(Muito provavelmente, Cavaco Silva não irá fazer um discurso como este, nem sequer demitirá o governo nem dissolverá a Assembleia. Mas fica aqui o discurso que eu acho que deveria ser feito pelo Presidente da República)
O cidadão comum costuma dizer que “os políticos são todos iguais”, que “são capazes de dizer o que for preciso” para “chegar ao poleiro”, que “passam a vida a mentir”. É um deprimente sinal da falta de confiança dos portugueses na classe política da nossa democracia. Mais deprimente, só mesmo o facto de, nos últimos anos, essa mesma classe política lhes ter dado razões para pensarem assim. Nos últimos anos, a classe política, através do seu comportamento, tem dito aos portugueses que eles têm razão ao ter tão má opinião daqueles que os representam e governam.
O antigo Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso, chegou ao poder prometendo cortes de impostos e, uma vez no cargo, disse não ter alternativa a aumentá-los. Quer se tenha tratado de uma afirmação genuína, ou resultado de uma verdadeira “mentira” ao eleitorado, acentuou a ideia de que as promessas dos políticos não merecem confiança. Percepção essa que apenas se agravou quando o actual Primeiro-Ministro, que na campanha eleitoral prometera não aumentar os impostos, introduziu um aumento da carga fiscal no início do mandato do actual Governo. Desde então, não mais parou de mentir: por exemplo, em anos sucessivos, o Governo fez declarações públicas dizendo aos portugueses que estava a cortar a despesa pública, quando, na realidade, o Estado gastava cada vez mais dinheiro. Ainda recentemente, o Governo apresentou um estudo favorável à sua política educativa como tendo sido realizado pela OCDE, quando não foi esse o caso. E, procurando, como é seu direito, defender-se de acusações, das quais é inocente até prova em contrário como qualquer outro cidadão, o actual Primeiro-Ministro deturpou deliberadamente o conteúdo de um comunicado da Procuradoria-Geral da República.
Tratam-se de comportamentos inaceitáveis por parte de um detentor de um cargo público. Não apenas por constituir uma atitude de desrespeito dos cidadãos que o elegeram e que ele representa, mas porque tem como resultado a progressiva degradação da nossa democracia. Ao mentir em campanha eleitoral, por exemplo, o político não coloca aos cidadãos a possibilidade de escolher qual o caminho que desejam para a sua comunidade, visto que não lhes diz o que pretende fazer. Por paradoxal que possa parecer, numa época em que têm acesso a muito mais informação do que alguma vez tiveram os seus antepassados, os cidadãos cada vez menos se pronunciam sobre o que realmente está em questão. Ao mentir, o político retira aos eleitores a responsabilidade pelas suas opções. Quando estes tiverem de pagar o preço das escolhas feitas pelo poder à margem dos mecanismos de responsabilização, a sua confiança nos eleitos diminui, forçando estes últimos a mentir para ultrapassarem essa desconfiança. Se essa mentira for dita no exercício de cargos públicos, mais não é do que uma traição da (pouca) confiança que os cidadãos ainda vão depositando naqueles que os representam e governam. Sem essa confiança, as instituições democráticas perdem legitimidade, e o seu regular funcionamento é severamente afectado.
Sei das particulares responsabilidades que me cabem. Em sucessivos inquéritos, os portugueses mostram confiar no Presidente da República mais do que em qualquer outro detentor de qualquer outro cargo público. É por isso que o Presidente da República tem condições, que nenhum outro detentor de cargos públicos terá, para fazer o que entender ser necessário para que os cidadãos possam confiar nos seus políticos. Como tem essas condições especialmente favoráveis, tem a especial responsabilidade de as aproveitar. Ainda para mais, cabe ao Presidente da República, de acordo com os poderes a ele atribuídos pela Constituição, zelar pelo regular funcionamento das instituições que, como disse, é severamente afectado pela forma como os responsáveis políticos se têm vindo a comportar nos últimos anos.
