A discussão entre Passos Coelho e Sócrates relativamente ao orçamento de Estado e a subida camuflada de impostos que o governo quer aprovar através do fim de algumas deduções fiscais, não se deve cingir ao orçamento. Ela deve ir bem mais longe que isso. Devido à situação calamitosa das contas públicas, nela deveríamos assistir a duas concepções sobre para que servem os impostos e quem os deve pagar.
Quando o Estado apresenta graves dificuldades para enfrentar a suas despesas é importante que o PSD não dê o tom apenas no combate à despesa, mas apresente a sua visão do que devem ser as receitas. Basicamente, e de forma muito simples, que o PSD diga ao país para que servem os impostos. Este ponto é fulcral no debate político, pois a maioria das vezes, o aumento de um imposto é acompanhado por uma explicação subjectiva: convencer os contribuintes a fazer isto ou aquilo; a agir de uma forma ou de outra; a fumar menos, ou a consumir menos gasóleo. Esta visão distorcida do que é um imposto deve ser posta de parte pelo PSD. Na verdade, um imposto não deve ser um instrumento de poder, exercido de forma a condicionar as escolhas dos cidadãos. O seu objectivo não é o de forçar as pessoas a viverem de acordo com o que os detentores do poder consideram importante. Os impostos não devem coagir comportamentos, forçar decisões, nem dirigir escolhas. Servem para financiar a actividade essencial do Estado, condicionando o menos possível a economia, a livre escolha dos cidadãos. Tão só e pouco mais que isto deve o PSD dizer na sua discussão sobre o orçamento de Estado para 2011.
Daqui parte toda uma diferente visão de Estado. Das suas tarefas e do seu papel. Colocar a função de um imposto nos termos certos, impede qualquer solução abusiva sobre a esfera privada dos contribuintes.
Impede também confusões sobre quem deve pagar os impostos. A resposta natural é que sejam os que têm capacidades para o fazer. Aqueles que conseguem pagar os impostos que servem para financiar as funções essenciais do Estado. Daqui retiramos os mais pobres, com pouquíssimos rendimentos, para quem o pagamento de qualquer obrigação tributária causa profundas consequências. Mas não concluímos que os mais ricos e a classe média empreendedora devem ser mais onerados que os restantes. Tributar em excesso a riqueza é convidá-la a ir-se embora. Ela e os investimentos que daí advém, os empresários que a criaram, os empregos que dela resultam. Uma vez mais, a tributação não pode ser condicionada, nem condicionante. Não deve punir, nem discriminar. Não pode onerar quem se esforça e arrisca; quem é mais inteligente ou mais trabalhador; mais organizado e diligente. Quem dá o melhor de si com vista ao sustento da sua família e ao seu próprio sucesso profissional.
Em Portugal quanto mais se trabalha e se ganha, mais papéis se preenchem e entregam. O tempo gasto nas repartições, o dinheiro que se paga a profissionais que o sabem fazer são formas escamoteadas de onerar quem tem sucesso. Tal só se evita com simplicidade fiscal. Menos burocracia. É indispensável que o PSD apresente também um programa sério e sustentado de simplicidade fiscal. Com um sistema mais simples e justo, são mais os que pagam dos que os que fogem, há mais receitas, mas menos esforço para quem cumpre. Enfrentar o PS e o seu dogma socialista nesta matéria não pode ficar de fora na discussão que ainda agora começou.
Excelente análise (nomeadamente quando afirma “Os impostos não devem coagir comportamentos, forçar decisões, nem dirigir escolhas. Servem para financiar a actividade essencial do Estado”).
No entanto merecia, na minha opinião, aprofundar mais a questão “sobre quem deve pagar os impostos”.
Aí parece-me haver uma certa contradição no que afirma:
– Por um lado “… retiramos os mais pobres …”;
– Por outro, “Mas não concluímos que os mais ricos e a classe média empreendedora devem ser mais onerados que os restantes”.
Como é que sugere resolver esta (aparente?) “quadratura do círculo”?
Penso que é necessário também analisar as diversas fontes de cobrança de impostos (trabalho, mercado de capitais, lucros das empresas, …) e o seu carácter nacional/local.
Por fim, penso que depreendo das suas palavras que é favorável a uma simplificação do sistema fiscal, algo que é defendido por muitos mas que nunca é levado à prática e que só contribui para uma maior opacidade do sistema.
Sócrates dizia há pouco nos noticiáros que caminhamos para a excelência, isto a propósito do número de ingressos no Ensino superior…
Isto se nos esquecermos de:
– Facilidade de progressão nos mais diversos níveis formativos, desde a primária até ao ensino superior.
– Das fragilidades formativas da maioria das nossas universidades e institutos superiores.
– Da oferta desregulada de cursos e vagas
– Da incapacidade do mercado de trabalho absorver os licenciados.
– Do sorvedouro de dinheiro empregue nestas ineficiências.
– Da falta de estratégia na elaboração dos planos curriculares ao não evidenciarem a necessidade de criar profissionais competentes e habilitados aos seus ramos de actividade como forma a elevar a qualidade das diversas prestações de serviços e actividades…
– Da ilusão criada nos jovens de que de facto a realização pessoal se atinge com a realização de um curso superior.
– Da falta de investimento em cursos técnico-profissionais o que a longo prazo levará à inexistência/insuficiência de, por ex, mecânicos, pintores, electricistas, etc de qualidade…
Um logro é o que o ensino superior actualmente é… e pior ainda… uma despesa das famílias e do estado que poderia ser direccionado para a efectiva criação de emprego.
É nisto que são gastos os nossos impostos…