidades de uma economia descapitalizada. A própria preponderância de empresas como as que refere é uma prova da escassez de capital no país, poeque se houvesse mais capital, elas teriam mais concorrência e não poderiam sobreviver com tais práticas.

    Quanto ao resto, um conselho: enquanto a economia portuguesa estiver descapitalizada, aproveite a formação que recebeu e procure emprego fora do país. Boa sorte!

  19. “O problema que se coloca no meu caso é que raramente as empresas de trabalho temporário olham sequer para candidaturas de licenciados para essas ofertas de emprego (…) [pois] há maiores probabilidades de serem eles a dar termo ao contrato em vez da empresa de trabalho temporário.”

    André, infelizmente o teu currículo (como de muitos outros!) sinaliza duas coisas: 1. tens formação académica numa área não valorizada pelo mercado (provavelmente devido a excesso de oferta) e 2. mostra aos potenciais empregadores que o interesse em trabalhos menos qualificados é, como afirmas, apenas até surgir melhor alternativa. Ou seja – parece estranho dize-lo – trabalhadores menos qualificados têm, neste momento, uma vantagem competitiva sobre recém-licenciados!

  20. Blogger

    O estado não adivinha quais são os cursos que estarão em grande procura pelo mercado daqui a 10 anos. Seguindo a lógica do estado mínimo, não é o estado que tem que formar costureiras para as empresas recrutarem, são as próprias empresas que as têm de formar.

    As pessoas é que têm de se habituar à mobilidade profissional, e ter consciência disso quando tiram um curso, que poderá ou não ter procura no futuro. Tal como esses arquitectos, que poderiam muito bem ir tirar cursos de costura se o problema deles é o salário, teriam imediatamente um aumento de 50%.

    O problema é que as empresas não estão para isso, e as pessoas também não.

  21. Je

    Junto o meu testemunho também de desempregado. Tenho uma licenciatura (pré-Bolonha) trabalhei cerca 15 anos numa área “abaixo” das minhas qualificações. Tenho nessa área uma experiência profissional sólida. A empresa onde trabalhei uma fechou após uma década, por dividas à SS e fiscais. Sei que na minha área (marketing) a crise é grande. As ofertas resumem-se a estágios para recém-formados, sendo que esses estágios são para desenvolver trabalho intensivo e não para formação.

    No desemprego, aceitei uma proposta com remuneração inferior ao do subs. desemprego, pois queria voltar ao activo. Após um período experimental, durante o qual ganhei um concurso propuseram-me um contrato de seis meses com esse valor. Quando mencionei o valor baixo, propuseram acumular ilegalmente com o subsidio de desemprego, o que recusei. Disse que não tinha qualquer problema em trabalhar a recibos verdes ou a contrato, desde que cumprissem o acordado dentro de limites razoáveis (mencionaram obviamente horas extra e fins de semana pontuais não pagos mas que seriam recompensados em tempo numa “win-win situation”). Durante mais de quatro meses trabalhei intensamente 10-11 horas diárias, todos os dias sem excepção e vários fins de semana. Nunca tive qualquer tipo de compensação em tempo. O valor hora desceu para 3 euros. Quando mencionei a situação insustentável, afirmaram que a minha disponibilidade devia ser maior pois era assim que trabalhavam. Ganhei mais de 5 concursos e elogiaram o meu trabalho, os mesmos que disseram que simplesmente não podia ficar pela incompatibilidade com “a dedicação” esperada pela empresa. Depois de mim, em poucos meses mais duas pessoas ocuparam e saíram do mesmo cargo.

    Saí e não tenciono voltar a “cair” num regime deste tipo. Estou simplesmente a mudar de vida, como foi sugerido, fora do mundo deste tipo de empresas. Não me queixo: que prossigam neste regime se acham bem e encontram quem os compre. Eu seguirei o meu caminho por conta própria, nem que seja a ganhar menos ou noutra actividade, como melhor conseguir.

  22. Carlos Guimarães Pinto

    Je, mais uma vez confirma o argumento do post. Essas situações só acontecem porque o pouco capital que vai havendo é escasso quando comparado com a oferta de mão-de-obra qualificada que é abundante. Como o capital é escasso e mão-de-obra abundante, o poder negocial do primeiro é melhor que o segundo. No mercado laboral em que opero neste momento, ocorre a situação inversa, porque há excesso de capital e escassez de mão-de-obra qualificada. Só chegaremos a este ponto com políticas que favoreçam a acumulação de capital.

  23. Je, pelo que descreves verifico que essa empresa não soube fazer os necessários cálculos. Olhou mais para o custo do salário e menos para o valor que lhes fornecias. Espero que tenhas sucesso junto da concorrência para, mais cedo ou mais tarde, aquela empresa vá à falência!

