Sobre os “estudos” salariais do economista Eugénio Rosa

A esquerda resolveu responder ao (agora) mediático estudo do Banco de Portugal em que aparentemente o Primeiro Ministro se baseou para dizer que os funcionários públicos ganhariam mais 10% a 15% do que os funcionários do sector privado com dois “estudos” de um economista da CGTP e da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, intitulados ”A Mentira Como Instrumento de Manipulação da Opinião Pública (2009)” e “Ataque às Funções Sociais do Estado e Aos Trabalhadores da Função Pública (2011)”. Gostaria de fazer alguns comentários, não exaustivos, a esses “estudos”:

  1. Parece-me algo falacioso dizer, como dizem os sindicatos e o seu economista amestrado, que estes estudos são errados porque “a maioria dos funcionários da administração pública tinha mais habilitações”. Que parte de “verifica-se que a disparidade salarial bruta entre os dois sectores apresentada na última secção é largamente explicada pelas diferenças nas características da mão-de-obra. Este facto não é surpreendente, tendo em conta a magnitude dessas mesmas diferenças. No entanto, controlando para este factor observa-se um prémio, indicando que os salários são mais elevados no sector público, para os mesmos atributos. Este resultado está em linha com as conclusões de Portugal e Centeno (2001). Adicionalmente, o prémio aumentou ao longo do período 1996-2005. Em termos do salário mensal, este passou de quase 10 por cento em 1996 para 15 por cento ou um pouco mais no final da década que se seguiu. Os resultados baseados nos salários horários são coerentes com estes valores, sendo que neste caso o maior diferencial bruto é acomodado essencialmente por um prémio mais elevado. Com os salários definidos desta forma, os valores do prémio aumentam aproximadamente em 10 p.p. em cada um dos anos, situando-se este em cerca de 25 por cento em 2005″ (p. 68) é que não percebem?
  2. Ou seja, à crítica “não se podem comparar valores médios” os autores do estudo do Banco de Portugal respondem, vejam bem, não comparando valores médios.
  3. Mas o economista da CGTP também tem respostas para esta resposta, no seu “estudo” de 2009. Como a econometria é uma coisa que não lhe assiste, ele prefere, por exemplo, recorrer a médias ponderadas (p.2-3) para “explicar” os efeitos das diferenças de qualificações entre público e privado. Como o resultado a que chega lhe agrada, isso é o suficiente para acusar o estudo do Banco de Portugal de ser “erróneo, sob o ponto de vista técnico”. Presumo que neste caso erróneo não queira dizer “contrário à verdade” mas sim “um método diferente do método erróneo que eu usei e que não serve para provar que estes números são preconceituosos”.
  4. Nesse mesmo “estudo” de 2009, depois de destruir o estudo do Banco de Portugal com todo este rigor científico, o economista da CGTP ainda teve tempo de acusar os autores do estudo de falta de transparência, sacando depois de um estudo secreto da Cap Gemini de 2006 (um estudo tão secreto que o economista da CGTP e os sindicatos reconhecem não o terem lido) para “provar”, por exemplo, que os trabalhadores da Administração Pública que estão na categoria profissional “Grupo Técnico” ganhavam menos 188% do que no sector privado (p.1 e p. 4). Ou seja, não chegava ao Estado ter escravos no “Grupo Técnico”. Os escravos do “Grupo Técnico”, não se percebe bem como, pagavam para serem escravos quase o mesmo que os seus colegas do sector privado levavam para casa. Nada que faça grande confusão ao economista da CGTP.
  5. Mas o economista da CGTP não se ficou por aqui. Depois de expor a mentira como instrumento de manipulação de opinião pública no seu “estudo” de 2009, no “estudo” de 2011, fez umas contas e chegou à conclusão que entre 2000 e 2011 o poder de compra no sector público desceu entre 8% e 15,5% enquanto no privado subiu 8%, logo, prova-se que o tal prémio, mesmo que tivesse existido, já teria desaparecido. Certo? Errado.
  6. Ao fazer as contas desta forma, comparando variações médias do poder de compra no sector público e no sector privado, sem “ter em conta as diferenças de habilitações”, o economista da CGTP está ele próprio a cair na esparrela que pensava ter descoberto no estudo do Banco de Portugal. Pelos vistos devíamos reformular a sua crítica do ponto 1 para “não se podem comparar valores médios, excepto quando nos dá jeito”.
  7. Mas se quiserem também podemos ignorar esta aparente incongruência argumentativa do economista da CGTP e comparar os ditos valores médios. O problema é que, se o fizermos, vamos ter de rever os valores dos prémios no sector público num sentido que talvez não agrade ao economista da CGTP, correndo o risco de tornar a análise “errónea”. Se compararmos remunerações médias, ignorando as tais diferenças nas características dos funcionários que só são relevantes em anos bissextos, então o valor dos prémios na função pública não vão de “10% a 15%” mas sim de 73% a 91% (Quadro A1, p. 83, do estudo do Banco de Portugal). Vou deixar o economista da CGTP fazer as contas para ver se a descida do poder de compra que ele detectou chega para anular estas diferenças.

