Mais surreal do que a mal amanhada proposta de revisão constitucional do PSD é esta trapalhada que tem existido com as propostas para a legislação laboral. Introduzamos aqui alguma cronologia.
O PSD começou por informar o público que queria flexibilizar a legislação laboral; eu senti-me satisfeita.
Depois disso, concretizou a dita ‘flexibilização’ e veio apresentar uma inacreditável proposta para os contratos de trabalho a prazo, sendo que, muito flexivelmente, apenas se aplicariam aos novos contratos de trabalho e, no máximo, até 2015. A proposta teria como objectivo aumentar o emprego, algo que, como é sabido, depois de 2015 não vai ser necessário. Atraso aqui um pouco a apresentação cronológica, uma vez que esta proposta do PSD é tão absurda que merece umas linhas.
O mercado de trabalho em Portugal divide-se entre os have e os have not, entre aqueles que têm todos os privilégios, incluindo a segurança no emprego, e os que não conseguem passar de contratos a prazo sucessivos ou de recibos verdes ou de trabalhos temporários. Estes últimos pagam, em precaridade e salários mais baixos (é normal entrar numa empresa em funções mais longe do topo e com salários mais baixos do que quem já lá está há mais tempo e já mostrou o que vale), os privilégios de quem está efectivo. E é precisamente esta efectividade que é necessário dessacralizar, a bem da competitividade das empresas portuguesas e do crescimento económico. A proposta do PSD deixa intactos os direitos de quem tem o sistema na mão e pretenderia (se tivesse nexo) dificultar a vida a quem já paga a factura da sacrossanta efectividade alheia. Mas nem esta maior flexibilização dos contratos se entende. Depois de Bagão Félix, uma empresa podia ter um trabalhador durante até seis anos com contrato (três contratos de um ano e um contrato adicional de um até três anos); o PS resolveu dificultar a vida às empresas e desde o ano passado estabeleceu que, incluindo o contrato adicional, um trabalhador pode estar contratado a prazo até 3 anos; ora não é que o PSD pretende alargar o prazo em que se pode estar contratado de dois para três anos?! Que ganho é este que mantém os prazos e nem vai tão longe quanto Bagão Félix, esse expoente do ultra-uber-neo-liberalismo? Por outro lado, leio esta ênfase nos contratos de três meses, que também não entendo; se é certo que uma empresa não deve ser obrigada a empregar a mesma pessoa até à reforma – desde que esta não faça algo de tão grave (mas mesmo grave) que se consiga despedir por justa causa, e independentemente da qualidade da prestação dessa pessoa – também é verdade que não interessa a nenhuma empresa ter uma rotatividade alucinante e gastar recursos recrutando e formando trabalhadores para três meses. (Excluo os trabalhos efectivamente temporários, como embrulhar presentes no Natal ou servir às mesas no Verão em zonas de praia). Na realidade, muitas empresas têm maior rotatividade do que desejariam, uma vez que o risco de efectivar alguém é tão grande que as empresas só arriscam com os melhores. O regime dos contratos de trabalho a prazo necessita de algumas mudanças (já lá chego), mas nenhuma delas está na proposta do PSD – e esta contém propostas que não trazem qualquer benefício às empresas e aos trabalhadores; nem, obviamente, criam emprego.
Continuando a cronologia, depois desta proposta absurda para os contratos a prazo, o PSD veio descansar quem tinha medo que o PSD quisesse, de facto, alterar alguma coisa ao socialismo vigente: nada de liberalizar os despedimentos. Eu, por mim, fiquei esclarecida, e não necessitavam de reiterar a ideia.
Por fim, o PSD propõe – grande revolução! são uns malucos! – substituir na CRP a expressão ‘justa causa’ por ‘razão atendível’, algo que, claro, não muda nada, como o próprio Passos Coelho reconhece.
Como, confesso, depois de cinco estafantes anos socráticos, estou cansada do folclore e que me tomem por parva, preferia que o PSD assumisse o que pretende – manter a perenidade dos vínculos laborais -, não iludisse os crédulos fazendo-se passar por reformista onde é situacionista, e trabalhasse para facilitar a actividade das empresas portuguesas dentro deste quadro – porque há muito trabalho possível. Mais uma vez, se é para tudo ficar na mesma, poupem-me às greves e às indignações histriónicas da esquerda.