  24. André Domingos

    Sobre o meu caso, é completamente absurdo, disparatado e míope afirmar que o problema é um de excesso de formação, sobrequalificação ou que há demasiados licenciados.

    Eu sou engenheiro civil, e até ao ano passado tinhamos todo um conjunto de empresas de renome nacional e internacional a lutarem entre si para agarrarem recém-licenciados. Tudo isto mudou com a formação desta conjuntura económica. É uma idiotice começarmos agora argumentarmos que há um excesso de formação se os únicos problemas do mercado de trabalho são resultantes de uma recessão que caiu inesperadamente de pára-quedas e que é descrita por uns como um mero solavanco na estrada.

    O dimensionamento de todo um sistema de ensino, que resulta de planeamento a longo-prazo, não é posto em causa por surgir uma crise pontual, nem faz qualquer sentido mudar toda uma estratégia de formação por ter surgido um contratempo menor a curto prazo.

    Mais, um país nunca fica em melhor situação se reduzirmos a qualificação do mercado de trabalho. Esta gente é formada para o empreendedorismo, e substitui-los por gente vocacionada e limitada para o trabalho repetitivo e redundante representa um erro crasso com repercussões profundas no desenvolvimento da economia do país.

    Se quisermos melhorar a economia então temos de investir na formação da população. Temos de ter empreendedores, gente capaz, competente, com ideias frescas e pernas para andar. Isso obtém-se com mais e melhor formação superior, com a nossa academia sintonizada para apontar os nossos formandos para sectores estratégicos de crescimento.

    Nós não temos nada disso com um grupo de costureiras do vale do ave, ou com uma população activa cuja única opção que tem para o seu espírito empreendedor é meter-se num avião para servir de costureiro na Suíça ou Alemanha.

    A ideia com que se fica é que aquilo que pretendem é manter uma espécie de casta inferior que não teria outra alternativa senão resignar-se a trabalhos que vocês consideram inferiores, para servir de mão-de-obra barata que sabe o seu lugar e que não ousa queixar-se. Se for isso que pretendem então mais vale dizê-lo abertamente, em vez de cometerem o disparate de tentar fazer passar este tipo de gestão danosa como uma decisão economicamente razoável. De razoável não tem nada, e é completamente desprovido de bom senso económico.

    Pior que tudo, cada vez que alguém diz essas baboseiras, a gentinha de extrema-esquerda agarra-se a uma citação para diabolizar alvos de estimação como capitalismo e as virtudes do mercado.

    Por isso, por favor pensem um bocadinho andes de dizer estas coisas.

  25. Carlos Guimarães Pinto

    André, é evidente que nenhum país fica melhor com uma população menos qualificada. Acontece é que os recursos são escassos e, neste momento, entre utilizá-los para formar mão-de-obra ou aumentar o stock de capital, seria melhor o segundo. De que vale a pena formar empreendedores se não há capital para aplicar essa capacidade empreendedora? Enquanto não houver capital acumulado, o país estará condenado a ser dominado por empresas com baixa intensidade de capital e mão-de-obra intensiva como as empresas do Vale-do-Ave. Enquanto não se acumular capital, não adianta formar arquitectos porque continuarão a ganhar menos que costureiras.

  26. André,

    “Eu sou engenheiro civil, e até ao ano passado tinhamos todo um conjunto de empresas de renome nacional e internacional a lutarem entre si para agarrarem recém-licenciados.”

    Ora aqui está um mercado triplamente intervencionado: 1. crédito artificialmente “barato” incentivou sector imobiliário, 2. Estado “investiu” em obras públicas para fomentar o crescimento económico (pois!!!) e 3. universidades públicas que “produziram” licenciados para um sector condenado à, eventualmente, necessária correcção.

    “O dimensionamento de todo um sistema de ensino, que resulta de planeamento a longo-prazo, não é posto em causa por surgir uma crise pontual”

    “Crise pontual”? Melhor esperar sentado!
    A questão é que esse planeamento de longo prazo era… um mau plano. E quem paga por isso são agora os contribuintes e os licenciados “enganados”.

    “Se quisermos melhorar a economia então temos de investir na formação da população.”

    Um bom investimento implica retorno. Usar a palavra “formação” não é, desde logo, garantia imediata de sucesso. O seu caso pessoal assim o demonstrou.

