Em relação à reacção de Paulo Pinto Mascarenhas, tenho pouco a acrescentar ao que foi dito pelo Miguel. Mas, continuando imbuído do espírito construtivo da casa, em relação ao texto da petição (que sou acusado de desconhecer), acrescento:
O titular de cargo político ou equiparado que, durante o período de exercício das suas funções ou nos três anos seguintes à respectiva cessação, adquirir, por si ou por interposta pessoa, quaisquer bens cujo valor esteja em manifesta desproporção com o seu rendimento declarado para efeitos de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares e com os bens e seu rendimento constantes da declaração, aditamentos e renovações, apresentados no Tribunal Constitucional, nos termos e prazos legalmente estabelecidos, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Esta singela passagem constitui, na sua essência, a defesa de que seja possível utilizar métodos indiciários (“quaisquer bens cujo valor esteja em manifesta desproporção com o seu rendimento declarado para efeitos de liquidação do imposto”) para efeitos criminais. Ora se esse mecanismo é legalmente aceite para questões tributárias, não faz qualquer sentido o seu uso para questões criminais, por se julgar (como deve ser num Estado de Direito) que viola o princípio da presunção de inocência e que o silêncio e a falta de colaboração do arguido não afasta o ónus da acusação de provar todos os elementos constitutivos do crime.
Mais: removida essa presunção, o que sobraria não seria muito distinto do crime de fraude fiscal, que já é agravado se “[o] agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções”, e que aliás já tem como pena prisão de 1 a 5 anos.
Poderia até estar a discutir-se a inclusão de um agravamento semelhante e do crime de fraude fiscal nos crimes da responsabilidade de titulares de cargos políticos, o que claramente não é a intenção. A intenção é clara, independentemente dos artifícios linguísticos na sua redacção, e é a de se criar um novo crime sustentado em métodos indiciários que coloque no acusado o ónus de rebater com prova efectiva esses meros indícios.
Acho que não é preciso ser jurista (eu não o sou) para concluir o mesmo da leitura da petição. Mas compreendo a posição de Paulo Pinto Mascarenhas (que também julgo que não o é), mesmo não a achando aceitável. Já se torna difícil de compreender a posição dos diversos juristas que acompanham a defesa dos termos da mesma.
Quem não deve, não teme, já dizia o povo e eu concordo. É ser populista ser contra a corrupção? Pois estão sou populista.
Para além do “quem não deve, não teme”, que é por si só uma tese e todo um repositório de argumentação para os mais diversos abusos perpetrados em nome dos mais elevados desígnios (desígnios esses geralmente defraudados, como bem alerta o André e o Tomás), cumpre dizer que ser populista não é ser contra a corrupção. Ser populista é achar que para se ser contra a corrupção se justificam todos os meios, e que se justifica em nome da “eficiência” e de atingir esse fim ultrapassar todo um conjunto de regras básicas de um Estado de Direito.
P.S.: Mantenho o desafio (ainda não respondido) aos proponentes da petição de descreverem uma situação de “enriquecimento ilícito” que não seja coberta e tipificada pela actual legislação.
“Ora se esse mecanismo é legalmente aceite para questões tributárias, não faz qualquer sentido o seu uso para questões criminais”
Para questões tributárias também tenho sérias dúvidas sobre se devia ser aceite. Em regra, legislação fiscal que coloca o ónus da prova no contribuinte parece-me francamente perigosa.
Sim, concordo, por isso referi-me só como sendo “legalmente aceite”.
Só pretendia dizer que na questão tributária, assim como noutras questões não criminais, existem cenários (defensáveis ou não defensáveis mas legalmente reconhecidos) de inversão do ónus na prova, o que não implica transitividade para as questões criminais.
Como sempre acontece em Portugal, a propósito de discutir a desigualdade do rendimento, acabamos a discutir como confiscar os ricos e tributar ainda mais aqueles que têm sucesso.
Os pretextos são sempre os mesmos:
1- Dado o sistema criado no país, o lucro e o sucesso económico são altamente suspeitos e condenáveis.
2- A justiça não funciona, e aqueles que enriquecem são criminosos impunes.
3- O Estado não pode subsidiar mais a pobreza por causa dos ricos.
Enquanto continuarmos a discutir nestas bases, não só não compreendemos as causas da pobreza e como combatê-la, mas para além disso, contribuimos para o anátema que existe na sociedade portuguesa sobre o sucesso legítimo, o mérito, a recompensa pelo trabalho e pelo investimento.
Esta sim, é uma das principais causas da pobreza e da decadência económica do país.
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