Em Wagner: Vida e Obra (Wagner: His Life and Music), Stephen Johnson escrutina a biografia do génio de Leipzig tendo como mote a sua polémica personalidade e as suas ideias, tão perversas como, por vezes, inescrutáveis, e que ficaram registadas em diversos textos. Nalguns desses escritos estão expostas as contradições e execrações de Richard Wagner, mas não apenas no conteúdo, pois a forma também reflecte o carácter duvidoso do autor, como se pode ler no episódio transcrito em baixo, relatado por Johnson. O estilo da pena de Wagner seguia, com aparente convicção, uma certo modo de “comunicar”, popularizado por Hegel, entre outros, que não é muito amigo da clareza. Mas o carrasco da Grande Ópera não foi uma personagem linear. Por isso, não nos surpreende que tivesse a capacidade de rir de si próprio. Eu talvez não me atrevesse a utilizar expressão “lampejos de humildade”, porque, afinal, a gargalhada e o comentário podem ser a apenas o reconhecimento de que, também ele, tomava os seus leitores por parvos. Mas saber rir é uma virtude, e, infelizmente, os cultores do jargão costumam levar-se demasiado a sério (ou disfarçam muito bem).
Como demonstração da evolução das suas ideias inovadoras, os escritos de Wagner podem ser muito elucidativos, mas raramente são de fácil leitura. Isto resulta em parte do facto de ter um estilo literário que tende a deixar-se enredar no tipo de linguagem inebriante e confusa que torna tão difíceis de ler os escritos do pioneiro alemão da filosofia da História, Georg Wilhelm Hegel. Do mesmo mal enfermam os trabalhos de tantos admiradores de Hegel da primeira metade do século XIX — um período magistralmente definido por um escritor moderno como “os anos loucos da filosofia”. Mas também neste aspecto Wagner era capaz de lampejos de humildade: uma vez, ao ler em voz alta passagens de uma obra filosófica que lhe incendiava o entusiasmo, Wagner viu-se questionado por um amigo — que queria dizer tudo aquilo? Wagner fez uma breve pausa e soltou uma grande gargalhada, acrescentando: “Sabes uma coisa? Não faço a mínima ideia!”.
Stephen Johnson, Wagner: Vida e Obra
Não deixa de ser curioso que, a partir do Outono de 1854, Wagner passasse a estar sob a influência de Schopenhauer (o qual, já nos anos 1840, não se inibiu, apontou o dedo à filosofia de Hegel e disse: o rei vai nu). Ainda bem. Foi a partir do seu contacto com a filosofia schopenhaueriana que o compositor rompeu, revolucionou, e deixou marcas sublimes. Não é que a sua obra anterior seja apenas fogo-fátuo hegeliano, muito pelo contrário; a genialidade de Wagner estava muitos furos acima dessas vaidades. Mas sem o contacto com as ideias de Schopenhauer hoje não teríamos Tristão e Isolda, e o Anel teria seguido um rumo completamente diferente.
(Birgit Nilsson canta Liebstod, o final de Tristão e Isolda)