A Constituição e o comunismo

Alberto João Jardim ateou fogo ao debate político quando sugeriu extinguir o comunismo na próxima revisão constitucional. Jardim erra porque as ideologias não se extinguem por decreto, nem se proíbem no papel. As ideologias morrem, e desaparecem naturalmente, quando caem em descrédito.

Que o comunismo é igual ao fascismo e ao nazismo, que é igual ser da extrema-esquerda ou da extrema-direita devia ser óbvio e aceite por todos. Os factos provam à exaustão como as ideologias totalitárias do século XX têm as mesmas fontes, os mesmos vícios e partilham dos mesmos pecados. Infelizmente, há ainda muitos políticos e ditos líderes de opinião que se deixaram em tempo seduzir pelas ilusões dos amanhãs que cantam e que sentem, talvez por vergonha, dificuldades em acertar contas com o seu passado político.

Depois da queda do Muro de Berlim, Vaclav Havel dizia com orgulho nunca ter sido comunista. Admiremos, pois, homens assim. Sem passados ideologicamente tenebrosos.

21 pensamentos sobre “A Constituição e o comunismo

  1. José Barros

    À semelhança do que aconteceu com o Gabriel Silva, este post parte de um pressuposto errado.

    O que Jardim disse foi textualmente o seguinte: não vê quaisquer razões para que uma democracia consagre a proibição constitucional de organizações fascistas. E acrescentou que, se, por acaso, se pretendesse manter a proibição, então que a mesma devia também abranger os totalitarismos de esquerda.

    Ou seja, Jardim defende a mesma posição do André. Só acrescenta a segunda parte no pressuposto de que os partidos não partilhem do seu ponto de vista de que a proibição deve ser abolida.

    O que torna as declarações do líder regional correctas. A proibição deve deixar de existir porque viola as liberdades de associação e de expressão. Mas, a existir, tem de existir para os vários tipos de totalitarismo, sob pena de violar o princípio da igualdade. Nada mais correcto, como se vê.

  2. Já não me recordo se ouvi as declarações de AAJ ou apenas o comentário do jornalista mas fiquei com a mesma impressão do AAA.

  3. “Admiremos […] homens [s]em passados ideologicamente tenebrosos.”

    Acho muito bem! Mas faço notar que há por aí muitos homens com passados ideologicamente tenebrosos que são atualmente muito admirados… Pacheco Pereira, por exemplo… e Durão Barroso… e mulheres também – a Zita Seabra…

  4. OLP

    A suposta proibição do comunismo que teria sido feita por AJJ é a interpretação (abusiva) feita por meia dúzia de jornalistas todos eles certificados nas Novas oportunidades, das palavras de quem as proferiu.
    De resto teve o cuidado de dizer que considerava a democracia éticamente tão superior que não deveria precisar de proibição nenhuma, (nem de fascismos nem de comunismos).
    Entre muita patacoada que AJJ costuma dizer esta foi das poucas acertadas.
    Por isso, ou talvez, porque muitos “jornaleiros” achem-se filólogos e hermenêuticos, cadeiras aliás muito frequentes na Novas Oportunidades, se passou á discusão do que ele não disse.

  5. Será melhor ler esta noticia do DN que contém entre aspas a citação de Jardim (que espero eu o jornalista saiba citar correctamente):
    “a democracia não deve tolerar comportamentos e ideologias autoritárias e totalitárias, não apenas de direita, caso do fascismo, esta expressamente prevista no texto constitucional em vigor, como igualmente de esquerda, caso do comunismo”.

    AJJ faz realmente a comparação entre ambos os regimes mas a sua conclusão é que se deve proibir o comunismo e não permitir o fascismo. A interpretação não me parece abusiva, apenas omitiram a comparação com o fascismo.

  6. Click to access Proj%20Res%20REV%20CONST.pdf

    pag 7:

    “- o esclarecimento de que a Democracia não deve tolerar comportamentos
    e ideologias autoritárias e totalitárias, não apenas de Direita – como é o caso
    do Fascismo, esta expressamente prevista no texto constitucional – como
    igualmente de Esquerda – como vem a ser o caso do Comunismo, não previsto
    no texto constitucional – assim se justificando a devida referência a ambas as
    ideologias no art.º 46º, n.º 4, e no art. 160º, n.º 1, al. d), da CRP;”

    pág 11:

    Artigo 4º
    O n.º 4 do artigo 46º da Constituição passa a ter a
    seguinte redacção:
    “4.Não são consentidas associações armadas
    nem de tipo militar, militarizadas ou
    paramilitares, nem organizações racistas ou que
    perfilhem qualquer ideologia totalitária ou
    autoritária contrária ao Estado de Direito
    Democrático”.