Em vez de se propor, falsamente, flexibilizar a legislação laboral, o PSD poderia assumir como prioridade eliminar as inúmeras burocracias impostas pela legislação actual (por exemplo, a necessidade de informar ou pedir autorização ao IDICT coisas tão corriqueiras – e frequentes – como o horário mensal de quem trabalha por turnos ou a isenção de horário de um trabalhador) eliminando os procedimentos ou aceitando como bom o que é negociado entre empresa e trabalhador; só estas ‘pequenas’ alterações significariam, em muitas empresas, colocar trabalhadores que se ocupam actualmente nestas minudências não produtivas em funções que, de facto, rendessem. O PSD poderia – e esta sim seria uma alteração louvável para o regime dos contratos a prazo – determinar que um contrato a prazo se justifica apenas pela vontade das duas partes, não necessitando de se ir buscar um suposto acréscimo extraordinário da actividade da empresa ou qualquer outra desculpa que isente uma empresa de colocar com contrato sem termo um trabalhador que ainda não sabe o que produz (ou, por vezes, destrói). Poderia alterar a forma dos processos disciplinares, simplificando-os. Poderia desobrigar as empresas do pagamento do ordenado de um trabalhador (se não fizer prova de que este trabalhou noutro local, o que pode não conseguir) enquanto decorre em tribunal, lentamente, durante anos, a contestação a um despedimento. Poderia alargar o conceito de justa causa de forma a incluir a incompetência ou a incapacidade para cumprir as funções atribuídas (algo que, de resto, o PS socrático chegou a propor e não poderia rejeitar). Poderia retirar da lei o tratamento preferencial ao trabalhador pelos tribunais (basta o tratamento justo às duas partes). Poderia reestabelecer os vinte e dois dias úteis de férias. Enfim, a legislação actual é tão estúpida que só com a eliminação de ‘pequenos’ disparates se daria uma ajuda incomensurável às empresas e à produtividade em Portugal. E sim, falo de empresas; os empresários e os gestores são quem pode dar forma ao espírito de uma lei que pretenda ajustar-se às necessidades das empresas (ainda que não liberalize os despedimentos); a receita para uma má lei é precisamente entregar-se o conteúdo da proposta aos juristas e especialistas em direito do trabalho.
Mas, claro, isso implicaria que o PSD actual trabalhasse com factos e não para a imagem. E, já que referi a imagem, uma última sugestão para o PSD – que claramente precisa, tendo em conta que as propostas apresentadas quer para a revisão constitucional quer para o regime dos contratos a prazo foram elaboradas em cima do joelho: talvez fosse melhor o profissionalismo ser dedicado mais à proposta de políticas do que à promoção da imagem do líder e às massagens aos egos da comunicação social para se ter boa imprensa. Mas isto sou eu, que estou mais preocupada com o país (e a minha empresa e as cinco dezenas de pessoas que lá trabalham) do que com a possibilidade do PSD tirar a barriga de miséria de quase quinze anos sem tachos estatais.
(Excepcionalmente também publicado n’ O Cachimbo de Magritte.)
quando ppc tremeu c a famosa pergunta d clara d sousa eu próprio fiquei esclarecido.. E pior fiquei c a frase das posicoes abertas, q poderia entrar no anedotário portuga..
Infelizmente, o tipo de mensagem que aqui expõe nunca chega aos nossos políticos. Parece haver nos partidos, neste caso o PSD, uma massa enorme de pessoas à espera de privilégios e à qual é impossível escapar. Se tiver essa possibilidade, tente que esta mensagem chegue a PPC. É que o país não aguenta muito mais.
Pois é, parece que ainda não é desta que a Maria João pode ameaçar com o olho da rua os seus “colaboradores” que pretendam ter uma vida pessoal…
Ana Dias, V. é parvinha todos os dias ou só quando lê blogues?
🙂
No programa eleitoral do PSD nas últimas legislativas havia uma boa medida em matéria laboral: liberalizar os contratoz a termo, permitindo que os empresários e trabalhadores pudessem fixar livremente a duração do contrato. A medida teria várias virtudes: para além de diminuir os riscos e custos de contratação de trabalhadores por parte dos empregadores, num cenário de desemprego galopante, a liberalização da contratação a termo poderia servir para diminuir o número de desempregados, permitindo, em especial, àqueles que são mais velhos – e que têm mais dificuldades em ser contratados por medo dos empregadores de que venham a adoecer – ser mais facilmente contratados. Infelizmente, Passos Coelho parece que deitou borda fora a ideia.
E o que é que faz em vez disso? O que habitualmente se faz em Portugal: muda o nome aos bois, utilizando o conceito de “razão atendível” em substituição do termo “justa causa”. Ora, como o post diz, o candidato já veio dizer que não há qualquer mudança em matéria de facilidade de despedimento. Continua tudo na mesma, portanto, apenas o nome muda. Ora bem: então por que raio é que se altera a constituição? E se se quer mexer no despedimento por que raio é que não se mexe directamente no código de trabalho, alterando as alíneas que prevêem as causas de despedimento, bem como a cláusula geral (nomeadamente, deixando-se de prever que o despedimento exija a culpa grave do trabalhador, o que permitiria, desde logo, despedir o trabalhador que, embora incompetente, faz “o melhor que pode”).
Isto para quem é empresário ou para quem, sendo jurista, tem alguma ideia de como funciona a sua aplicação pelos tribunais, é razoavelmente evidente. É por isso que tanto me irrita solenemente que a esquerda se junte em uníssono a rasgar as vestes contra o neo-ultra-uber-liberalismo e contra os pseudo-liberais que, não percebendo o alcance dos resultados das propostas do PSD, acabam por fazer um figura triste a defender propostas que, na sua natureza, são tão ou mais socialistas do que as normas que a constituição prevê.
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