Tempo de enterrar Sá Carneiro (III)

Algumas pessoas, em comentário aos meus dois últimos textos sobre Sá Carneiro, afirmaram, com alguma razão, que é necessário contextualizar no tempo as suas declarações. Para que não me acusem de ser injusto, aqui vai um pouco de contextualização. Por exemplo, em Setembro de 1975 numa conferência de imprensa Sá Carneiro definia exactamente o que pensava que significava a social-democracia:

Como disse de inicio, entendo que a social-democracia não é apenas via para o
socialismo
, através da manutenção de uma sociedade capitalista, mas já construção
do socialismo possível em cada momento
. Ela visa acabar com a exploração
do homem pelo homem, como diz, e a realização de uma sociedade sem distinção
de classes
, em que a igualdade e a liberdade possibilitem uma existência
humana autêntica.

Mais ou menos na mesma altura, a líder da oposição no Reino Unido, Margaret Thatcher, afirmava o seguinte no congresso do seu partido:

(…)But let me put this thought to you. If it is wrong to preach race hatred—and it is—why is it right to preach class hatred? If it’s a crime to incite the public against a man simply because of the colour of his skin—and it is—why is it virtuous to do so just because of his position?
The political organisation of hatred is wrong—always and everywhere. Class warfare is immoral, a poisonous relic of the past.
(…)
“We Conservatives don’t have a blue-print for instant success. There isn’t one.
“But at least we start with this advantage.
“We know what not to do. That path has been clearly signposted.
“If a government takes too much in tax, everyone wants higher wages.
“If a government bails out those who bargain irresponsibly, where does the money come from? The pockets of those who bargain responsibly.
“If a government tries to level everyone down, with year after year of totally rigid incomes policies, it destroys incentive.

14 pensamentos sobre “Tempo de enterrar Sá Carneiro (III)

  1. lucklucky

    O que deveria acontecer por cá quer na Saúde quer na Educação…Vouchers da Saúde em Inglaterra:

    “According to the BBC, the number of NHS patients choosing to take their public funding to a private hospital (on the basis that the private provider matches the NHS price) has risen ten-fold in the last year or so, to more than 3,500 a month.” 10x mais num ano…

    http://www.adamsmith.org/blog/health/good-news-for-patients-200812042537/

    via Biased BBC http://www.biased-bbc.blogspot.com/

    Mas Sá Carneiro estaria de acordo…? Não sabemos nem interessa saber.

    Cópia de um post que fiz na caixa do Blasfémias.

  2. Acerca, não do Sá Carneiro, mas dos vouchers de saúde em Inglaterra, ocorre-me uma coisa:

    Por regra (não digo que seja o caso do lucklucky), as pessoas que elogiam os “vouchers” para a saúde na Europa (ou os “vouchers” para a educação em todo o lado) são as mesmas que atacam a ideia de implementar o “single-payer health system” nos EUA. Inversamente, a maior parte das pessoas que são contra vouchers parecem simpatizar com o tal single-payer. Mas não é basicamente a mesma coisa?!

    [A única explicação que me ocorre é de quem nem os defensores do single-payer sejam verdadeiramente a favor do single-payer, nem os defensores dos vouchers sejam verdadeiramente a favor dos vouchers – que em ambos os casos sejam apenas “reivindicações transitórios” para o objectivo final de estatização ou privatização total]

  3. Já agora, não me parece que haja grande contradição (pelo menos explicita) entre o discurso do Sá Carneiro e o da Thatcher.

    Thatcher critica a discurso da “luta de classes”, mas (a menos que queiramos contar com a referencia à “exploração do homem pelo homem”) Sá Carneiro não fala em “luta de classes” no seu discurso – a ideia de uma “sociedade sem distinção de classe” é compativel, tanto com um discurso de luta de classes (como no marxismo), como com um discurso de cooperação entre as classes (como na democracia-cristã e em grande parte da social-democracia). Diga-se, aliás, que a Thatcher também falou em sociedade sem classes nalguns discursos.

    Por outro lado, o discurso de Thatcher (mesmo a parte a negrito) não é incompatível com a social-democracia ou o Estado Providência; é perfeitamente compativel com uma atitude do género “somos a favor do Estado Providência, mas dirigido a quem realmente precisa dele e não a parasitas oportunistas”.

    A verdade é que, sobretudo quando estão na oposição (bem, em Setembro de 75 o PPD estava no governo, mas não estava bem no poder), o discurso dos politicos é feito para cada pessoa que o ouve poder interpretar à sua maneira de acordo com os seus desejos.

  4. “Já agora, não me parece que haja grande contradição (pelo menos explicita) entre o discurso do Sá Carneiro e o da Thatcher.”

    Completamente de acordo.
    Parece-me que em 1975 nem o CGP nem o MM teriam idade suficiente para ter compreendido qualquer um destes discursos, mas o MM fez melhor o trabalho de casa e ao contrário do CGP não anda à pesca de argumentos para justificar uma tese preconceituosa, o que é curioso para quem se diz de esquerda.
    É mesmo preciso ter vivido naquela época para se entender muita coisa.

    Caro CGP
    Se o PSD tem de enterrar alguém para poder renascer é Cavaco e Compª Lda, esses é que são autênticos eucaliptos que não deixam medrar nada à sua volta.

    Não se enterra Sá Carneiro, nem o Marquês de Pombal, nem Alexandre Herculano, nem João da Regras, nem D. Afonso Henriques (e nem Salazar).
    Com esses aprende-se com o que fizeram de bem e de mal e inspiramo-nos neles.
    .

  5. lucklucky

    “A única explicação que me ocorre é de quem nem os defensores do single-payer sejam verdadeiramente a favor do single-payer, nem os defensores dos vouchers sejam verdadeiramente a favor dos vouchers – que em ambos os casos sejam apenas “reivindicações transitórios” para o objectivo final de estatização ou privatização total”

    No que me diz respeito sim. Mesmo sabendo que pode manter o nível de impostos alto e a intervenção do Estado. Como aliás é expresso por alguns participantes nos comentários no site de que fiz o link.
    Os vouchers seriam uma transição porque parece-me impossível reduzir de repente os impostos para 20-30% do PIB com a economia toda distorcida, principalmente os ordenados estão todos destorcidos pelo nível de impostos que se paga.
    A mudança teria sempre de ser faseada.

  6. Caro Carlos Pinto,

    O seu ataque a Sá Carneiro é incoerente e mal fundamentado de um ponto de vista histórico. Não é uma numa caixa de comentários que cabem as razões. Deixei-as por isso em http://ovalordasideias.blogspot.com/2008/12/as-incongruncias-no-ataque-do.html. Mas aconselhava-o a não comparar a Inglaterra e Portugal em 1975. Não é intelectualmente sério. Independentemente de Thatcher ser tudo menos uma visionária: antes um subproduto da tradição do monetarismo ortodoxo, que degenerou em desastre económico.

    Cumprimentos,
    Carlos Santos

  7. Pingback: e continua… « Entre marido e mulher

  8. Pelos vistos ainda haverá fé por aqui: no que um tal de Milton Friedman pregava e uma alma pobre do Sommerville como Thatcher acreditou. Só que a dureza da realidade fez o mundo perceber o logro da mulher do flat income tax…que aliás era também um disparate.

  9. “um subproduto da tradição do monetarismo ortodoxo, que degenerou em desastre económico”

    Esta caixa de comentários também é um espaço engraçado de ficção.

  10. Pingback: ainda a cerca de « Entre marido e mulher

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