No Público de hoje vem uma notícia sobre a Universidade Católica, intitulada: “Católica cria regras de vestuário para alunos e professores”. Pelos vistos a notícia é de grande impacto para a vida deste país, já que o Público lhe dedica uma página inteira (a página 4) e dá-lhe uma chamada na primeira página do jornal. Muito bem. Como não há nada de muito importante a passar-se no mundo nestes últimos tempos, se calhar compreende-se…
A notícia, em si, será relevante para o universo da Católica (onde me incluo, e por isso mesmo para mim tem algum interesse), mas duvido que tenha alguma relevância extra-muros. Aliás, como a própria notícia indica: “nesta matéria a UCP não é pioneira. Ainda há um ano, o Ministério da Educação aconselhava os professores a não usar havaianas, calções de praia, decotes e sapatos de salto alto durante os exames nacionais.”
Por outro lado, o texto da notícia não me merece grandes reparos — para além da opção editorial pelo destaque que lhe é dado. E aqui é que as coisas, a meu ver, se complicam. Ao lado da notícia aparece um “Comentário” de um jornalista do Público, sob o título: “Cristo entraria na Católica?” E, claro está, vêm logo as comparações subreptícias com os talibans ou com o laicismo do Estado francês. Tudo a propósito, claro…, num crescendo que prepara a estocada final de António Marujo — que, é bom que se perceba, nada tem que ver com o tema tratado pela notícia:
“O Conselho Académico de uma universidade católica poderia concentrar-se, por exemplo, na importância de criar alternativas à ditadura financeira dominante. E em que nela se ensinassem mais valores de acordo, por exemplo, com os apelos do Papa à “refundação do sistema financeiro” e menos com a formação de elites que reproduzem o desejo de lucro dos “mercados”.”
Pois bem, já agora,também me apetece recomendar ao Conselho de Redacção do Público que se concentre um pouco mais nas opções editoriais que faz, e que, se possível, ocupe o seus redactores mais com o trabalho informativo e menos com a produção de comentários. Sobretudo comentários que, como este, não dizem respeito à notícia tratada mas apenas à agenda pessoal do jornalista que os escreve.
E porque é que um jornalista não pode comentar uma notícia no seu jornal de acordo com a sua agenda pessoal? Quer esclarecer?
Poder pode. Tal como eu posso não comprar o jornal. Nada contra.
No campo do dever, talvez já não seja bem assim. E não será por acaso que os jornalistas se preocupam tanto com a deontologia e afins, por vezes até reclamando o estatuto de Ordem, à semelhança dos médicos ou dos Advogados, por exemplo.
E, é precisamente por esta função ser tão importante que a comunicação social é um factor de análise relativamente à saúde de qualquer democracia.
Tudo isto para lhe dizer que não tenho nada contra a livre expressão de pensamento — seja ele concordante ou discordante do meu. Mas tenho algum cuidado na distinção entre informação e opinião.
No caso em apreço, até lhe digo que gosto (em teoria) do modelo do Público, que separa a informação noticiosa do comentário jornalístico. É nessa coluna do comentário que o jornalista pode, e deve, comentar, relacionar, problematizar o que lhe parecer útil. Só não considero que tenha sido este o caso. E, por isso, no exercício da minha própria liberdade de opinião, o denuncio.
No caso em apreço o jornalista aproveita o espaço de comentário a uma notícia para produzir um ataque em prole de uma ideia que — nem sequer a vou qualificar como boa ou má — nada tem que ver com o caso em apreço. Esse é que é o ponto. E só esse.
Isto é, a meu ver, um exemplo de mau jornalismo. E na medida em que, como referi, os media são uma peça relevante do nosso modelo de regime, demo-liberal, o mau jornalismo contribui negativamente para a saúde do nosso regime.
Não estou a ver onde o comentario do Antonio Marujo possa ter de algum modo ferido algum codigo deotologico. O AM não usou o seu estatuto de jornalista para expressar a sua opinião. Limitou-se a publicar um comentario numa caixa de comentarios. Tal como eu ou o Zé dos Anzois o poderiamos ter feito.
O que é extraordinário é que seja preciso criar uma regra destas numa universidade, e ainda por cima a Católica, onde são quase todos “betos”. Que haja gente a quem seja preciso impôr que não vá de chinelos, calções ou camisolas de futebol para as aulas. Portugal está nivelado por baixo.
para quando a burka?
Que o comentário nada tem a ver com a noticia é a sua opinião, que não tem de coincidir com a do jornalista. Onde é que aí há alguma violação do código dentológico dos jornalistas, não faço ideia, mas o JTCB tem sempre oportunidade de denunciar o caso ao provedor do jornal. Tenha calma e aprenda a distinguir noticia de opinião. O regime demo-liberal que é o nosso e que defende depende disso mesmo. Opinião é opinião, concorde-se ou não com ela, e não há nenhuma instância de justiça capaz (felizmente) de fazer a triagem que voc~e pretende, isto é, dizer se a opinião tem, ou não, a ver com a noticia.
Lionheart,
eu já dei aulas a estudantes com calções e minissaias, e também a estudantes com chinelos. Nunca me senti incomodado com o facto, e penso que eles também não se incomodaram com os trajes uns dos outros. Nunca reparei que a performance de um estudante fosse influenciado pela forma como se veste, ou como os outros à volta dele ou dela se vestem
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Apenas gostaria de dizer que acho irónico que alguém que se opõe aos técnicimos pense que a “neutralidade” jornalística não corresponda apenas a mais um técnicismo.