Eu percebo que as pessoas que acham “justo” que o Estado tire dinheiro aos que ganham mais apenas porque estes ganham mais agora tenham alguma dificuldade em não acharem “justo” que o Primeiro Ministro diga que o Estado vai tirar dinheiro aos funcionários públicos porque estes ganham mais do que os funcionários do sector privado. Mais, aceito perfeitamente que estas contas não sejam pacíficas, que haja aqui diversos outros factores a considerar e que deviam ser feitos mais estudos sobre o tema mas, caramba, não conseguem melhor do que desencantar um economista da CGTP? Isto só pode ser um plano desenvolvido pela legião de “empregados” e “intelectuais” do Comité Central do PCP.

Leitura complementar: As diferenças de remuneração entre público e privado e os cortes salariais

14 pensamentos sobre “Sobre os “estudos” salariais do economista Eugénio Rosa

  1. Ricardo Arroja

    Tomás,

    Parabéns por este magnífico contraditório. Expuseste a diferença que resulta de um estudo que parte dos dados para as conclusões de outro que parte das “conclusões” para os dados!

  2. Zephyrus

    Alguns justificam que o Estado deve ter salários mais elevados para atrair os melhores. Mas parece-me um argumento algo falacioso. Ora vejamos. Será que um gestor de uma empresa municipal deverá ter mais mérito e melhor currículo que um gestor de uma fábrica têxtil do Norte ou de um campo de golfe do Algarve? Não. O segundo está a concorrer com empresas de todo o mundo, em mercado aberto, e se comete erros graves, leva a empresa à falência. O primeiro, se for uma mau gestor, poderá ser despedido, mas como se trata de uma empresa pública, há sempre a hipótese de lá injectar dinheiro dos contribuintes. É fácil concluir que os melhores gestores deverão estar no privado. No entanto, como se sabe, há gestores públicos a auferir salários milionários, enquanto um gestor de uma PME aufere quanto? 1000 euros? 1500 euros? 2000 euros?

  3. Zephyrus

    Concordo. E relativamente às empresas municipais nem se trata de privatizar, trata-se sim de extinguir e serem proibidas. Já havia até autarquias a abrir empresas municipais ou a usá-las para abrir discotecas! Se até meados dos anos 90 os municípios funcionaram sem empresas municipais, agora também podem continuar sem elas. E sem quem lá está a trabalhar.

  4. Ora, acontece que existe um estudo no Ministério das Finanças, encomendado em 2006 pelo anterior ministro Teixeira dos Santos, estudo executado pela Capgemini, uma das cinco maiores empresas mundiais de consultoria, e que contraria a errada ideia de que os funcionários públicos são bem pagos em relação aos trabalhadores do privado.
    Este estudo foi “escondido” pelo anterior governo durante meses.
    (Em 10.11.2006, publicamos um post sobre o assunto)

    20 EXEMPLOS DO ESTUDO

    – Director-Geral: -77%
    – GESTOR DE RH: -8%
    – DIRECTOR DE SERVIÇOS: -61%
    – CHEFE DE DIVISÃO: -28%
    – ANALISTA INFORMÁTICO: -12%
    – CONSULTOR JURÍDICO: -5%
    – ENGENHEIRO: -37%
    – TÉC. APOIO À GESTÃO:-3%
    – ENG. DE SISTEMAS: -1,5%
    – ENFERMEIRO: -10%
    – ANALISTA DE LABORATÓRIO: -48%
    – TÉCNICO COM FORMAÇÃO PROF. ESPECIALIZADA: -29%
    – ASSISTENTE ADMINISTRATIVO: -29%
    – TESOUREIRO: -36%
    – FUNCIONÁRIO DE LIMPEZA: -13%
    – MOTORISTA DE LIGEIROS: -33%
    – COZINHEIRO: -33%
    – CANALIZADOR: -7%
    – ELECTRICISTA: -17%
    – MECÂNICO: -38%

  5. Ruy,

    Você leu o estudo? É que o Eugénio Rosa e os sindicatos admitem que não o leram. Se teve acesso a este estudo secreto talvez fosse útil partilhá-lo para o podermos avaliar.

