Uma das ideias mais patéticas que se impôs recentemente no politicamente correcto do nosso cantinho à beira-mar plantado assenta no princípio que se estivermos caladinhos cá dentro, e dermos uma sensação de normalidade, os “mercados internacionais” pode ser que não percebam a miséria em que nos encontramos. Daí que sempre que um responsável político opta por dar nota que o rei vai nu, zás! todo um coro de austeros irresponsáveis vem a terreiro apontar-lhe o dedo para de seguida o elevarem até aos lábios, sussurrando, “shiu, está lá caladinho, ninguém precisa perceber na lama em que nos rebolamos!”.
Luís Amado é um desses políticos com sentido de responsabilidade que tem a clara percepção que Portugal perdeu a sua credibilidade no exterior, precisamente porque desde 2007 nega a existência da crise, encarando-a em sentido inverso ao que era necessário: em vez de austeridade, por motivos eleitorais, em 2008 aumentou 2,9% os funcionários públicos, diminuiu o IVA; em vez de rigor e diminuição do peso do Estado, por clientelismo, recorreu a uma teoria tugo-keynesiana de desperdício de recursos que nos empurrou para o limite da insolvência.
A teoria do falso consenso, infelizmente, não convence ninguém no exterior. Em Janeiro de 2010, a nossa dívida era negociada nos 4,1%. Apesar de ver viabilizado o OE, o PEC1 e o PEC2, o governo foi incapaz de cumprir as metas a que se comprometeu, e a nossa dívida hoje, passados dez meses, bate recordes históricos, a beijar os 7%. A classe política, wishful thinking, apelou a um “novo consenso”, e ao carácter redentor de um OE2011 aprovado. Crenças que “os mercados” já se encarregar de desmistificar. Portugal está a ser castigado porque somos vistos como pouco confiáveis, porque ninguém acredita que sejamos capazes de executar o orçamento a que nos propusemos, precisamente porque ainda em 2010 e à beira do abismo passámos dez meses a assobiar para o ar, a fingir que éramos austeros; e porque tão pouco nos dão o crédito de que sejamos capazes de crescer, consistentemente, no futuro próximo.
Luis Amado o que veio dizer, sem o assumir expressamente, como é próprio dos diplomatas, anda à volta disto: precisamos de um choque de credibilidade, e uma efectiva capacidade de cumprir as metas orçamentais; no início do ano deu nota que só lá íamos com uma imposição constitucional; agora, vem defender que é necessária uma larga coligação, o que – tendo em atenção que o que não faltam são consensos – só pode ser lido de uma forma: isto só lá vai sem José Sócrates.
O recado vem de dentro do próprio Governo, de quem conhece bem a mentalidade do PM e do que desabafam os nossos parceiros europeus nos corredores de Bruxelas; já é a segunda vez que o MNE nos avisa que o Rei vai Nu. O recado de Luis Amado é mais do que evidente: por este caminho, a brincar às bonecas, mais uns tempos, e estamos fora do Euro.
Há apenas três anos atrás:
“é necessária uma larga coligação, o que – tendo em atenção que o que não faltam são consensos – só pode ser lido de uma forma: isto só lá vai sem José Sócrates”
Isso parece-me uma leitura muito abusiva.
Luís Amado não disse isso.
Ninguém no PSD o disse, também – que uma coligação estivesse dependente de José Sócrates se afastar.
Na Alemanha houve uma grande coligação antes das últimas eleições. A chefe do partido mais votado era a primeira-ministra. Como é natural.
Acho impressionante que concentre o seu rancor num só homem, Sócrates.
Caro Lavoura,
Cada um interpreta as coisas à sua maneira. Aliás, o meu amigo é particularmente imaginativo na forma como habitualmente lê a realidade, pelo que admito que ninguém melhor aceite o meu direito a considerar que Luís Amado quer ver Sócrates bem longe da governação.
Ab.
RAF