Na Quadratura do Círculo desta semana falou-se, um pouco devido à presença de Manuel Alegre, da possibilidade de independentes concorrerem nas legislativas. António Costa falou da introdução de círculos uninominais, argumentando, julgo que com alguma razão, que estes são uma condição necessária à candidatura de independentes. No contexto de uma sondagem, por ocasião do aniversário do 25 de Abril, em que a esmagadora maioria dos portugueses se mostra insatisfeita com os partidos, e na óptica de uma frustração com a qualidade da nossa democracia, o tema dos independentes foi também abordado no Expresso da Meia-noite de ontem; falou-se mesmo da questão de uma mudança do actual regime semi-presidencialista. Ou semi-parlamentar, como argumentou Rui Oliveira e Costa.
O nosso sistema parece ter as desvantagens dos sistemas presidenciais e parlamentares, sem capitalizar nenhuma das suas vantagens. Particularmente, os círculos eleitorais que existem, alguns com dezenas de deputados, afastam de forma terminal os eleitores dos eleitos. A ideia, formalmente errada, de que nas legislativas se escolhe o primeiro-ministro, ajuda a esse afastamento. O presidencialismo permite que o chefe do executivo seja escolhido directamente, facilita a separação de poderes entre o orgão legislativo e o executivo; e possibilita que as eleições legislativas sejam verdadeiramente dedicadas à escolha de um orgão de representação directa. Assim sendo, a existência de círculos uninominais ganha ainda mais importância, criando uma relação directa entre eleitor e eleito. Cresce também a responsabilidade do eleito, que será, sem margem para dúvidas, representante de todos os “constituintes”, mesmo os que não votaram nele. A garantia de proporcionalidade pode ser obtida através de um círculo nacional adicional, ou eventualmente com um parlamento com duas câmaras. A possibilidade de independentes concorrerem nos círculos uninominais surge naturalmente neste contexto. Qualquer cidadão deveria ser livre de aceder a qualquer função política de eleição directa, sem necessitar de ser nomeado por um partido. No limite, embora com reduzidas hipóteses de sucesso, até ao de chefe do executivo.
“a existência de círculos uninominais […] [cria] uma relação directa entre eleitor e eleito”
Que relação direta pode haver entre um eleitor do CDS e um eleito comunista?
O eleitor do CDS bem pode escrever diretamente uma carta ao eleito comunista, mas será tempo perdido, estarão a falar línguas diferentes.
Caro Luís, se a questão é essa, já existem por exemplo no Alentejo!!!
«Que relação direta pode haver entre um eleitor do CDS e um eleito comunista?
O eleitor do CDS bem pode escrever diretamente uma carta ao eleito comunista, mas será tempo perdido, estarão a falar línguas diferentes.»
Desculpe lá, Luis, mas esse argumento é perfeitamente idiota. A representação política não pode ser perfeita, senão não havia representação, havia cada um a representar-se a si próprio. O seu exemplo é perfeito para explicar uma vantagem dos círculos uninominais: O eleitor do CDS terá todos os incentivos para fiscalizar o seu representante, especialmente por este ser de outra côr política. Além disso, o eleito na maior parte das vezes nem saberá se determinado constituinte votou em si ou não. A sua obrigação de representação política será formalmente igual para todos os seus constituintes.
Os círculos uninominais apenas agravarão o desfasamento – já existente com a eleição proporcional ao distrito – entre votos expressos e representantes eleitos. A aderência entre votos e representantes diminuirá ainda mais.
A alteração mais simples ao sistema eleitoral será, parece-me, a atribuição de valor aos votos brancos – que deveriam passar a ter um quadrado no boletim de voto para garantir a necessária segurança do voto – passando estes a corresponder a lugares vazios no parlamento. Ou seja, em vez de valerem ZERO, como acontece actualmente, os votos brancos passariam a ter valor. Isto também contribuiria para diminuir a abstenção. E colocaria pressão acrescida sobre a qualidade do pessoal político.
Porém, uma vez que os votos brancos com mandatos representam um maior nível de exigência para com os profissionais da política, duvido que estes alguma vez aceitem este acréscimo de exigência sobre a sua própria actividade.
“…eleitor do CDS e um eleito comunista…”
Isto só mesmo dito por quem não conhece nada da vida real e tem um total desprezo pela democracia representativa.