É por isso que anuncio aqui que, ao abrigo dos poderes atribuídos ao Presidente da República pela Constituição que jurei cumprir uma vez eleito pelos portugueses, tenciono demitir o actual Governo e dissolver a Assembleia da República, o que obrigará à realização de eleições antecipadas. O uso da mentira por parte do actual Governo, num clima de crescente desconfiança na classe política portuguesa, é absolutamente inaceitável, e a continuação de tal comportamento constituiria uma grave ameaça à saúde da nossa democracia. Uma maioria parlamentar que apoia esse mesmo Governo, e que aceita passivamente, ou melhor, sustenta activamente, esse comportamento inaceitável, é também ela uma responsável por esse clima de degradação da democracia.
Tenho plena consciência da gravidade deste acto. Sei que num momento tão difícil como o país atravessa, com uma crise económica tão grave como a que nos afecta, a realização de eleições antecipadas e a instabilidade a elas inerente são a última coisa que o país precisa. Mas sei também que, com as particulares responsabilidades que me assistem, não posso assistir passivamente a comportamentos que degradam a nossa democracia, e consequentemente, tornam cada vez mais difícil a realização das reformas de que o país precisa para sair do poço em que caíu.
Sei também que a actual maioria e o actual Governo poderão ser reconduzidos nas eleições que se seguirão, e que isso seria interpretado como uma desautorização do meu julgamento por parte dos eleitores, o que me obrigaria a demitir. É um cenário que não me incomoda. Não me candidatei a Presidente da República para ocupar um lugar, mas para dar o meu contributo ao país e cumprir o que julgo ser o meu dever e as minhas responsabilidades. Tomo esta posição porque julgo ser meu dever fazer tudo o que estiver ao meu alcance para impedir uma ainda maior degradação da nossa democracia: sei que, ao tomar esta atitude, mesmo que os portugueses venham a reconduzir a actual maioria nas eleições que se seguirão, estarei a abrir um precedente, que todo e qualquer político com ambições de constituir Governo terá de ter em atenção; sei que ao demitir um Governo e ao dissolver a Assembleia da República devido ao uso da mentira por parte dos detentores desses cargos, farei com que, no futuro, todo e qualquer responsável político pensará duas vezes antes de mentir aos portugueses. Sei que, seja qual for o resultado das próximas eleições, terei contribuído para desincentivar o uso da mentira por parte dos políticos, e dessa forma, para uma melhoria da saúde do nosso sistema político. Sei que, aconteça o que acontecer nos próximos meses, esta é a atitude correcta a tomar.
O problema é exactamente esse… Apenas demitir o governo e dissolver o parlamento, não chega..
É necessário uma forte mudança, que deveria vincular 2 alterações significativas:
Uma mais pacífica, em que aproximasse eleito de eleitores, o já tão falado voto no deputado em vez de (ou em conjunto com) o voto partido.
O Segundo, bem mais polémico, impedir que um governo eleito, aplique medidas e politicas contrárias ao seu programa eleitoral. Se o seu programa defende baixa de impostos, e as circunstancias económicas no futuro obrigam a um aumento, não deveria ter outra hipótese que não a demissão e novas eleições, ou pelo menos, um referendo. (Os impostos aqui são mero exemplo.. o caso das mega-obras públicas, encerramento de escolas/hospitais, etc, poderiam ser outros.)
Se Cavaco Silva dissesse isso, não seria o Cavaco Silva que nós conhecemos, o verdadeiro. Seria outra pessoa qualquer.
Não percebo porque insistem em ver este gajo como um homem sério. Ele é mais um, apenas. Faz parte do bando que tem governado Portugal.
“Ao mentir em campanha eleitoral, por exemplo, o político não coloca aos cidadãos a possibilidade de escolher qual o caminho que desejam para a sua comunidade, visto que não lhes diz o que pretende fazer.”
Finalmente!…
Já começava a pensar que talvez fosse um defeito meu o não conseguir encontrar qualquer correspondência com a minha convicção pessoal de que uma campanha eleitoral e as promessas e garantias nela dadas e repetidas que, supunha eu, teriam força contratual e deviam significar mais alguma alguma coisa do que simples (má) ficção para encher tempos de antena.
Mas afinal se somos 2 a pensar assim quer dizer que já só faltam 10 milhões. Talvez ainda haja esperança… 😉
“Mas afinal se somos 2 a pensar assim quer dizer que já só faltam 10 milhões. Talvez ainda haja esperança…”: três!
Já agora, devo dizer que esse argumento não é propriamente meu, antes retirei-o do livro “The Rise of Poltical Lying”, de Peter Oborne…