Na sua última edição, a The Economist publicou um artigo argumentando que “fairness” é “uma má ideia”. No editorial, pode ler-se que, ao usar o argumento de que os cortes que tem promovido são “duros” mas “justos”, a coligação que governa o Reino Unido comete um grande erro. Segundo a revista, a palavra “fair” é demasiado vaga (“to one lot of people, fairness means establishing the same rules for everybody, playing by them, and letting the best man win and the winner take all. To another, it means making sure that everybody gets equal shares”), devendo ser preterido em prol de palavras que “dizem o que querem dizer”. No blog Tory Diary, Tim Montgomerie critica o argumento da The Economist, perguntando “why should Labour have all the best words?“:
“It’s fair enough for The Economist and the IEA to have their intellectual arguments but politicians need to live in the real world. Defining ourselves against social justice (as some Tory MPs have advised) or fairness is electorally stupid. Conservatives need to dominate the whole political stage and that means breaking Labour’s monopoly in certain policy areas – and also defining ourselves on new ways. Defending capitalism/ conservatism as efficient and empowering only persuades so many. Making the case that capitalism/ conservatism is also fair and socially just seems like common sense to me.”
Montgomerie, parece-me, tem toda a razão. Não é que a Economist esteja errada ao dizer que o termo “fairness” (como o termo português “justiça”) é demasiado vaga, que tem dois sentidos incompatíveis um com um outro, e que um desses sentidos (o de que “justiça” é haver pouca desigualdade) nada tem de justo. Mas argumentar que os políticos que queiram promover reformas liberais ou liberalizantes devem abdicar de usar palavras como “fairness” ou justiça demonstra uma profunda incompreensão acerca, não tanto de como a política, o jogo político, funciona, mas acerca de como o cérebro humano (dos eleitores) funciona.
Políticos e seus conselheiros tendem a ver o eleitorado como um corpo definido de opiniões: algumas pessoas inclinam-se para a “esquerda”, algumas para a “direita”, e depois há um número grande de eleitores “moderados”, que se situam no “centro” do espectro político. Cometem o erro de verem estes eleitores “centristas” como pessoas com opiniões políticas claramente definidas, embora “moderadas”. Pensam que os eleitores “centristas” estão tão certos das suas opiniões como os eleitores de “direita” e de “esquerda”, e que a única diferença entre estes diferentes tipos de eleitores é a de que os “centristas”, sendo menos “extremistas”, são “captáveis”, podem ser “ganhos” se os políticos forem ao encontro dos seus desejos e lhes oferecerem um conjunto de políticas que as sondagens lhes dizem que eles querem.
O problema está em que os eleitores “centristas” não são uma espécie de versão “intermédia” dos seus concidadãos mais “extremistas”: eles são realmente diferentes. Ao contrário destes últimos, os eleitores “centristas” não têm opiniões políticas firmemente definidas: no seu livro The Political Brain, Drew Westen mostra como os eleitores alinhados interpretam toda e qual informação à luz das suas crenças já definidas (mesmo que sejam contraditórias), e como os eleitores “voláteis” mudam a sua escolha política, não porque estejam “no meio” do espectro político e os partidos ajustem as suas políticas às suas preferências medianas, mas antes porque, não tendo um corpo rígido de convicções políticas, orientam as suas opções eleitorais de acordo com outros critérios, como a sua simpatia pelos líderes partidários, a percepção que têm da competência destes últimos, da sua honestidade, ou apenas e só porque acham que o “novo chefe” é “diferente” do “velho”.
As coisas tornam-se ainda mais complicadas pelo facto de esses eleitores volatéis nem sequer saberem o que querem: Malcom Gladwell conta a história de Howard Moskowitz, um psicofísico americano (ou seja, uma pessoa que estuda as respostas sensoriais a estímulos físicos) descobriu que o recurso a focus groups na indústria alimentar, em que as pessoas eram questionadas acerca de, por exemplo, qual o tipo de molho de tomate que preferiam, era contraproducente, pois as pessoas não sabiam dizer o que queriam antes de o provarem. Isto não acontece apenas na indústria alimentar: num dos seus livros, Gladwell mostra como uma boa razão para os homens não saberem o que as mulheres querem é que elas próprias também não sabem: Sheena Iyengar e Raymond Fisman, dois professores da Universidade de Columbia, nos EUA, realizaram um estudo acerca de como as descrições de mulheres acerca daquilo que procuravam num homem (ou seja, aquilo que elas pensam que procuram) não correspondia às características reais dos homens que “escolhiam”. E diversos estudos sobre comportamento eleitoral mostram como os eleitores exibem uma “polifasia cognitiva” ou seja, a capacidade de terem duas opiniões contraditórias entre si, sem terem noção disso.
Isto não quer dizer que as sondagens e os focus groups sejam irrelevantes. Apenas que o seu propósito deve ser outro que não o de escolher quais as políticas a apresentar ao eleitorado. E aqui voltamos ao argumento da The Economist: como demonstra o especialista em sondagens Frank Luntz, algumas palavras provocam respostas mais positivas e outras palavras respostas mais negativas, e a única forma de saber quais usar será testando-as. Se o “cérebro político” dos eleitores “voláteis” responde positivamente a palavras como “fairness” ou “justiça”, não faz sentido que os políticos não usem essas palavras. Políticos que queiram promover reformas liberais não devem abdicar de tais palavras só porque elas têm sido associadas a políticas “socialistas”. Antes devem procurar associá-las às suas ideias, fazendo as pessoas perceber que nada há de “fair” ou “justo” naquilo que os socialistas defendem. O uso de tais palvras não significa (ou não deve significar) que os políticos abandonem as suas convicções. Apenas deve ser o resultado de uma tentativa de tornar as suas ideias mais apelativas ao volátil cérebro político dos eleitores.