O risco dos bancos públicos

A compra pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) das acções que o empresário Manuel Fino detém na Cimpor, mais a forma ofendida com que muitos parecem reagir à situação, demonstra uma forma muito peculiar de encarar o papel do Estado no espaço político e na regulação da actividade financeira e económica.

Desde Setembro último, e perante o descalabro financeiro que atingiu a banca, que os sectores mais à esquerda da nossa esfera política se congratulam com o domínio da CGD por parte do Estado. Que só desta forma, o governo pode intervir na economia; que apenas deste modo o governo pode injectar dinheiro nos bancos; que só assim o Estado tem capacidade para concretizar as medidas de apoio aos sectores que considera mais importantes.

Porque a discussão política apresenta, desde o Verão passado, apenas um sentido (o da estatização dos meios e dos recursos), poucos se importam com as consequências incómodas e fatalmente prejudiciais, que a manutenção da CGD no domínio do Estado acarreta.

Uma CGD de capitais públicos, mais do que intervir na economia, desvirtuando-a e acentuando-lhe os vícios, encerra problemas também de impossível resolução: Conluios, empregos e ordenados garantidos para boys & girls que apostaram desde cedo nesta coisa a que se chama de ‘vida partidária’, pactos e negócios com empresários de sucesso (mesmo quando o insucesso lhes bate à porta) e uma panóplia imensa de interesses que, num país devidamente regulado, em que o Estado não se metia onde não deve, não teria lugar. Não teria lugar pelo menos à custa do dinheiro dos contribuintes, tal como não teria lugar da forma impune como é tratado tudo aquilo a que temos assistido.

Uma última nota da máxima importância, relativa à forma como o Bloco de Esquerda (BE) e o PCP, têm reagido a este acontecimento: A indignação é uma excelente estratégia para retirar proveitos seja do que for. Ainda mais na política. A indignação esconde aquele que é o problema de fundo, impede a sua discussão e permite, com um enorme sucesso, que se retirem dividendos de um problema para o qual se contribuiu. Por nunca terem sido favoráveis à privatização da CGD, mesmo sabendo os riscos que a existência de um banco do Estado acarreta a nível de negociatas, tanto o BE como o PCP têm culpas no cartório. Uma culpa que, apesar de os membros deste dois partidos não retirem benefícios directos e ilegítimos do que se passa na administração do banco público, não os impede de se verem favorecidos através da utilização do discurso moralista e demagógico, próprio de quem aponta o dedo acusatório, mas não aceita qualquer solução.

17 pensamentos sobre “O risco dos bancos públicos

  1. Pessoa que faz a pergunta:
    – Então diga lá porque é que matou a senhora, com uma facada, naquela noite?

    Pessoa que dá a resposta:
    – Ora bem, eu fui escuteiro durante 10 anos, entre os 6 e os 16 anos. Fiz muitos peditórios para a Cáritas e para a Liga Portuguesa Contra Cancro. Muitas vezes ajudei velhinhas a atravessar a passadeira e até ajudei á missa numa ocasião. Nessa noite eu ia normalmente na rua a brincar com um canivete, e a senhora veio contra mim.

    Foi assim que Jorge Tomé (no Prós e Prós da RTP) explicou a questão da opção de compra – que beneficia Manuel Fino – das acções da Cimport.

  2. A. Trigueiro

    “Os riscos que a existência de um banco do Estado acarreta a nível de negociatas” ?

    Bom, a avaliar pelo que se passsou no BCP, no BPN e no BPP (pelo menos) os da Caixa ainda têm muito que aprender…

  3. Mentat

    “…o problema da Caixa está nos dinheiros que utiliza serem públicos. Seus.”

    Caro André

    Salvo erro ou desconhecimento meu, os dinheiros que a Caixa utiliza não são públicos, são dos respectivos depositantes (alguns dos quais até podem ser entidades publicas).
    Por isso o problema não me parece ser a utilização indevida de dinheiros públicos, mas sim a gestão incompetente (ou corrupta) duma entidade pública do dinheiro que lhe está confiado.
    Dinheiro esse, que é confiado pelos Clientes à Caixa, no pressuposto que esta por ser do Estado, os utilizará da forma mais correcta e lucrativa para o Estado ou seja para todos nós.
    .

  4. Mentat

    “Uma CGD de capitais públicos, mais do que intervir na economia, desvirtuando-a e acentuando-lhe os vícios, encerra problemas também de impossível resolução: Conluios, empregos e ordenados garantidos para boys & girls…”

    Bem, pelos vistos, o serem privados não impediu outros bancos de fazerem o mesmo.
    .

  5. Mentat

    André

    Eu não tenho opinião sobre a privatização ou não da CGD.
    Se for privatizada, terá de aparecer uma entidade qualquer, pública certamente, que garanta serviços bancários a milhares de pequenos depositantes que a banca privada não terá condições de servir.
    O que me incomoda é este “sindroma da caixa multibanco”.
    Não se consegue impedir que sejam roubadas, retiram-se.
    Não se consegue impedir a corrupção dos políticos, limitam-se os mandatos.
    Não se consegue que uma Caixa Económica tenha utilidade pública, privatiza-se.

    Na minha vida profissional sempre defendi a máxima que não se corrige um primeiro erro como um segundo erro.
    Corrige-se o primeiro erro e depois estuda-se como evitar cometê-lo de novo.

    O que, neste caso, até pode ser privatizar a CGD.
    .