  27. tiago

    “Começar por deixar de subsidiar os cursos com mais baixos níveis de empregabilidade, elevando a propina desses cursos nas universidades públicas para um valor próximo do seu custo, deixando assim de sobrecarregar os contribuintes com a formação de profissionais que o país não necessita. ”

    O problema do planeamento central não se resolve com planeamento central. Decisões destas vão-se perder em discussões sobre os níveis de empregabilidade com guerrinhas entre partidos e reitores e estudantes…

    Mais dois apontamentos

    – em arquitectura existe a obrigatoriedade de um estágio de 9 meses que dá mão de obra barata e disponível a muitos patrões…

    – educa-se pessoas para uma só profissão. A arquitectura, por exemplo, não se restringem ao projecto em si, mas a muitas diferentes disciplinas. No entanto, a educação é praticamente monofuncional.

  28. Je

    BZ, o que me incomoda é que empresas que assumem responsabilidades e obrigações para com os seus empregados vão à falência, enquanto que empresas (?) sem escrúpulos nem capital florescem. Mais do que falirem, espero pelo dia em que lhes faltem os empregados – como no vale do Ave- para, mesmo contra vontade, começarem a estimar quem empregam voluntariamente.
    Carlos Guimarães Pinto quanto a acumular capital diga-me como é isso possível numa situação destas? Está a insinuar que o capital nascerá da exploração prolongada de mão de obra intensive? Cairá do céu? Sempre ouvi dizer que quem não tem dinheiro não tem vícios. Pois que se aplique também às empresas que, não tendo capital, não podem ambicionar ter empregados qualificados ou crescer com base neles.

  29. Je

    Carlos Guimarães Pinto, compreendo a constatação de que a força negocial no meu e muitos casos desequilibrada. Pois digo-lhe que a minha força negocial é recusá-los, não aceitar ofertas de emprego desonestas (tive cabeça para poupar para num dia de chuva não ter de os aturar.) Se um dia esticerem esgotadas as opções irei lavar escadas. Mas trabalhar intensivamente um trabalho qualificado e ser tratado como lixo, não obrigado. Que se arranjem com quem os aceite.

  30. Paulo Pereira

    Não faz sentido o estado continuar a pagar cursos superiores sem empregabilidade.

    AS vagas em cada curso publico devem ter em conta a empregabilidade , uma média dos ultimos 4 anos por exemplo.

    Aumenta-se nuns e reduz-se noutros todos os anos.

  31. Carlos Guimarães Pinto

    “Carlos Guimarães Pinto quanto a acumular capital diga-me como é isso possível numa situação destas?”

    Através de políticas fiscais e monetárias que incentivem a poupança, como redução de impostos sobre o rendimento de capitais e mais-valias.

    “Está a insinuar que o capital nascerá da exploração prolongada de mão de obra intensive?”
    Não, A “exploração” é que resulta da escassez relativa de capital.

    “Cairá do céu? Sempre ouvi dizer que quem não tem dinheiro não tem vícios. Pois que se aplique também às empresas que, não tendo capital, não podem ambicionar ter empregados qualificados ou crescer com base neles.”

    Mais uma vez, tem de entender a lei da procura e da oferta. O factor escasso, terá sempre melhor poder negocial. Enquanto houver pouco capital, as poucas empresas que existem (por muito ineficientes que sejam) conseguirão sempre atrair mão-de-obra qualificada barata, porque não existem alternativas.

  32. Carlos Guimarães Pinto

    “O problema do planeamento central não se resolve com planeamento central. Decisões destas vão-se perder em discussões sobre os níveis de empregabilidade com guerrinhas entre partidos e reitores e estudantes…”

    Tens razão.

  33. «completamente absurdo, disparatado e míope (…) uma idiotice (…) A ideia com que se fica é que aquilo que pretendem é manter uma espécie de casta inferior (…) que sabe o seu lugar e que não ousa queixar-se.»

    André, acha que usar adjectivos fortes e fazer processos de intenção ao seu interlocutor torna a sua argumentação de algum modo mais válida do que se não os usasse?

    O artigo do Carlos limita-se a explicar a realidade; como o contexto económico e as decisões tomadas no passado empurraram o país para a situação que agora vive. Ninguém aqui está feliz por você e outras pessoas estarem desempregadas, nem existe nenhum complot para manter pessoas num baixo nível de vida. Apenas se constata que as bem intencionadas políticas de educação do passado criaram uma geração cuja formação não vai de encontro às necessidades do mercado.

  34. tony

    os neoliberais, nao querem que os jovens emigrem para os sustentar os seus vicios, o meus amigos, os jovens nao estão para aturar os vossos tiques fascistas, arrogantes, e ainda ganharem 500 euros a recibos verdes, e voces aparecem na tv como se lhes tivessem a pagar o salario do mexia, pois mas nogueiras leites, mexias, catrogas, esses sim sao bons, nao os nossos jovens pois recebem 500 paus, mas tem graça que os nossos jovens pois vao trabalhar para o estrangeiro enquanto esses senhores, nao saiem de Portugal, pois digam lá quem tem mais qualidade?

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