    pág 15:

    “Artigo 13º
    A alínea d) do n.º 1 do artigo 160º da Constituição
    passa a ter a seguinte redacção:
    15
    “d) Sejam judicialmente condenados por crime de
    responsabilidade no exercício da sua função em
    tal pena ou por participação em organizações
    racistas ou que perfilhem qualquer ideologia
    totalitária ou autoritária contrária ao Estado de
    Direito Democrático”

    Na proposta de revisão constitucional o PSD/Madeira não fala em incluir o comunismo – o que faz é substituir “ideologia fascista” por “qualquer ideologia
    totalitária ou autoritária”; no entanto no preambulo fala claramente no comunismo, e toda a conversa é no sentido de alargar a proibição.

  7. Fernando S

    As declarações que fez hoje em Beja são ainda mais claras e vão no sentido do que dizem o José Barros e o OLP :

    “[] o ideal é não pôr lá nada … a Constituição não deve ter proíbições, entre as quais as de ideologias … Não gosto que se proíbam ideologias … a democracia é suficientemente robusta … não tem que ter medo … nem tem necessidade de proibir qualquer ideologia … [Mas] já que [a Constituição Portuguesa] quer ter uma proibição … [então] ponham totalitarismo … estão proibidas as ideologias totalitárias … aqui cabem os fascismos de direita e os fascismos de esquerda … é mais claro em relação ao regime democrático …”

    http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1310199&seccao=Madeira

  8. Mas Fernando, a mim não me interessa o que ele diz. Interessa-me o que ele escreveu (ou mandou escrever) na proposta de alteração constitucional.

    O Socrates também diz que vai gerar mais riqueza, o que me interessa é que cada dia que passa inventa uma maneira nova de me ir ao bolso. Palavras há muitas!

  9. Fernando S

    Nuno Branco,

    A mim também me interessa o que ele diz … De resto é normalmente o que ele diz que escandaliza meio mundo !…

    Sinceramente, não percebo bem qual é a sua posição (mas é provavelmente apenas uma dificuldade minha).

    De qualquer modo, quanto ao que ele escreveu, acho muito bem que tenha proposto acrescentar o comunismo ao fascismo.
    Quanto mais não seja, relançou a discussão sobre esta parte vergonhosa da Constituição, o que ja é positivo.

    Dito isto, a minha posição pessoal (não sei se lhe interessa ?…), é a de que a Constituição não deve proibir qualquer ideologia, seja ela fascista, comunista ou outra !

  10. Lilium

    O principal problema deste país é a falta de educação. Ninguém que viva (e continue a querer viver) numa democracia pode concordar com a proibição de qualquer ideologia politica. Esse é um paradoxo muito importante das áreas da filosofia: a liberdade de opinião permite que qualquer pessoa tenha a ideologia que quiser. Se isso é proibido, não se vive numa democracia e ponto final.

    Ponto dois, parece-me que é preciso umas aulinhas de história no que toca ao comunismo. Lá porque alguém se considera comunista, não quer dizer que na realidade o seja… Se prestarem bem atenção ao dito “comunismo” russo e a sua ditadura, podem ver que as politicas aplicadas pelo Staline eram socialistas e capitalistas, e que mais de dois terços dos membros do partido comunista sairam do partido porque não concordavam com o que ele pretendia fazer.

    Mesmo assim, o que mais me choca é a ingratidão que há com os comunistas. Acham muito interessante terem estas oportunidades, de escrever sobre o que pensam, mas esquecem-se que se não fossem os comunistas não teriam essa oportunidade. É uma ingratidão por todas as pessoas que foram torturadas e mortas para que hoje possam ter este beneficio.

  11. as politicas aplicadas pelo Staline eram socialistas e capitalistas

    Lili, tente explicar isto se puder e, entretanto, fazer a quadratura do círculo.

    se não fossem os comunistas não teriam essa oportunidade.

    Se não fossem os não-comunistas, é que não teria mesmo essa oportunidade Lili.

  12. José Barros

    mas esquecem-se que se não fossem os comunistas não teriam essa oportunidade – Lilium

    Se um movimento fascista ou nazi fizer oposição a um governo comunista como o cubano ou o da coreia do norte e for bem sucedido nessa luta tal significará que os cubanos ou coreanos devem a liberdade aos fascistas ou aos nazis?

