As coisas nunca estão tão mal que não possam ainda piorar.
O governo grego decidiu realizar um referendo vinculativo sobre o segundo plano de resgate, quatro dias antes considerado por Papandreou «um novo dia para a Grécia». Como é evidente, a simples decisão de realizar o referendo tem, está já a ter, consequências funestas que se agravarão com a incerteza durante os próximos 2 meses. E a provável rejeição do plano de resgate implicará muito provavelmente a saída da Zona Euro e a consequente falência da Grécia, sem crédito, com uma desvalorização brutal e uma recessão mais profunda e prolongada do que a resultante de quaisquer medidas de austeridade.
Independentemente do resultado e independentemente da bondade do plano de resgate, está em causa o sentido político numa democracia representativa de referendar opções complexas com consequências igualmente complexas e difíceis de antecipar, com sentido contrário no curto e no longo prazo. No caso de um plano de resgate com consequências penosas de austeridade durante alguns anos e de reformas difíceis como condição, admitamos, para a longo prazo retomar o crescimento e a prosperidade. O que está à escolha dos eleitores é entre um sim e um não aos sacrifícios? Ou é entre as suas consequências de os aceitar ou não?
É claro que se pode responder sempre com a lengalenga de o povo é soberano, mas faria sentido, por exemplo, referendar uma declaração de guerra à Turquia se esta ocupasse a ilha de Rodes, mesmo ali à mão de semear, a 10 milhas da costa turca?
Também se pode olhar para o problema numa perspectiva pragmática e defender o referendo como a saída para a falta de apoio político do governo e a resposta à revolta da rua, onde uma pequena minoria tenta impor a vontade à maioria. Mas, nesse caso, porque diabo o governo não se demite obrigando a eleições antecipadas, caso a moção de confiança seja rejeitada na próxima sexta-feira em vez de inventar um referendo como sucedâneo?
Papandreu é uma pessoa com tudo às costas. Sabe que o caminho é estreito, sabe que está a tentar manter um barco direito e que no barco há imensa gente a tentar virá-lo.
É contestado na rua, as pessoas berram porque esperam soluções milagrosas, ele não as tem, as forças armadas agitam-se…
Um homem blindado e frio, com “eles no sítio”, provavelmente iria até ao fim naquilo que acredita ser a solução menos dolorosa.
Um homem normal tem limites de ruptura. Papandreu chegou a eles. Para si mesmo terá dito que , se não querem, vão bugiar, eu não estou para aturar isto, decidam o que querem e vivam com as consequências das vossas opções.
Estou farto!
O fardo é pesadíssimo mas os políticos devem “tê-los no sítio” .
Ou ele está nessa fase (do “vão bugiar”), ou então é estudado e ele confia na vitória (embora possa sempre sair furada, como a do Sócrates)…
Devem tê-los, mas alguns não têm, é a lei da vida. Lembremo-nos, por exemplo, de Guterres, só para não ir mais longe.
Quanto ao eventual maquiavelismo de Papandreu, é possível mas, a ser uma jogada de poker, trata-se de um bluff arriscado. Aquilo que se conhece da vida dele, não aponta para tal. Nunca foi um líder, chegou à liderança do PASOK porque alguém indicou o seu nome, é um socialista típico, que acredita ser boa pessoa e dedicado ao bem comum, e que se vê dia a dia cada vez mais odiado, rejeitado, acusado de malfeitorias “neoliberais”, ameaçado pelo regresso dos coronéis.
É muito para um homem como ele, na minha opinião.
Lidador,
você, que dá tanta importancia aos genes, convém lembrar que ele é filho e neto de lideres…
M Madeira, penso que já tive ocasião de lhe dizer que os genes têm uma importância estatística, dada a própria natureza das leis de Mendel.
É como os dados.
Não sei prever o resultado do lançamento de dois dados, mas sou perfeitamente capaz de afirmar com segurança que, em 1000 lançamentos, a média andará mto perto do 7.