  6. A. Trigueiro

    “O problema da Caixa está nos dinheiros que utiliza serem públicos” ?

    E quem está a pagar o buraco do BPN ? Não são dinheiroa tão públicos como os da Caixa ?

  7. Bem, mas afinal onde é que posso ler o contrato efectuado entre a CGD e o Sr. Manuel Fino? É que sem ler é difícil dar uma opinião sobre o que quer que seja que tenha a ver com o negócio. Para tomar uma decisão devemos utilizar sempre: a informação, a experiência e a inteligência e o acaso (previsão sobre o futuro) é isso que torna as decisões diferenciadas. Mas se faltar o principal, informação, então não há análise possível. Gostava era de ler o contrato para ver como são resolvidas as imparidades e como vai ser efectuada a recompra presumindo hoje que as acções não podem continuar a cair.

  8. “Salvo erro ou desconhecimento meu, os dinheiros que a Caixa utiliza não são públicos, são dos respectivos depositantes”

    Quando a Caixa faz um mau negócio, isso significa que:

    – os depositantes vão receber menos de juro?

    ou que

    – o Estado vai receber menos de dividendos?

    Penso que é a segunda hipotese (acho que os juros dos depositantes da caixa não estão indexados aos lucros da instituição), pelo que um prejuizo da Caixa acaba por ser pago pelo Estado.

    Vamos fazer uma analogia: imagine-se que o BPI fazia um mau negócio. Quem ficava a perder com esse negócio? Os depositantes do BPI ou os acionistas do BPI?

  9. lucklucky

    “Salvo erro ou desconhecimento meu, os dinheiros que a Caixa utiliza não são públicos”

    Quando há aumento de Capital quem é que põe lá o dinheiro?

    “Penso que é a segunda hipotese”

    Vai afectar obviamente a margem nos próximos negócios pelo menos.

  10. “Quando há aumento de Capital quem é que põe lá o dinheiro?”

    O luck roubou o comentário que eu ia fazer… 🙂

    E não têm sido poucos – nem “meigos” – os aumentos de capital da CGD pagos por todos nós…

  11. CN

    Eu vou explicar:

    1. O Estado emite Dívida Pública.
    2. A CGD compra a Divida Pública creditando a Conta de DO do Estado junto de si (puro movimento contabilístico, o crédito surge do nada).
    3. A CGD debita então essa conta de DO, pela emissão de mais acções.

    Não se passou absolutamente nada, nenhuma poupança foi mobilizada, ninguém teve que pagar nada, a moeda foi simplesmente criada, mas o capital da CGD subiu e a DP aumentou.

    Se agora querem saber porque existem crises financeiras já sabem a origem: a contabilidade criativa inerente ao sistema monetário criado pelos Bancos Centrais, Governos e a generalidade dos Economistas.

    PS: quem tiver dúvidas que isto seja possível, expresse aqui as suas dúvidas que eu posso detalhar o processo, embora seja muito claro.

  12. Mentat

    Carissimos

    Miguel Madeira, AAA e lucklucky

    Eu limitei-me a fazer as seguintes observações:
    . Os dinheiros depositados na CGD não são obrigatoriamente todos públicos.
    . Os eventuais lucros ou prejuízos da utilização desses dinheiros é que são do Estado ou seja nossos.
    . O problema portanto não está no facto da CGD ser pública ou não mas no facto da sua Gestão ser corrupta ou incompetente.
    . Os bancos privados, como se tem infelizmente comprovado, não estão imunes a “Conluios, empregos e ordenados garantidos para boys & girls…””.
    . Existem milhares de pessoas com baixos recursos financeiros, que são obrigadas a recorrer a serviços financeiros que só a CGD fornece.

    Nenhum dos meus caros, parecendo que me respondiam, o fizeram efectivamente.
    .

  13. Mentat

    “…(acho que os juros dos depositantes da caixa não estão indexados aos lucros da instituição), pelo que um prejuizo da Caixa acaba por ser pago pelo Estado…”

    Miguel Madeira

    Como em todos os bancos há produtos na CGD que estão indexados à sua “performance”, pelo que poderá haver depositantes que são efectivamente prejudicados por maus negócios que a CGD faça.
    .

  14. Mentat

    “Eu vou explicar:
    Não se passou absolutamente nada, nenhuma poupança foi mobilizada, ninguém teve que pagar nada, a moeda foi simplesmente criada, mas o capital da CGD subiu e a DP aumentou.”

    Caro CN

    Você já explicou este esquema mais que uma vez, acho que já todos percebemos.
    O que eu ainda não percebi, e já lhe perguntei uma vez sem obter resposta, é, o que é isto difere basicamente do que toda a gente faz na economia real, em que os pagamentos não são a pronto ou por troca directa de produtos.
    Eu acabei de colocar uma encomenda de cerca de 10000€, avisando claramente o fornecedor que não sei quando é que lhe vou pagar.
    Vou incorporar esse produto num trabalho, que também não sei quando vou receber.
    O meu cliente espera que com o resultado do meu trabalho ganhar dinheiro para me pagar.
    Se o mundo não acabar entretanto, como somos todos, pessoas de bem, todos pagarão, uns aos outros, o que devem.
    Mas entretanto todos estas transacções, vão ser escrituradas, facturadas, taxadas, etc.
    Entrarão nos balanços de todos os intervenientes.
    Ou seja, contabilisticamente foi criado “dinheiro”, ou não ?
    Tirando a escala, em que é que esta operação difere do Estado emitir dívida pública ?
    .

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.