    Se prestarem bem atenção ao dito “comunismo” russo e a sua ditadura, podem ver que as politicas aplicadas pelo Staline eram socialistas e capitalistas – Lilium
    .
    Os regimes nunca ideologicamente puros, pelo que, tanto quanto as ideologias, importa analisar as suas práticas e ver, em particular, quem com elas é conivente. O partido comunista português sempre foi estalinista e só muito recentemente reconheceu alguns erros de percurso na revolução soviética. Para rematar, ainda que houvesse alguma demarcação ideológica por parte do PCP – que nunca aconteceu, nem acontecerá – basta lembrar que as purgas começaram com Lenine.

  13. OLP

    Essa (desculpem-me o termo) patacoada de dizer que se não fossem os comunistas não estaríamos aqui beneficiados pela liberdade de tudo poder dizer e fazer é pior armadilha mental e a mais bacoca que se propaga.
    Sendo verdade que foram os opositores ao regime fascista anterior de forma mais profícua o desiderato da sua luta era precisamente a não implantação da democracia representativa e plural, antes pelo contrario.
    Para isso vidé declarações de Alvaro Cunhal em 75 que afirmava a pés juntos que eleições parlamentares eram para esquecer. Ele ainda acreditava de o Politburo Soviético/Comunista o apoiaria,mesmo depois de ter passado para a sua área de influência as ex-colónias o apoiaria na instalação da ditadura do proletariado no jardim á beira-mar.
    Devemos sim esta liberdade a quem internamente e não só fez frente a este desígnio e não permitiu tal e não aos comunistas.

  14. Pinto

    Lilium,

    Ninguém que viva (e continue a querer viver) numa democracia pode concordar com a proibição de qualquer ideologia politica.

    Mas a nossa Constituição proibe, (unicamente), a ideologia fascista.

    a liberdade de opinião permite que qualquer pessoa tenha a ideologia que quiser. Se isso é proibido, não se vive numa democracia e ponto final.

    Por isso é que muita gente em Portugal (conotada como gente de direita) advoga a remoção da última expressão do nº 4 do art 46.º da Constituição. Assim: “Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.”

    Lá porque alguém se considera comunista, não quer dizer que na realidade o seja…

    ?

    Se prestarem bem atenção ao dito “comunismo” russo e a sua ditadura, podem ver que as politicas aplicadas pelo Staline eram socialistas e capitalistas

    Ah, já percebi o que quer dizer: lá por alguém se dizer comunista, não quer dizer que siga o “Manifesto Comunista” à letra. Idem para o fascismo. Mas o grande problema prende-se com a falta dos principais pilares de democracia e as atrocidades cometidas em nome dessas ideologias.

    Mesmo assim, o que mais me choca é a ingratidão que há com os comunistas.

    ??????????????????????

    Acham muito interessante terem estas oportunidades, de escrever sobre o que pensam, mas esquecem-se que se não fossem os comunistas não teriam essa oportunidade.

    Não se está a referir ao 25 de Abril, pois não? É que esse foi, até ver, executado por militares. O que o comunismo fez nesse período compara-se ao que faz uma sanguesuga quando encontra uma ferida no nosso corpo: foi aproveitar a ruptura provocada pela acção militar para se tentar alimentar. O comunismo tentou apoderar-se do poder e instaurar um regime totalitário comunista, à imagem da ex-URSS, desrespeitando os resultados eleitorais das eleições realizadas no dia 25 de Abril de 1975 e os principais valores democráticos. É bom ir ler um pouco sobre as “nobres” práticas do COPCON (uma espécie de polícia política do regime comunista que vigorou desde Julho de 1974 até 25 de Novembro de 1975) e as declarações “democráticas” de Vasco Gonçalves em vésperas de eleições.

    No dia 25 de Novembro voltaram a ser os militares, sob as ordens de Ramalho Eanes, a restaurar a democracia no nosso país. Ao comunismo não devemos nada, excepto o facto de terem tentado incluir Portugal nos países do Bloco de Leste e no Pacto de Varsóvia.

  15. Acção Directa

    Lolololol. Pena os tais 20% fracturados do pósmarxismo não terem conhecido o socialismo democrático real…eu vivi na DDR. Pois. Logo sou reaça. Mesmo assim AJJ tem o mérito de relançar a discussão sobre uma Constituição bem pouco democrática. O resto, deixe-se andar e falar toda a gente. Mesmo se sei que Liberdade e Democracia pouco costumam rimar.

    Spartakus.

  16. Pingback: cinco dias » O óbvio alucinado

  17. “A Ignorância é atrevida”, ditado popular
    Comparar a ideologia, pessoas e papel histórico de Comunismo e Nazismo é Ignorância, ou na pior das hipóteses, uma tentativa deliberada de enlamear a primeira… Percebe-se no actual contexto essa tentação…

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