Não concorda?
como é que num espaço onde são defendidas ideias liberais e propostas concretas para menos estado na sociedade, àa vezes até de estado quase inexistente, como forma de devolver às pessoas o poder e contrariar o totalitarismo, se é contra referendos?
Ainda bem que se descobriu que o referendo é a solução absoluta contra o mal.
Rui Costa, sem atender ao caso em concreto, parece-me que a democracia, tal como nós a entendemos, não é bem sinónimo da “rule of the mob”.
Tem de admitir que há coisas ( não estou a dizer que esta seja) que não podem ser sujeitas a referendo. Como por exemplo, o seu direito a exprimir-se livremente…
caro lidador, compreendo a sua resposta, mas não se aplica neste caso, na minha opinião.
escrever que dar a palavra aos cidadãos gregos prova falta de coragem do pm grego pouco depois de dizer que a ue apenas sobrevive porque os burocratas que a constituem não têm coragem de dar voz aos cidadãos é incoerente, a meu ver.
A coerência é uma virtude (?) algo sobrestimada. A realidade, tal como cada um de nós a entende, raramente se apresenta a preto e branco. Quando as circunstâncias se alteram, ser coerente pode não ser desejável e provavelmente nem é essa a virtude que o autor do post tem no mais elevado pedestal.
Um exemplo muitas vezes referido de um indivíduo altamente coerente, é o de Alvaro Cunhal. E contudo a sua coerência em nada se diferenciava da contumácia na asneira.
Quanto à sua opinião , de que este caso é diferente, gostaria de saber porque razão assim acha. Que questão de princípio o torna diferente?
referendar a liberdade de expressão (referiu em 9), que é um direito constitucional, é bem diferente do que referendar uma opção política como esta.
Papandreou tem toda a razão em fazer o referendo. E a Guerra contra a Turquia por causa de Rodes também seria muito bem referendada.
Se bem percebi, não se referendam apenas os direitos constitucionais. Bem, o direito ao trabalho é, por cá, “constitucional”. Se uma “opção política” puser em causa esse direito, ou se alguém achar que põe, referenda-se ou não?
E porque razão acha que a sua opinião sobre os limites dos referendos, é mais válida do que a do autor do post?
O caso do referendo ao aborto no nosso país, o caso do referendo europeu na Irlanda revelam que referendo é um instrumento interessante mas que é também usado para levar por diante os desejos dos políticos. O Impertinências coloca em discussão algumas questões sobre o referendo grego.
No futuro, quem sabe se Merkel e Sarkosy não decidem colocar em referendo as ajudas/financiamento aos “PIG’s” 🙂
Rui Costa 7. : “como é que … são defendidas ideias liberais … [] e se é contra referendos?”
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Cada um responde por si, naturalmente.
Pela parte que me toca, porque também defendo ideias liberais, não sou à priori nem contra nem a favor de referendos.
O liberalismo não se resume, muito longe disso, à defesa da consulta popular em todas as circunstancias.
O liberalismo no plano politico acomoda bem mais a democracia representativa do que uma qualquer forma de democracia directa.
Numa democracia representativa, o instrumento referendario é um instrumento de consulta aceitavel mas a “consumir com moderação” e segundo regras definidas constitucionalmente.
Pelos vistos ninguém contesta a constitucionalidade da iniciativa do PM grego.
O que se discute é a oportunidade e a bondade de uma iniciativa destas no contexto actual.
Ha quem defenda ideias liberais e é a favor (nomeadamente aqui no O Insurgente ; basta ver outros postes e comentarios), ha quem defenda ideias liberais e é contra, e ha quem, como eu, defenda ideias liberais e ache este referendo inoportuno e injustificado.
As ideias liberais não são nem uma marca registada nem um catalogo de medidas a vulso.
“No futuro, quem sabe se Merkel e Sarkosy não decidem colocar em referendo as ajudas/financiamento aos “PIG’s””
Deveriam fazê-lo.
Tudo o que não veio no programa eleitoral com o qual um Governo foi eleito deve ser referendado.
Muito bem, Fernando S.