“(…) o argumento de que a redução de salários na administração pública é um mal menor quando comparado com a possibilidade de despedimento, ou a de que os vencimentos da função pública são, em média, superiores aos do sector privado – o que não é verdade (…)”, Manuela Ferreira Leite, no Expresso (página 3), numa artigo intitulado “Importância dos argumentos”. Destaque meu.
Considero extraordinário que a dita senhora, que em Portugal foi das primeiras pessoas a apadrinhar o termo “inverdade” – que na língua portuguesa não existe – incorra agora numa flagrante, porquanto factual, mentira. É que se há coisa acerca da qual não resta mesmo dúvida é que os salários no sector público, em média, são bem superiores àqueles praticados no privado (€1500 vs €850, segundo o BdP). Mas mesmo que se tratasse de um lapsus linguae, coisa habitual na Dra. Ferreira Leite, que nos quisesse levar para a comparação dos salários ajustados pelo nível de escolaridade e qualificação dos respectivos universos em análise, em que existe um prémio injustificado de 17% favorável ao público, gostava de acrescentar o seguinte: à medida que o universo amostral aumenta, a Estatística, nomeadamente o Teorema Central do Limite, diz-nos que a distribuição estatística em causa seguirá a distribuição normal na qual a média coincide com a moda e com a mediana…
Só já consigo ouvir o nome da Manuela na canção de Julio Iglesias mas o post merece parabens …
Caro Ricardo,
Os salários da função pública são superiores nos quadros medios/baixos e muito mais baixos nos quadros superiores.
Não acho que seja útil, por injusto, que se comparem dois blocos – a funão publica e a privada -; antes deve ser avaliada a categoria profissional e compara-las. Caso contrario, se achar que um médico ou um engenheiro ou um econonomista ganha mais no sector público está a cometer um erro que, só por si, além de injusto, não traduz a realidade para cada profissão individualmente considerada.
Rb
Pingback: Aventar
Olá Rb,
Num Estado que não se conhece a si próprio, a impraticabilidade desse método, que sugere, parece-me evidente. Mas, concordo consigo, seria o método perfeito. Agora, acontece também que, dada a dimensão do universo amostral utilizado pelo estudo do BdP, as médias apresentadas são representativas das assimetrias observadas.
À semelhança de Cavaco, Ferreira Leite sempre se posicionou politicamente entre o corporativismo filantrópico que caracterizou o Estado Novo e o novo-riquismo que personifica o Estado Social. Liberdade? Qual liberdade?
Basta atentar nestas afirmações: «Eu não acredito em reformas, quando se está em democracia (…) Quando não se está em democracia é outra conversa, eu digo como é que se faz», acrescentando: «E até não sei se a certa altura não é bom haver seis meses sem democracia, mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia».
Mais uma que está chéché
Só se for há muito. Com 9% de défice dizia que não era prioridade…
Quanto ganha um juiz conselheiro,ou um general, no sector privado? Porque é que teimam em comparar o incomparável? Já alguém se deu ao trabalho de definir o que é a função pública? É que a maioria das pessoas acha que a função pública são as pessoas que estão ao balcões das repartições de finanças ou da Segurança Social.
Essa de mascarar a verdade com presumido saber estatístico é uma velha técnica que apenas pode impressionar os incautos. Na função pública, 50% dos trabalhadores são licenciados, contra apenas de 10% nos privados. Existem funções no Estado que não são susceptíveis de ser comparadas (magistrados, procuradores, agentes judiciais. E noutras em que os quadros do Estado desenvolvem actividades profissionais paralelas no sector privado – os médicos, p.e., são muito melhor remunerados e muitos detêm sociedades clínicas que permitem rendimentos e benefícios (carros, combustível e outros ben patrimoniais) incomparáveis com os auferidos no serviço público.
Está errado, por enviesamento na BD’s, o estudo do BdP que leva à conclusão de que os trabalhadores do Estado têm remunerações superiores aos do sector privado. O modelo econométrico está matematicamente certo, mas a base de dados está distorcida; logo, os resultados são falsos.
“Essa de mascarar a verdade com presumido saber estatístico é uma velha técnica que apenas pode impressionar os incautos. Na função pública, 50% dos trabalhadores são licenciados, contra apenas de 10% nos privados”
Caro Carlos,
Essa diferença na qualificação média dos trabalhadores não altera as conclusões do estudo porque está contemplada no mesmo. É, aliás, uma das premissas base do estudo.
Ricardo Arroja,
Não é necessário evocar o teorema do limite central: i) a média amostral é sempre um estimador não enviesado da média da população, independentemente da distribuição da população, e ii) o desvio-padrão da média amostral é proporcional ao inverso da raiz quadrada da dimensão da amostra, independentemente da distribuição da população. No estudo em questão, a amostra é suficientemente grande para termos confiança na estimativa da média da população. No entanto, não existem resultados equivalentes para estimadores da moda ou da mediana da população.
Carlos Fonseca,
Não se deve comentar estudos sem os ler: a qualificação dos trabalhadores é um dos regressores dos modelos estimados.
Caro Luís Marvão,
Obrigado pela sua contribuição no domínio da especificidade estatística. Entretanto, fartei-me de rir de mim próprio por ter utilizado a expressão brasileira “Teorema Central do Limite” em vez do português “Teorema do Limite Central”…estava esquecido da designação técnica do conceito, pesquisei no Google e deu no que deu! Mas obrigado pelo reparo.