Fado wiki

Cartoon de Paulo Oliveira. Acompanhado pelo artigo de Fernando Gabriel, Anos de Chumbo

Assange apresenta agora uma massa caótica de indícios de conspirações dos poderosos, mas os réus contemporâneos não são, primordialmente, monarcas: são os Estados de direito democráticos e ocidentais, os seus procedimentos autorizados de aprovação e revisão das leis e as suas práticas jurisprudenciais. As “ficções” de Bentham entraram em conflito e o tribunal da opinião denuncia agora o governo democrático sob a lei como “corrupto”, procurando substituí-lo por um governo sem lei, assente no controlo burocrático do “olho que tudo vê”.

Aos que celebram o embaraço dos poderosos, é necessário recordar que estão a celebrar a dissolução da privacidade, a entronização do fanatismo da transparência, que exige submissão total a todos e em todo o lado: nos aeroportos, na sua casa em frente ao computador, no Facebook. As WikiLeaks são o seu símbolo e desfecho lógico, uma massa caótica de vestígios, ruído branco, música para aeroportos nos anos de chumbo da pós-democracia.

 

9 pensamentos sobre “Fado wiki

  1. “Aos que celebram o embaraço dos poderosos” 😀

    Continua a ser giro ver que sendo demasiado evidente tentar matar o mensageiro, tenta-se matar o povo que o ouve — com mensagens de respeitinho e disciplina, e après moi le deluge. O mal, claro, não está na podridão moral da social-democracia, nem está na opacidade galopante da classe política e burocratica, quanto a isso nem uma palavra. Hoje em dia os inimigos do Estado são repudiados como meras comadres bilhardeiras, e as insolências do passado são meras infantilidades.

    E assim _não_ se cria, de base e com muitos tropeções é verdade, uma cultura de escrutínio — não será certamente criada alimentada a dossiers secretos! Antes pelo contrário, qualquer tentativa é pintada como socialmente reprovável. Se um dia vier a lume algo verdadeiramente grave, estes “críticos” terão feito um belo serviço aos que dizem que não há que dar troco a curiosidades populistas.

  2. ruicarmo

    “tenta-se matar o povo que o ouve”
    Sem dúvida, genocídio à vista.

    “mensagens de respeitinho e disciplina, e après moi le deluge”
    Onde, quando e como? Não é a revolução – desde a fase afeganistão e iraquiana – imparável e justa?

    “E assim _não_ se cria, de base e com muitos tropeções é verdade, uma cultura de escrutínio”
    É a wilileaks o ponta de lança dessa cultura de escrutínio que se deseja? É o melhor que os inimigos do estado têm para dar?

    Um dia, com tanta cultura de escrutínio, a polícia irá prender o ladrão antes deste cometer o crime. No big deal. 🙂

    Acima de tudo os fãs – é disso que parece que se trata – tratam a fonte como um deus, o salvador que limpará os vendedores junto ao templo. Descontrair e aceitar outra visão faz parte do básico.

  3. ruicarmo

    Existe ou existiu algum exemplo ao longo da História de um estado ou organização completamente transparente?

  4. JoaoMiranda

    1º parágrafo: governo democrático sob a lei pode fazer o que quiser que ninguém tem nada com isso

    2º parágrafo: escrutinar governantes é o mesmo que violar privacidade

  5. Tiago

    Tal como o cartoon mostra, a privacidade sempre foi violada ao longo da história. A privacidade é violada nos cafés, no local de trabalho, nos cabeleireiros, nas farmácias (pelos vistos), pelo telefone, agora pela internet… As notícias relativamente à privacidade das pessoas são as que mais sucesso têm muito antes da wikileaks. A não ser que todos assinemos contratos de confidencialidade, e que resultaria na diminuição de pelo menos um terço das conversas do dia a dia, os segredos vão continuar a ser divulgados como sempre foram…A liberdade de expressão têm esse inconveniente. Agora os afectados são os “poderosos”. Até porque parece que nunca antes foram afectados… viva a memória curta! O que muda é a escala e o método: aumentaram e melhoraram…

    Então, essa ideia de que os que “celebram o embaraço dos poderosos, é necessário recordar que estão a celebrar a dissolução da privacidade” não quer dizer muito.