    Além disso, vocês chegou a ler o meu post?

    “Nesse mesmo “estudo” de 2009, depois de destruir o estudo do Banco de Portugal com todo este rigor científico, o economista da CGTP ainda teve tempo de acusar os autores do estudo de falta de transparência, sacando depois um estudo secreto da Cap Gemini de 2006 (um estudo tão secreto que o economista da CGTP e os sindicatos reconhecem não o terem lido) para “provar”, por exemplo, que os trabalhadores da Administração Pública que estão na categoria profissional “Grupo Técnico” ganhavam menos 188% do que no sector privado (p.1 e p. 4). Ou seja, não chegava ao Estado ter escravos no “Grupo Técnico”. Os escravos do “Grupo Técnico”, não se percebe bem como, pagavam para serem escravos quase o mesmo que os seus colegas do sector privado levavam para casa. Nada que faça grande confusão ao economista da CGTP.”

  6. Tomás Belchior,
    Só lhe posso afirmar é que o estudo existe no Ministério das Finanças e que não foi publicado porque contrariava as expectativas de Teixeira dos Santos.

  7. Ruy,

    Eu não nego, nem deixo de negar, a existência do estudo. Apenas digo que nem eu, nem o Ruy, nem os sindicatos, nem o próprio Eugénio Rosa que se vende como paladino do rigor académico o leram. Nessas condições não me parece razoável usar números desse hipotético estudo, pelo menos se o quisermos avaliar com a mesma exigência com que estamos a avaliar o estudo do Banco de Portugal. É claro que para si, para os sindicatos e para o Eugénio Rosa, esta exigência pode ser dispensada porque aqui o que interessa não é o rigor mas sim a confirmação de um ponto de vista (podendo este estar certo ou errado). Para mim não pode. Nem que seja porque discutir assim, exigindo aos outros o que não exigimos a nós próprios, é no mínimo desonesto.

  8. Ruy,

    Pois não. Eu é que estou a dizer que não o leu. Nem o Ruy o leu, nem os sindicatos, nem o Eugénio Rosa. Mas isso não os impede de o usar.

    Já agora, como é que explica a diferença negativa de 188% entre os salários do “Grupo Técnico” e os salários em funções equivalentes no sector privado? Segundo o Eugénio Rosa, também faz parte do tal estudo que ninguém leu. Está a ver? Eu também consigo usar fora de contexto números de um estudo que nunca li para “provar” que tenho razão.

  9. ping pong

    Pelo que li do estudo do BdP as médias salariais foram construídas com base num enviesamento da amostragem quanto à distribuição da população que ganha mais – os trabalhadores com formação superior – com 47,9% no público contra 10,6% no privado (em 2005). É muito estranho e de lamentar que os autores do documento do BdP não clarifiquem esta circunstância e não lhe dêem o relevo devido nas conclusões. Qualquer leitor pode confirmar isto nos quadros A1 e A2 do Apêndice do referido documento.

    Quanto ao Ruy, adianta detalhes de um estudo encomendado à Capgemini e que ele afirma existir no próprio Ministério das Finanças, confirmando o relato de Eugénio Rosa.

    Também li o documento deste último, que foi escrito já em 2009. Mesmo descontando algumas afirmações influenciadas por motivações ideológicas (doença que o Tomás também padece, atendendo às apreciações que faz), tenho de reconhecer como válidas as críticas que apresenta quanto ao enviesamento da amostra na formação das médias salariais.

    Seria muito útil que o documento da Capgemini fosse divulgado, para que possamos saber qual a natureza da população amostrada.

    É cada vez mais arriscado ficarmos mal informados quando nos limitamos a ler as sinopses de estudos desta natureza. Mesmo em certas áreas com publicações submetidas a arbitragem científica, é já frequente encontrarmos conclusões que nada têm a ver com os resultados nem com a metodologia utilizada (vejam-se os testemunhos do climategate).

    Tomar decisões faz parte da actividade dos políticos.
    Tomar decisões com justificações baseadas em informação imprecisa/manipulada, sem disso ter consciência, é grave mas desculpável.
    Tomar decisões com justificações baseadas em informação imprecisa, tendo consciência disso, é gravíssimo, indesculpável e criminoso.

  10. Pingback: Os salários da Função Pública e do Sector Privado | Aventar

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