José Sócrates tem dito que as coisas vão começar a doer com a chegada do FMI ou, para ser mais correcto, do Fundo Europeu de Estabilização Financeira. E vão. Por culpa dele que não devia ter gasto como gastou e adiado as reformas como adiou. No entanto, e independentemente de quem tenha a culpa, o certo é que vai doer. E muito mais do que doeu em 1983.
Qualquer país falido o que precisa é de reduzir despesa ao mesmo tempo que cria riqueza. Aumentar as suas exportações para começar a pagar as dívidas. Quando Mário Soares pediu a intervenção do FMI, o remédio utilizado no tratamento foi a desvalorização da moeda. Os produtos portugueses ficaram mais baratos, venderam-se melhor lá fora e o dinheiro começou a entrar e a circular no país. Também em 2011, teremos de fazer o possível e o impossível para aumentar as exportações e pagar o que devemos. Ora, como não podemos desvalorizar o euro, a única forma de tornarmos os nossos produtos mais baratos e subirmos as exportações, será descendo o IRC e os custos do trabalho. Para isso, e porque também deveremos descer drasticamente o défice das contas públicas, os demais impostos como o IRS terão de subir. E porque a subida das receitas não chega, porque o problema do endividamento do Estado é estrutural e endémico, o FMI exigirá também um forte corte na despesa pública: nos montantes e nos prazos dos subsídios de desemprego; a suspensão dos subsídios de férias e de Natal; a redução do número de funcionários públicos. Porque será preciso incentivar a economia para produzirmos mais e assim pagarmos a dívida, algumas medidas serão impostas: a redução do salário mínimo e a flexibilização da lei laboral, facilitando o despedimento.
Vai doer. Mas a dor referida é apenas económica. Falta a política. Num país imerso no preconceito socialista, onde tantos esperam tudo do Estado, não vai ser fácil governar nos próximos anos. A agitação social será imensa e inimaginável para os padrões actuais, quando os impostos sobre as empresas descerem e os que recaem sobre as pessoas subirem. Quando os subsídios forem cancelados, todos os olhos estarão colocados sobre os empresários, acusados de não pagarem e, dessa forma, não contribuírem para o fim da crise. É claro que o farão, investindo dinheiro num momento muito complicado, acreditando quando ninguém crê. Mas a maioria não o verá assim e a contestação social e política não dará tréguas ao novo governo. Por isso, PCP e Bloco já se sentam à mesma mesa, conversando e acertando estratégias para o que aí vem. O que será o novo PS ninguém sabe, mas a luta interna será fratricida. Não ficará pedra sob pedra.
O novo governo, os seus membros e aqueles que estiverem no Parlamento terão de ter muita fibra. Poderão não ser reeleitos em 2015, mas se forem castigados por nos terem colocado no caminho certo, por terem dado um rumo ao país, castigados porque ninguém os pode ver à frente, apesar de o tempo lhes começar a dar razão, poderão voltar às suas vidas com o sentimento de dever cumprido. Se o serviço à causa pública for um intervalo curto na vida, isso certamente chegará. Até lá, a modernidade que Sócrates nos prometeu, chegou.
Todos parecem pensar que o PS de Sócrates esta arrumado. Mas será assim? Ainda não ouvi/li ninguém comentar que este possível entendimento PCP/BE pode, muito bem, vir a ser a bengala de que o Sócrates se vai servir para ter uma maioria.E não se convençam da impossibilidade de tal arranjo. Sócrates, se realmente quiser manter o poder – e é bem possível que não queira -, não terá qualquer problema em usar o que estiver à mão.
O post parece-me ainda assim excessivamente optimista.
AAA. “…e aqueles que estiverem no Parlamento terão de ter muita fibra.”
Receio que com a mesma Lei Eleitoral, com os mesmos Partidos (coligados ou não), com o mesmo eleitorado e com a mesma RTP … o resultado eleitoral não irá ser muito diferente.
Mas pior. O comportamente dos “que estão no Parlamento” -o mesmo forno com a mesma massa- irá ser óbviamente (infelizmente) praticamente o mesmo. Atentos venerandos e obrigadinhos, ao chefe.
Com um “Parlamento” com Deputados a sério, eleitos por e a responderem perante os seus eleitores, quem é que teria sido demitido há seis anos?. Sócrates ou Campos e Cunha? Estaríamos como hoje estamos? Não.