O enigmático Jean-Baptiste Colbert, ministro da economia de Luís XIV, não suportava a Holanda. Um pequeno país, com muito menos habitantes que a França, mas bastante mais rico. Os holandeses eram aquilo a que agora tanto se chama de empreendedores: iam buscar as diferentes matérias-primas a vários países, que depois vendiam aos interessados. Eram comerciantes bem sucedidos.
Foi precisamente a razão desse sucesso que Colbert nunca compreendeu ou, percebendo, nunca conseguiu explicar ao Rei Sol. Este julgava que bastava conquistar Amesterdão para lhe tomar as riquezas. Se Colbert sabia (uma novidade à época) que a paz era mais propícia à criação de riqueza que a guerra, não foi capaz de convencer o Rei desse facto. As guerras foram intermináveis e os resultados naturalmente pobres. Pobres não apenas por a França não ter ficado com os dinheiros holandeses, mas também na medida em que Colbert jamais aprendeu o segredo dos Países Baixos. Para tal, bastava-lhe ter olhado para o quadro que está ao lado.
Wedding portrait of Isaac Abrahamsz and Beatrix van der Laen, foi pintado por Frans Hals em 1622. Isaac era um homem culto, um mercador bem sucedido e imensamente rico. Vivia em Haarlem e falava fluentemente russo depois de ter estado naquele país entre os 13 e os 21 anos. Aos 35 casou com Beatrix e encomendou este quadro que reflecte a originalidade de Isaac e também, podemos dizê-lo dos Países Baixos. Isaac não quis que o retrato do seu casamento aparentasse a formalidade e dignidade falsas, tão em voga no século XVII, mas a simplicidade e espontaneidade de um casal que se ama e não se refugia nas aparências. Eles mostram-se como aquilo que são: Um casal rico, amável simples e despretensioso. O sorriso de ambos e a mão dela em cima do ombro e a dele pousada no coração, são reveladores. O cardo junto de Isaac simboliza a fidelidade masculina. A originalidade era tão ousada quanto a pouca deferência que a posse dos dois suscitava. A comparação da afabilidade destes comerciantes com a frieza dos dois governantes referidos nos parágrafos anteriores é atroz e reveladora.
É reveladora e denuncia-nos uma verdade tantas vezes escondida: Que as aparências enganam de facto e de forma perene. Ainda hoje, do homem que detém o poder esperamos compreensão e discernimento normais naqueles que devem zelar pelo interesse comum. Do comerciante, aguardamos a tibieza e secura dos que procuram o proveito próprio. Sucede que o quadro e a história mostra-nos algo diferente. Que Colbert nunca viu homens nem mulheres, apenas números, principalmente quando lidava com a saúde frágil dos condenados e escravos dos navios franceses. Já Isaac trabalhava com números, mas vendo além deles reparava na beleza humana. Por isso, nunca quis aparentar o quer que fosse de diferente dele próprio. O preconceito já o fazia por ele. Talvez ainda o faça.
Para muitos a vida é um palco em que engana quem quer e quem disso necessita, como Isaac nunca precisou. Esse é o segredo que alguns guardam e que por vezes nos revelam da forma mais inesperada.
Excelente texto.
Muito, muito, muito, muito bom! (referi o muito?)
André, um quadro!? Olha que ainda estragas a reputação dos Insurgentes-Filisteus!
Actualmente a Holanda não é exemplo para ninguem. Não faz sentido um pais importar toda a água que bebe. O excesso de população exerce pressão ambiental lá longe, noutros continentes.
Óscar Máximo,
a Holanda importa toda a água que bebe? Como? Por quê? Imposta-a por canalizações ou engarrafada? E de onde a importa?
Excelente, o texto, o quadro, decerto o pintor e a mensagem que este post traz. Parabéns.
Obrigado a todos.
Carlos, a reputação do Insurgente é enganadora…
Muito bom. Já sei já foi dito. 🙂
Bom texto. Mas a tal idílica Holanda é exactamente aquela, do século XVII que contra Portugal moveu uma autêntica guerra de extermínio e que fazia distribuir em toda a Europa, capciosas justificações morais para as atrocidades cometidas contra nós. A tese era a seguinte: “… os portugueses são devassos, debochados e imorais, porque se misturam e fornicam com animais”… Animais que eram, claro está, os índios brasileiros, os pretos africanos, os indianos, os chineses e os malaios. Oescabroso racismo calvinista que foi a perfeita réplica da sempre denunciada inquisição, criou um certo estado mental que levaria à própria extinção da presença cultural holandesa no mundo. A Holanda fez a guerra, pirateou até mais não – Portugal e Espanha que o digam – para depois ser reduzida à insignificância por uma Inglaterra que dominou o planetao durante dois séculos. essa é a verdade. A ser assim tão benfazeja e nem sequer falando da “herança boer”, apenas uma questão:
– Sendo Portugal “um fracasso” conhecido, porque razão o holandês é uma língua absolutamente nula em termos mundiais, enquanto o português é a terceira língua europeia? Porque razão tendo dominado o vasto arquipélago indonésio durante quatro séculos, jamais conseguiu sequer impor a língua?
No entanto, belo quadro.
Excelente texto
Obrigado pela partilha.
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