É um gesto primário de oportunismo invocar a ausência do casamento para dissimular uma relação afectiva em que se partilham dimensões fundamentais da existência, unicamente porque não se tem coragem para assumir as consequências políticas de opções que permitiram que essa relação pessoal se misturasse com o exercício de funções de estado, chegando, inclusivamente, ao ponto de influenciar decisões de grande relevância política.
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A sra. ministra da Justiça tem o dever republicano de explicar ao país por que é que nomeou o seu cunhado, dr. João Correia, para tarefas no seu ministério, bem como cerca de 15 pessoas mais, todas da confiança exclusiva dele, nomeadamente, amigos, antigos colaboradores e sócios da sua sociedade de advogados. Isso não é uma questão da vida pessoal da Sra. Ministra. É uma questão de estado.
Numa surpreendentemente contida e moderada edição da coluna de opinião de Marinho Pinto no Jornal de Notícias da passada segunda-feira, este critica – na minha opinião de forma certeira – a postura que a ministra da Justiça tem tido em relação às acusações que lhe têm sido feito de nepotismo na nomeação de elementos em lugares relevantes do seu ministério, acusações essas mais uma vez tentativamente rebatidas com veemência na entrevista que esta deu na semana passada a Judite de Sousa.
Rebater a acusação de que nomeou para o seu ministério o irmão da pessoa com que publicamente mantém uma relação afectiva com um argumento de índole puramente formal de que este não é seu “cunhado” porque não é “casada” (presume-se que o argumento seguinte seria que a lei não estabelece a relação de parentesco de “cunhado”) é um argumento francamente pobre e que ecoa em práticas bem conhecidas de chico-espertice nacional como o “desconhecimento formal” alegado pelo anterior primeiro-ministro de factos do seu conhecimento ou aos divórcios fictícios e vendas simuladas de património para contornar situações de responsabilidade civil que grassam pelo nosso sistema jurídico e pela sociedade. Também estes últimos deixam muitas vezes de ser “casados”, mas sabe-se muito bem da natureza contínua da sua relação.
Ninguém acusa a sr.ª ministra de nenhuma ilegalidade. Mas a sua iniciativa de nomear para cargos públicos pessoas da sua proximidade pessoal e de proximidade profissional na sociedade de advogados a que pertence, é efectivamente algo merecedor de escrutínio de natureza político e capaz de, pelo historial das nomeações públicas para cargos do nosso país, despertar uma válida suspeita.
Como escrutínio político que é bastará com certeza à ministra que diga que nomeou essas pessoas “porque sim”, sendo que cada um poderá depois tirar as suas conclusões. Mas, remetendo-se a supostos argumentos objectivos de natureza formal mais do que precária, parece-me que a primeira pessoa a achar que essas nomeações têm natureza pouco clara e moralmente censurável é a própria ministra.
A defesa da ministra é idiota e, pior do que isso, de algum mau agoiro.
Já a nomeação de conhecidos dela…. quem queria que ela nomeasse? Pessoas que não conhecesse? Estou a partir do princípio de que se trata de lugares de confiança pessoal.
Bem, será que a sr.ª ministra só tem pessoas de confiança na área do direito na sociedade de advogados de que faz parte?
Mesmo que assim fosse (algo que ela até poderia ter dito), uma situação deste género – não sendo sequer ao que consta um caso pontual – permite que se criem as maiores duvidas em termos de conflitos de interesse, ainda mais quando estão em cima da mesa várias temáticas com particular relevância na relação entre o estado e as sociedades de advogados.
Quais serão afinal os interesses que essas pessoas vão defender nos cargos que vão passar a ocupar? Será que a sociedade de advogados da sr.ª ministra está a abrir uma extensão no MJ?