Não é só a situação económica do país que se deteriora. Bem vistas as coisas, somos nós que estamos a viver pior. Somos nós, cada um dos constituem os milhões que somos, que temos vindo a empobrecer e vamos continuar a empobrecer nos anos que aí vêm. Com menos dinheiro, menos esperança e cada vez menos expectativas. O fenómeno do empobrecimento continuado do país, que não é mais que a degradação da nossa qualidade de vida, menos dinheiro na carteira, menos cuidados de saúde e pior ensino, começou no terceiro governo de Cavaco. Foi na legislatura do ‘oásis’, lembram-se? E continuou a desenrolar-se lentamente, caprichosamente, primeiro provocando um ligeiro incómodo que, esperava-se, passaria depressa, depois, acentuando-se, impondo-se e marcando definitivamente as nossas vidas.
Há quase vinte anos que estamos nisto. Vinte anos. Para mim e os da geração a que pertenço é mais de metade da vida. Chamam-lhes ‘os melhores anos’, os mais produtivos, mais criativos e originais. Para muitos, já eram. Vinte anos é demasiado tempo para continuar a viver o dia-a-dia da maneira definida pelos outros. Em muitos países, vinte anos é o necessário para se exigir uma atitude diferente.
É pena que o tempo passe tão depressa. Ainda ontem Guterres dizia que o país era um pântano e por isso se ia embora. Não se queria sujar. Sujámo-nos nós e sujos continuamos a chafurdar na lama à procura de coisa nenhuma. O tempo vai passando e se a geração dos 30/40 anos hipoteca os seus sonhos ou se vai embora, a que tem 20 e até para os miúdos com 10 anos de idade o futuro não se pode dizer que seja risonho.
Na década de 60, os portugueses, sem saber ler nem escrever, desistiam e emigravam. Hoje, letrados e licenciados parecem fazer o mesmo. Juristas, economistas, gestores, estudantes, professores, investigadores, até enfermeiros. Um autêntico êxodo. Quando gente instruída prefere ir-se embora a mudar de governo, fica-se com a impressão que o problema é de fundo. Não há nada mais desonroso para um país que o seu povo querer ir embora. África, Suíça, e para Londres, claro. Nos dias que correm, quem não tem um amigo em Londres, não existe.
e engenheiros 😉
Pois…Ficam os que ainda se aguentam em meia dúzia de empresas que tratam os trabalhadores com respeito ou têm um apego grande à família/terra onde vivem. Conheço um moço que recentemente saiu duma “grande” do software nacional conimbricense para prosseguir a sua carreira no UK. Situação cada vez mais normal para milhares de portugueses bem qualificados.
No alvo, André. Mas o fluxo não é apenas Portugal-Europa. Existem três fluxos. O primeiro é interno que leva licenciados do Porto, Aveiro, Coimbra, Braga para Lisboa e é resultado da crescente centralização. O segundo é o que referes: de Portugal para outros países europeus. Ainda há um terceiro que está a acontecer da Europa para as novas capitais dos países emergentes: Singapura, Shanghai e, claro, Dubai (até há uma lenga-lenga nas business schools sobre os alunos que desejam ter uma carreira de sucesso: “Singapore, Shanghai, Dubai, or say goodbye”). Para os portugueses acrescentam-se as possibilidades no Brasil e em Angola.
Desde que vim para o Dubai há exactamente 3 anos, já recebi inúmeros pedidos (na casa das dezenas) de antigos colegas de faculdade e trabalho a procurarem oportunidades. Seis deles já cá estão e mais 2 irão chegar no próximo mês.
Do grupo de amigos que acabou o curso comigo há 4 anos atrás, metade estão no estrangeiro e a outra metade espera por uma oportunidade de sair. O nosso primeiro encontro pós-faculdade teve que ser em Lisboa (apesar de termos todos estudado no Porto). O segundo, no ano passado, já foi dividido entre Londres e Luanda.
Está aqui só metade da história…
Também me parece que o povinho tem alguma culpa no cartório.
e engenheiros, claro. Como fui eu me esquecer dos engenheiros, António?
Carlos, obrigado pelo teu testemunho. Como fui dos que não saí (a família, como diz o Rxc, tem muito peso) e sou de Lisboa, conheço melhor os que vão para a Europa e Angola. Aliás, e isto vejo através do meu trabalho, são muitas as pequenas empresas portuguesas que até há 2 anos investiam em Portugal e agora estão de corpo e alma em Angola e Moçambique. É isso ou o fecho de portas.
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Sai a boa moeda mas entram os descamisados africanos que de acordo com a Lei da nacionalidade não esperam muito tempo para se sentar na mesa do orçamento.Quantos desde Guterres?Para quê?
Só um milagre salva isto da catástrofe.Mas cada vez é mais difícil acontecerem milagres…
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