Defender o Indefensável

“(…)there needs protection also against the tyranny of the prevailing opinion and feeling; against the tendency of society to impose, by other means than civil penalties, its own ideas and practices as rules of conduct on those who dissent from them; to fetter the development, and, if possible, prevent the formation, of any individuality not in harmony with its ways, and compel all characters to fashion themselves upon the model of its own. There is a limit to the legitimate interference of collective opinion with individual independence: and to find that limit, and maintain it against encroachment, is as indispensable to a good condition of human affairs, as protection against political despotism.” – John Stuart Mill, On Liberty

Uma determinada direita beata deambula pelas redes sociais com uma sede inquisitória que não lembra ao Papa – literamente. Se é certo que a Vida, como têm dito – e bem – não é propriedade do Estado, também é certo que a mesma não é propriedade de um deus,  de uma igreja ou de qualquer outro culto obscuro a que façam questão de pertencer. A Vida é propriedade do indivíduo e a este cabe ou não – desde que na plena posse das suas faculdades mentais – desfazer-se dela a seu bel prazer, por mais reprovável que este acto possa parecer aos olhos de alguns. E a própria Felicidade – a suprema aspiração de uma sociedade livre – é um direito do indivíduo, no seu particular entender da definição e que, assim como a Vida, não está sujeito a qualquer intervenção divina que não se faça por vontade do próprio. No caso das crianças, sobretudo, é pornográfica a insurreição armada que se ergue contra a possibilidade destas encontrarem essa aspiração na forma de um lar e de uma família. É portanto uma ironia perigosa esta dos paladinos da moral que se julgam no direito de vetar a uma criança a possibilidade de ser feliz e de receber o carinho de uma família, argumentando como se o amor se medisse, não por actos, mas por uma jurássica concepção do agregado familiar. E quão moralmente condenável é este julgamento. Por fim, é vê-los, na sua liberdade poética, dando largas -e bem largas – à inspiração filosófica na – chamemos-lhe assim – turva interpretação de tudo que é carta, princípio, tratado ou acordo que possa oferecer um pouco de luz, por mais que branda, artificial e efémera que seja, sobre os vagos princípios e moralidades que, como pão com bolor, têm andado na boca desta ilustre casta de iluminados. O problema de uma auto-apelidada direita não é o facto de terem fortes valores, muito pelo contrário. É precisamente a ausência, entre esse aparentemente bem estruturado conjunto de princípios, do princípio da Liberdade. Ora se a minha luta contra a esquerda se prende principalmente com as suas tentativas de utilizar o Estado como instrumento de transformação da sociedade, a minha luta contra esta direita prende-se com as suas tentativas de utilizar o mesmo Estado, da mesma forma coerciva, como instrumento duma tradicionalização forçada da mesma sociedade. São parceiros, pois ambos teimam em impôr pela força a sua cartilha de valores. Defendem o indefensável, como disse Walter Block, para uma direita das liberdades

12 pensamentos sobre “Defender o Indefensável

  1. cfe

    ” É portanto uma ironia perigosa esta dos paladinos da moral que se julgam no direito de vetar a uma criança a possbilidade de ser feliz e de receber o carinho de uma família, argumentando como se o amor se medisse, não por actos, mas por uma jurássica concepção do agregado familiar. ”

    Ok. Então defina lá “família”…

    É que o epiteto aplicado dá logo o tom de que pode mudar definições a seu bel-prazer. O fato de muita gente que defende a proibição da adoção gay apontar a falta de referências de ambos os sexos na criança como obstaculo será para si uma defesa jurássica.

    E a sua é o que? Modernex, de certo.

    Afirme lá, com toda autoridade, que a preferência por casais feito pelo estado – nota-se isso pela hierarquização nos solteiros como ultimas opções – justamente para criar a referência de pai e mãe não deve ser tida em conta como foi até agora apenas para responder aos anseios de um grupo.

  2. No caso das crianças, sobretudo, é pornográfica a insurreição armada que se ergue contra a possibilidade destas encontrarem essa aspiração na forma de um lar e de uma família.

    Os conservadores Cristãos são a favor de que crianças encontrem uma família e sejam felizes nela. Mas família não é uma parelha artificialmente criada segundo directrizes de entidades políticas.