    Não percebo então as pessoas que se manifestam contra a wikileaks! Ou é a segurança, ou é o Assange que é um fanático, ou é o anti-americanismo, ou é o excesso de transparência e vamos acabar com a privacidade, ou é porque a diplomacia só funciona assim (olhando para a história mais valia não ter funcionado em muitas das situações…)

    Não tratamos as fontes como deuses, mas como elas são: informação. Informação de políticos, durante o horário de trabalho, pago pelo dinheiro dos contribuintes.

  6. De facto nada verdadeiramente escandaloso emergiu. Este ultrage anti-wikileaks deve-se a meros salpicos de lama. Barricada contra qualquer coisa que coloque em causa – indisciplinadamente – a natureza angélica dos governantes. Precisamos deles para elaborarem legislação sobre transparência, anticorrupção, accountability. E que nos expliquem como os mais inquietos de nós podemos colocar pressão para que eles sejam mais nossos servos. Porque eles, sim, não devassam a nossa privacidade, não violam direitos individuais, são verdadeiramente a origem das nossas liberdades.

  7. A. R

    A esquerdalha anda entusiasmada. Sem ideias, falha de moral e ética, falida na prática e no verbo, vive destes peep shows (até que eles se virem contra os próprios).

  8. ruicarmo

    Tiago, a privacidade e a falta dela fazem parte da simples convivência humana. Uma amiga, sobre o cartoon, o dar com a língua nos dentes e a ligação ao senhor Wikileaks, dizia que as mulheres não precisam disso para nada. 🙂
    O estado é uma construção humana e também por isso imperfeita e com muitos defeitos e demasiados segredos. Como diz – e eu subscrevo – as pessoas adoram saber os “segredos”, a pequena intriga, o que se passa na casa do vizinho… e os segredos, sejam eles quais forem, irão continuar a ser divulgados, as juras quebradas. Se o caso tratar de famosos e poderosos o interesse aumenta naturalmente para uma potência estratoesférica.
    Não sou contra a divulgação de segredos, muito menos quando se trata de uma pessoa de mal como é – e com tendências para piorar – o estado. Não estou contra o aparecimento e multiplicação de wikileaks e sucedâneos. Tento ter um cuidado céptico, como o tenho em relação a outras quaisquer fontes. E como em qualquer outra, pergunto sempre quem é, ao que vem e com que propósito, aqui não é de todo diferente. Dito isto, achei o texto do Fernando Gabriel- um autor que leio na imprensa e muito aprecio – pertinente e também por isso o coloquei neste post, até porque a sua conclusão me parece certeira.
    Não vejo onde e muito menos como eu, o cartoon ou o artigo citado coloca em perigo a transparência. Nem acho , em termos de conteúdos– até ao momento – que a Wikileaks nas suas três fases (Afeganistão, Iraque e telegramas) tenha como fonte servido para grande coisa, a não ser uns debates na blogo, medias e nalguns cafés.
    Provavelmente, as comunicações e as informações que os políticos e militares recebem vão continuar a serem processadas mas por meios diferentes, depois de re-analisarem os processos internos que permitem os wikileaks. Quanto ao tratamento como deuses, cada um sabe de si mas tenho observado algum rasgar de vestes, em protesto contra o pouco que resta do mundo que assume algum ou muito cepticismo em relação a isto tudo.

    Por último que a conversa vai longa: existe ou existiu algum exemplo ao longo da História de um estado ou organização completamente transparente? É uma repetição e uma insistência que teima em ficar sem resposta.

  9. jo

    É boa a preocupação com a privacidade dos estados. Temos de defender a privacidade de um estado que procura fazer sistemas de escuta global via satélite e que exige que quem viaja de avião tenha de ser visto nú?

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