“Indignados” chumbaram a matemática

Nunca fiz grande caso do facto dos alunos portugueses terem insucesso na disciplina de matemática. Afinal a maioria de nós não necessita saber aplicar senos e co-senos para efectivamente executar o trabalho do dia-a-dia. Mas, não saber contas de soma e subtracção já considero um preocupante fenómeno de extrema ignorância.

Ouvir “indignados” explicarem as razões porque estão contra as medidas de austeridade tem sido, para mim, um acto de profundo pesar pela falta da mais básica educação matemática daqueles.

Vamos então tentar aqui fornecer alguns conceitos (simplificados) sobre como funciona a política fiscal de qualquer Estado.

  • o Estado cobrou 91 de impostos no ano X.
  • no ano X, o Estado gastou 96 em salários de funcionários públicos, subsídios, “investimentos”, etc.
  • Saldo orçamental é a diferença entre receitas de impostos e despesas: 91 – 96 = -5
  • quando o saldo orçamental é negativo este designa-se de défice (superavit se for positivo!).
  • para poder pagar esse excesso de despesa (défice), o Estado tem de recorrer ao crédito, ou seja, o que se designa como dívida pública (5).
  • os credores emprestam dinheiro ao Estado porque têm confiança que, no futuro, essa dívida será paga.
  • no ano X+1, o Estado cobrou 95 de impostos mas teve despesas de 105; logo o saldo neste ano foi de 95 – 105 = -10 (défice)
  • assim, no ano X+1 a dívida pública aumentou para 15 = 5 (ano X) + 10 (ano X+1)
  • se, durante vários anos (ou até mesmo décadas), o Estado acumular défices, a dívida pública continuará a crescer para níveis eventualmente insuportáveis.
  • quando os credores começam a ter dúvidas sobre a capacidade do Estado pagar a dívida, aqueles passam a exigir cada vez maiores taxas de juro.
  • maiores taxas de juro tornam o recurso ao crédito menos atractivo para o Estado.
  • o Estado, para reduzir acesso ao crédito, tem de diminuir o défice, através do aumento dos impostos e/ou redução das despesas.
  • se no ano X+2 as receitas subirem de 95 para 100 e as despesas descerem de 105 para 100, o saldo orçamental é nulo (100 – 100 = 0), ou seja, não há necessidade de pedir empréstimos para pagar o excesso de despesa (o tal “défice”) e o valor da dívida mantém-se.
  • quando um cidadão se “indigna” com o aumento dos impostos e, ao mesmo tempo, com o corte nas despesas, está a mostrar pouco discernimento matemático.
  • um cidadão responsável (que faça as contas!) pode discordar dos governantes sobre quais impostos aumentar ou quais despesas reduzir, mas, face à difícil situação financeira do Estado, nunca do objectivo de eliminar o défice orçamental.
  • cidadãos “indignados” mas irresponsavelmente ignorantes de medidas alternativas de austeridade a implementar nunca conseguirão resolver o problema de dívida do Estado.

Se alguém não percebeu o exercício acima… as minhas desculpas! Não consigo ser mais sucinto. 😦

23 pensamentos sobre ““Indignados” chumbaram a matemática

  1. Assim à primeira vista, alguns indignados esperam que, na impossibilidade de conseguirmos dinheiro emprestado nos mercados para mantermos défices elevados, outros países da UE arranjem dinheiro a Portugal, substituindo os mercados. Apesar de achar que isto não é a solução, não há propriamente erros de Matemática neste raciocínio.

  2. Luís

    Do melhor que tenho lido. Haja alguém que explique àquela escumalha que as contas são fáceis de fazer…Muitos parabéns…

  3. oscar maximo

    E o os tipos e presidente do PSD, que aprovaram uma Constituição que diz que há dinheiro para os direitos adquiridos, passaram a matemática ?

  4. A troika aceitou emprestar biliões de euros a Portugal com o compromisso de redução do défice em período de tempo mais longo do que aconteceria via mercados (imediato). O erro de matemática é condenar soluções tendentes a esse objectivo ignorando o problema de financiamento.

