Andava a ruminar um post sobre a redução da despesa pública e eis que o Gabriel Silva se antecipa. Julgo no entanto que há algo a acrescentar. A proposta não é assim tão crua. Há uma razão prática para que seja exequível, aliás, não anda longe do que foi feito na Nova Zelândia quando da crise por que passou aquele país no início dos anos 90.
O Ministro das Finanças lida com grandes números, não faz ideia quanto gasta a Repartição de Finanças de Mafamude em papel higiénico ou ajudas de custo, ou a Ministra da Saúde, quanto gasta o Centro de Saúde de Alguidares do Meio em seringas, pensos, medicamentos e horas extraordinárias. Uma coisa é certa, quanto mais baixo dentro da hierarquia do Estado estiver a decisão maior é o conhecimento dos potenciais desperdícios e/ou possibilidades de poupança.
Se no topo da hierarquia for tomada a decisão que dê por onde der todo e qualquer serviço do Estado tem que cortar 15% nas suas despesas, sendo que esse corte desce pela hierarquia abaixo, nada impede a exequibilidade da decisão. Há-de chegar ao escriturário que ele próprio tem que cortar. Se no fim faltarem 5% e tiver que chegar às despesas com pessoal (já descontando ajudas de custo, horas extraordinárias, etc) a escolha é simples: ou todos levam um corte de 5% nos salários ou 10% vai para o olho da rua.
O que o Ministro das Finanças tem que dizer aos outros é: cada um leva um corte de 15% no orçamento. Desemerdem-se.
Por estranho que possa parecer, concordo com o raciocinio geral – acho que cortes cegos são capzes de funcionar melhor que cortes “pensados” e “analisados”, até por uma razão: os sectores em que há mais desperdiço em principio são aqueles que, por qualquer razão, têm mais peso junto dos decisores finais (e graças a esse peso obtiveram mais verbas, pessoal, etc. do que necessitam); logo, no mundo real serão esses os sectores que serão menos afectados por cortes “pensados” e “analisados” – os seja, cortes “pensados” e “analisados” irão afectar sobretudo os serviços e sectores onde há menos desperdício.
Acabam por reduzir a despesa, se tal efectivamente acontecer – tarefa hercúlea neste país -, onde ela é mais precisa. Sabemos perfeitamente como funciona o Estado. Sabemos por que critérios se gere o Estado! Sabemos que tipo de gente ocupa os vértices decisoriais!
Surpreende-se ainda não se ter pensado em cortar, de forma profunda, o orçamento do Ministério da Defesa. Falta pouco para condenarmos os nossos soldados a defenderem-se, e defenderem-nos, com uma fisga e uma jangada.
Cortes cegos, é claro, é o melhor. Afinal, o pior que podia acontecer a qualquer um era ter um azar, ir para um hospital e o médico que devia atendê-lo ser um dos 10% que teria sido despedido. Ou que o médico que o atenda decida que uma das 15% das TAC que teria de cortar é a sua.
O despedimento da função pública, a par do que sucede no privado, é inevitável.
É a posição que Bagão Félix defende já há algum tempo. Também me parece ser a única forma de a coisa funcionar.
Arnaldo Madureira, como escreve deduzo que sabe ler. Ora leia lá outra vez esta parte se não for muito incómodo:
Uma coisa é certa, quanto mais baixo dentro da hierarquia do Estado estiver a decisão maior é o conhecimento dos potenciais desperdícios e/ou possibilidades de poupança.
Cumprimentos
???
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