Numa eleição num circulo uninominal, depois do representante democraticamente eleito e investido, não há eleitor do CDS (aliás o voto é secretro) nem há eleito comunista.
Há um cidadão eleitor e o há seu representante.
Este último sabe que a sua legitimidade deriva da escolha do cidadão eleitor e não da escolha do chefe de seccção da concelhia do partido, seja ele qual for.
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Isto só mesmo dito por quem não conhece nada da vida real e tem um total desprezo pela democracia representativa.
Exactamente.
P.S. E o texto? 😉
“…mas será tempo perdido, estarão a falar línguas diferentes…”
É curioso nunca tendo sido eu nem do CDS nem do PC, nunca tive dificuldades em falar com nenhum militantes desses partidos.
Nem nunca notei nenhuma dificuldades de entendimento entre militantes desses partidos.
O LL deve viver mesmo numa realidade alternativa.
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“P.S. E o texto?”
Caro Helder
Está prometido, será cumprido.
Já comecei, só que estendi-me, e meti também Certieis, ITEDs, RCCTE, RSECE, etc.
Ou seja, uma seca cheia de termos técnicos que ninguem ia perceber.
Vou purgar aquilo para que se entenda o básico.
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Melhor ainda: partir isso em vários 🙂
As Certieis parece-me bem, também tenho uma ou duas com essa embora imagine que não é nada, comparativamente.
Só uma duvida: quem fica com o poder de veto neste novo sistema?
Muito bom texto. Só não estou convencida da necessidade da proporcionaliade ou de um círculo nacional. Acho que os pequenos partidos têm quadros suficientemente talentosos para ganharem eleições em certos círculos, até porque a eleição passa a ser mais pessoalizada e as características pessoais do candidato (curriculum, experiência parlamenar ou não, carreira profissional antes da política, capacidade de comunicação, etc.) seriam muito valorizadas e atenuariam o efeito do seguidismo partidário. Além de que todos os candidatos teriam obrigação de explicar as suas ideias e propostas políticas, logo é provável que pelo menos tentassem tê-las por si próprios.
“É curioso nunca tendo sido eu nem do CDS nem do PC, nunca tive dificuldades em falar com nenhum militantes desses partidos.”
A questão não é o “falar”, é o representar politicamente – a quem é que o eleitor do CDS vai escrever uma carta a queixar-se da desagragação da familia, ou um eleitor do PCP vai escrever uma carta a queixar-se da precaridade laboral?
Eu, pelo menos, sinto-me muito mais representado pelos 8 deputados do BE do que pelos 8 deputados do distrito de Faro.
“Eu, pelo menos, sinto-me muito mais representado pelos 8 deputados do BE do que pelos 8 deputados do distrito de Faro.”
Miguel Madeira
E no actual sistema é assim que se deve sentir representado, porque apesar dos deputados serem eleitos por Distritos, essa ligação territorial perde-se no momento da investidura em que passam a deputados nacionais.
É para mim óbvio que a passar a existir eleição por círculos uninominais também se devia existir um circulo nacional que aproveitasse os restos dos votos para respeitar a diferenciação ideológica dos eleitores.
Assim o Cidadão podia recorrer ao Deputado que considerasse mais interessado no seu problema.
E também não seria má ideia repor o Senado.
Seria bem mais útil para a descentralização e unidade nacional do que criarem Regiões com toda a sua corte de caciques.
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“Só não estou convencida da necessidade da proporcionaliade ou de um círculo nacional.”
Cara Maria João Marques
Se verificar o nº de votos dos partidos e o nº de representantes vai ver que em nome da representatividade se justifica plenamente.
Há distritos em que o último deputado a ser eleito precisa apenas de 8000 votos, enquanto que no distrito ao lado o último precisa de 15000 votos.
Ou seja, hoje no Parlamento há deputados com diferentes “índices” de representação popular.
Um circulo nacional que somasse todos os votos que não elegeram deputados nos diversos círculos e desse origem à eleição proporcional de deputados garantia que cada eleito efectivamente representava o mesmo nº de cidadãos.
E não seriam deputados de 2ª, até pelo contrário.
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“As Certieis parece-me bem, também tenho uma ou duas com essa embora imagine que não é nada, comparativamente.”
A Certiel até nem é má ideia e nem é muito caro (por enquanto).
Mas desconfio que vai piorar.
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“Melhor ainda: partir isso em vários”
Excelente sugestão… 😉