    O problema de uma auto-apelidada direita não é o facto de terem fortes valores, muito pelo contrário. É precisamente a ausência,

    Portanto, ser contra a entrega de crianças inocentes a desviados sexuais é falta de valores.

    Got it.

    São parceiros, pois ambos teimam em impôr pela força a sua cartilha de valores.

    Tal como o Ricardo impôs “pela força” a noção de que quem está contra a “adopção gay” é “parceiro” de quem é a favor.
    Got it.

  3. Ricardo Campelo de Magalhães

    Estás portanto a defender o direito ao suicídio, auto-mutilação e adopção gay…
    Não era mais fácil dizer que queres o Estado fora das nossas vidas e disso em particular?
    É que é diferente seres a favor ou contra algo e quereres impor algo ou o contrário através do Estado…

  4. luis

    Que post ressabiado e cheio de preconceitos, só aparentemente liberal. Portanto, Familia é tudo o que um homem quiser e qualquer juncao dà direito a adoptar (como se houvesse direito a isso e o direito nao fosse antes dos adoptados).
    Viva a liberdade (incluindo a de dizer asneiras mal fundamentadas, obviamente)

  5. António

    Afinal aqui há mesmo liberais, não só pseudo liberais, ou semi-liberais.

    Parabéns Ricardo, este “come-out” , aqui, precisa coragem.

  6. jota

    existem valores que não são de direita ou de esquerda, mas que são definidos pela consciência ética e moral de quem os pratica. Uns têm-nos outros nem por isso. Vir transformar isto numa guerra esquerda – direita é um erro grosseiro.

  7. António Costa Amaral (AA)

    Ricardo, faltou só incluir o rant sobre uma das noções favoritas dessa malta – que “liberdade” só é “liberdade” quando as pessoas fazem que “é correcto” 🙂 Uma só uma nota adicional: uma analogia ‘blockiana’ mais adequada seria dizer que é o liberalismo (politicamente entendido) que defende o “indefensável” – que as pessoas não têm o direito de usar o poder do Estado (legislação, thugs sociais, polícia, tribunais, prisões) para impor os seus valores aos demais.

  8. bst

    Há em Portugal centenas de situações em que o Estado intervém para coarctar a liberdade de adultos: do regime de bens do casamento, às sucessões, aos contratos (de arrendamente, de compra e venda de imóveis), para não falar já de centenas de imposições administrativas (até na ortografia!) que fazem de Portugal um dos países mais estatistas do mundo. Mas o postador acha mais interessante indignar-se sobre uma situação em que o poder do estado se imporia a uma criança, que se veria privada das poucas coisas que o estado não nos consegue tirar ou modificar: termos um pai e um mão, gozarmos o que não é produto de qualquer legislação e tudo isto em nome de quem se arroga saber o que é “para nossso bem”. Nem o estado novo fazia melhor!

  9. luis

    Queres ver que afinal já nao ha certo e errado, nem bem nem mal? Epa, andei enganado este tempo todo. Devia ter ouvido e lido estes liberais mais cedo…

  10. tiago

    Texto muito bom! Relacionado com isso, este post de alguém que não é liberal — http://lusavoz.blogspot.pt/2010/02/palhacada-soube-que-amanha-o-circo-vai.html

    (“A família como núcleo de Amor Cristão, à imagem do Criador, sempre aceitou que a forma pode transcender a materialidade e por isso sempre lutou para que a família fosse mais do que um conjunto de consequências naturais. A adopção é disso um caso. Argumentar que uma família homossexual não é família por não poder gerar vida é, não apenas estúpido, como insultuoso para a própria Fé e para os milhões de famílias que não têm descendência.” )

  11. Manuel Costa Guimarães

    “Portanto, ser contra a entrega de crianças inocentes a desviados sexuais é falta de valores.
    Got it.”
    Homofóbico. Got it.
    É melhor entregar crianças inocentes a machões alcoólicos ou a um Bibi qualquer.

  12. Luís Barata

    A coisa talvez não seja tão simples como a sua exposição dá a entender. Recomendo o prefácio de Orlando Vitorino à tradução portuguesa do ensaio sobre A Liberdade de S. Mill.

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.