O renascimento do Chiado

Há coisas engraçadas que sucedem por vezes numa cidade. É o caso do Chiado, em Lisboa, destruído há 20 anos, um estaleiro durante demasiado tempo e por fim um local a renascer. Quem apanhe, num Sábado qualquer, de preferência com sol, o metro e saia na Baixa-Chiado, fica surpreendido não só com a luz que inunda os largos do Chiado e de Camões, mas também com a quantidade de gente que por ali anda, a subir e a descer a rua, e a entrar e a sair das lojas. Ouve a música, a confusão das conversas, os sons de uma cidade normal que por vezes vive ao ar livre. Se passar pelos alfarrabistas da Rua Anchieta, pode ver os preços simpáticos e acessíveis que os livros têm; se for muitas vezes, converse com os livreiros e eles farão ofertas só para si. Encomende livros, troque impressões, regateie. Sente-se um gostinho especial quando se regateiam livros, ainda por cima na rua. Lanche num dos cafés, vá à FNAC que é melhor que a do Colombo, compre roupa, sente-se nas esplanadas, lanche por ali, não perca a Calçada do Duque, por cima da estação do Rossio; vá ao Rossio, mas não se afaste muito do Chiado que está agradavelmente desorganizado. Isto parece um texto turístico de há 40 anos, mas não. Escrevi-o ontem e, não fosse o computador, podia dizer que o tinha feito em cima do joelho.

Há três/quatro anos o Chiado era alternativo. Hoje, uma alternativa. Depois das obras, finalmente deixaram o espaço respirar e as pessoas estão a voltar. Devagar, muito devagarinho, são cada vez mais os que se arriscam a lá ir. E há uma diversidade enorme de gente, em tudo diferente da massa uniforme dos shopping centres. Deixo, pois, um apelo às autoridades camarárias: Não façam nada. Por favor, não se mexam. Deixem a ‘coisa’ ir andando, assim, ao sabor da vontade dos lisboetas. Não inovem, não ajudem, não tenham iniciativas, muito menos, boas ideias. Não façam obras. Deixem aquele sítio vir a ser o que a vivência humana fizer dele.

11 pensamentos sobre “O renascimento do Chiado

  1. André,

    Estive este fim-de-semana em Madrid e senti-me algo arrasado ao realizar, de facto, a total desertificação a que Lisboa foi votada. À excepção do Chiado, o resto da cidade fica sem vida ao fim-de-semana. Pelo contrário, em Madrid vês pessoas, movimento, trânsito, animação. Percebes que há pessoas que moram em Madrid e fazem mexer os bairros residenciais. Estes ganham vida, comércio e restauração. As lojas abrem Sábado o dia todo, não fecham à hora do almoço como por cá. A cidade tem vida.

    Lisboa anda a morrer e os nossos políticos andam a dormir…

  2. Quico

    “Deixo, pois, um apelo às autoridades camarárias: Não façam nada. Por favor, não se mexam.”

    O mesmo se aplica ao Porto.
    Há muitos anos que não se via a baixa do Porto tão animada como nos últimos anos. Isto apesar de Rio não ter “sensibilidade” nem “apoiar” às actividades “culturais” que, segundo os subsidio-dependentes do costume, combateriam a falta de vida e animação da cidade. Esta gente esquece que o que faz e dá vida ao núcleo uma cidade são as pessoas; não são as “intervenções” nem as “animações” artificialmente montadas. Deixam as estar à sua vontade para viver e trabalhar, e depois surpreendem-se como certas zonas parecem reanascer.

    E não fosse a criminosa lei das rendas e a não menos estúpida lei que proíbe a abertura de comercio ao Domingo, não havia razão para a baixa do Porto ou de Lisboa ficar a dever alguma coisa às grandes cidades europeias.

  3. “E não fosse a criminosa lei das rendas e a não menos estúpida lei que proíbe a abertura de comercio ao Domingo, não havia razão para a baixa do Porto ou de Lisboa ficar a dever alguma coisa às grandes cidades europeias.”

    hear hear

  4. agfernandes

    André
    Tem graça, também é um dos meus oásis lisboetas. A tal ponto que o recomendo aos amigos.
    Mas só reparei nesta minha predilecção quando insisti com uma amiga japonesa para aconselhar o Chiado, e o Fernandinho na Brasileira, a um grupo de japoneses com que ela tinha colaborado na Exposição de Filatelia na Expo. Mas vendo a sua resistência à ideia, que eles não teriam interesse, que eram outros os seus objectivos, fiquei espantada e secretamente furiosa. Só percebi a minha imposição quando o filho adolescente dessa amiga me conseguiu explicar: “A Ana quer impor o turismo cultural a japoneses que querem o turismo gastronómico! Eles querem conhecer os nossos vinhos, lá os bons vinhos são caríssimos, e são sobretudo franceses. Já foram a uma casa de fados e agora querem ir a restaurantes”. (Ups!)
    Ana

  5. Gonçalo,

    Infelizmente, pelo seu dinamismo, as cidades espanholas não servem de exemplo. Há uns anos estive uma noite em Saragoça e fiquei surpreendido por não encontrar uma rua vazia. Agora, no Chiado, naquele bocadinho, há uma certa animação diferente da que vemos nos resto da cidade.

  6. Carlos M. Fernandes

    A questão das rendas em Espanha não é exemplo para nenhum país, e as restrições à abertura do comércio ao domingo é ainda maior do que em Portugal. Há que buscar as razões noutros detalhes. E note-se que já no início do século XX alguns viajantes portugueses comentavam, com algum espanto, as enormes diferenças na vida urbana em Portugal e em Espanha.

  7. Lisboa anda a morrer e os nossos políticos andam a dormir…

    Pois o problema é que não andam a dormir. Se fossem dormir e ficassem quietinhos, a coisa ia.

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