  5. oscar maximo

    Diz o mau aluno a matemática e física: é possivel crescimento infinito num mundo finito. Diz o mau professor de matemãtica: a pegada ecológica é N terras – em vez de dizer que a população devia ser 1/N. Como se vê, o que não falta neste mundo são maus alunos e professores de matemática.

  6. Mas a indignação resulta precisamente de PPC ter prometido resolver o problema do défice sem cortar nos funcionários públicos e sem aumentar impostos. Foi ele que disse e prometeu. Será que também chumbou a matemática?

  7. Pedro Morgado, já ouviu ou leu as reivindicações dos “indignados”??! Não há uma única proposta credível de redução significativa da despesa.

    PPC ter mentido não é surpresa. Todos os políticos o fazem. Agora, que fez as contas fez!!!

  8. noname@gmail.com

    O seu problema poderá não ser de matemática; mas é de sociologia, de economia e também de língua portuguesa. Leia para além do que o é obrigado e veja que há mais para além das suas interpretações de comentador de bancada.

  9. lucklucky

    Olhando a quem nos trouxe aqui. Tudo gente que supostamente sabe Matemática e estudou em Universidades eu diria que o problema não é não saberem Matemática. É não utilizarem porque o narcisismo político e social – felicidade, tá se bem, sempre – nesta sociedade não permite o uso de ciências duras. É desagradável.

  10. noname@, o seu comentário nada esclareceu.
    Gostaria de pensar que a sua indignação tem algum fundamento…
    Vamos ver!

  11. “Mas, não saber contas de soma e subtracção já considero um preocupante fenómeno de extrema ignorância.”

    e mais grave é que quem nos Governa não saiba fazer contas…constroi um orçamento baseado numa projecção de “crescimento” de -1,8%…a matemática tambem é aplicada na ficção orçamental

  12. “quando um cidadão se “indigna” com o aumento dos impostos e, ao mesmo tempo, com o corte nas despesas, está a mostrar pouco discernimento matemático.”

    Não necessariamente – ele pode estar convencido que essas politicas fazem diminuir o rendimento global e que, portanto, mesmo reduzindo o deficit em termos absolutos, vão aumentar o rácio divida/rendimento, piorando a situação.

    O tal cidadão pode estar errado nisso, mas aí já não é bem um caso de não saber matemática, mas de subscrever teorias económicas eventualmente erradas (teorias essas desenvolvidas por pessoas que até sabiam matemática).

  13. Pingback: 15 de Outubro de 2011, uma data Histórica | cinco dias

  14. MA

    Ó BZ, os indignados podem não saber matemática mas você não percebe nada de política! Então não sabia que o povo quer-se burrinho?

  15. Liberal

    A matemática só tem validade para tempo igual a zero, e para realidades estéreis. Tempo é mutação, sem mudança não há tempo. Logo sempre que se mudam as condições (sempre que há tempo) os resultados matemáticos perdem a validade, e tem de ser recalculados. Sempre que há uma mutação, isto é, sempre que há tempo, a matemática perde a validade. A validade da matemática também se perde quando as unidades são seres vivos. As interacções entre seres vivos dão resultados diferentes dos que a matemática consegue determinar (por exemplo, um coelho e um lobo é igual a um lobo saciado, e não dois seres vivos). Eu sei que tentar explicar os limites da matemática a alguém com inteligência do Insurgente é algo demasiado optimista. Mas caro Insurgente não esteja tão seguro que saber matemática é algo suficiente para o que quer que seja.
    Acho divertido que haja anedotas que dizem perceber de economia, quando apenas percebem de mercado e mal. Quando uma anedota acha que paga muito ao estado é porque não sabe o que paga à banca privada. Quem não sabe que sempre que usa dinheiro está a pagar à banca por usá-lo é demasiado ignorante para perceber o que quer que seja. Acho que o Insurgente não sabe o que paga pelo dinheiro que usa. Lol.

  16. “Se alguém não percebeu o exercício acima… as minhas desculpas! Não consigo ser mais sucinto.”

    Caro BZ

    Sinceramente, depois de ler alguns dos comentários que fizeram ao seu post, acha que vale a pena perder tempo a tentar explicar alguma coisa aos sebosos “indignados” e aos sebosos que os apoiam?

    Acha que essa “gentinha” merece que se perca tempo com ela?
    Que se lhes dê tempo de antena?
    Acha que merecem o título de cidadão?

    CIDADÃOS Portugueses são os contribuintes líquidos do OGE.
    São os Cidadãos, cujo saldo entre o que pagam de impostos, e o que eventualmente recebam de subsídios, sustenta o Estado e todos os que estão à “manjedoura”.
    Esses têm o direito a indignarem-se.

    Eu conheço alguns Servidores do Estado (que é o nome que deveriam ter e honrar) que merecem o título de Cidadão (saliento – alguns enfermeiros, alguns militares da GNR, alguns professores, alguns bombeiros, etc.), que tem todo o direito a indignarem-se.

    A maioria dos outros “indignados” o que merecem é que se ignorem.
    Nada de canhões de água, nem cargas policiais, nem nada que lhes dê importância.

    Eu, a essa escumalha aplicaria uma questão que em muitas conversas com amigos coloco:
    -Uma árvore ao tombar numa floresta, onde não esteja um único Homem nesse momento (ou já agora um gravador de som), faz ruído ao cair?
    .

  17. Pingback: Leitura recomendada a “revolucionários” « O Insurgente

  18. “(…) mesmo reduzindo o deficit em termos absolutos, [essas politicas] vão aumentar o rácio divida/rendimento, piorando a situação.”

    Miguel Madeira, essas pessoas ignoram então que, sem o acordo com troika, a conta de subtracção seria bastante maior, já que, não podendo o Estado recorrer a crédito, o défice teria de ser zero. Contas que, concordo, muitos “especialistas” não sabem/souberam fazer!

  19. Graça

    Da mesma forma que este artigo explica muito bem as contas matemáticas, é ao mesmo tempo uma incintivo à burrice social. Essas contas são, de caras, muito claras e do meu ponto de vista muito fáceis de perceber. O que importa, e o que é debatido pelos “indignados”, é que se continuarem a cortar nos ordenados e a inventarem cada vez mais subsídios, isso trará consequências muito mais gravosas para a população – e claro está que não me refiro à classe alta. E por consequência não resolvendo o problema do país.
    O aumento dos impostos em alguns sectores vai proporcionar despedimentos, e os despedimentos vão resultar em mais pedidos de subsídios de desemprego. Será que o valor dos impostos que eles (negócios) vão pagar cobrirá o que o Estado vai pagar em subsídios de desemprego?
    Será que os SENHORES governantes, os anteriores, independentemente de quais foram, souberam fazer contas? Não me parece.
    O problema é o que nosso país está cheio de corruptos, e a população ainda não percebeu que sendo eles os responsáveis, teriam de ser os primeiros a pagar por isso.

  20. Se num ano o Estado recebeu X e gastou X+10, endividou-se em 10.
    Se no ano seguinte só gastar X-10 será que equilibrou as contas? Talvez não pois as receitas podem ter caído 30, isto é, passarem a ser X-20… logo, o deficit continua em 10.
    Mas, também pode acontecer que, no ano seguinte, o Estado gaste X+20 e isso provoque um aumento das receitas de 30. Logo o Estado gasta X+20 e recebe X+30, isto é, passa a ter um superavit de 10!
    Isto só para mostrar que há matemática além da matemática rudimentar mostrada no artigo.
    É que, ao contrário do que muitos pensam, o Estado não é uma família, nem uma empresa, o Estado é diferente.
    Quando o estado gasta X, recebe via fiscal, no mínimo, X/3 além de animar a economia o que, naturalmente, faz aumentar as suas receitas.
    Infelizmente as contas de merceeiro apresentadas no artigo, também são feitas por muitos políticos, políticos que deveriam ser óptimos a administrar uma mercearia de bairro mas que são uma catástrofe a administrar a coisa pública… é muita areia para a camioneta deles…

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