Não conhecia esta faceta “joebidenesca” de Manuela Ferreira Leite. É a segunda gaffe em menos de uma semana. A primeira foi mais grave, pois levanta a questão de quem é que deveria seleccionar o que a comunicação social transmite. Foi daquelas frases que por vezes são ditas sem pensar nas implicações. Esta segunda parece ser apenas uma infeliz escolha de palavras, quando pretendia ironizar, a determinada altura de uma linha de raciocínio. Quem ler a transcrição completa do que foi dito antes e depois da frase que tem sido citada percebe facilmente o que MFL pretendia dizer. Independentemente das intenções, contudo, as duas gaffes constituem erros políticos que têm o seu preço. Esta última, especialmente, custou-lhe aberturas de telejornais que a deixam na defensiva enquanto inúmeras notícias embaraçosas para o governo ficaram para segundo, ou mesmo terceiro, plano. É mesmo possível que se torne daquelas gaffes que ficam irremediavelmente associadas à imagem de quem as fez.
Mais interessante, no entanto, para contrastar uma cultura democrática com uma cultura autoritária, é a reacção desmedida e cheia de desonestidade intelectual dos detractores de MFL nas críticas que imediatamente, mais rápidos que a própria sombra, lhe fizeram. A deturpação deliberada do discurso dos adversários é pouco salutar em democracia. Alberto Martins, na tradição “donos do regime”, não perdeu tempo a acusá-la de anti-democrática e de ter falta de cultura cívica. Ontem à noite, na SIC Notícias, o mesmo Luis Delgado que há tempos não via nada de mal em que uma maioria parlamentar pudesse “caçar” mandatos a deputados da oposição, desde que usasse esse poder com “bom senso”, fez considerações moralistas sobre a gravidade de putativas intenções nas afirmações de MFL. Já Augusto Santos Silva, que em tempos achou que uma vitória de Cavaco Silva nas presidenciais seria um “golpe de estado constitucional”, exigiu esclarecimentos a MFL sobre as suas credenciais democráticas.
Os media, possivelmente “picados” com a primeira gaffe, também estão a explorar o episódio à exaustão. Sendo que parece haver uma tendência para sensacionalizar as notícias, independentemente dos factos. É compreensível que noticiar que Ferreira Leite «sugere 6 meses sem democracia» venda mais jornais que noticiar uma gaffe. Bem como que afirmar que «Líder do PSD quer “pôr tudo na ordem”» e que «fala de suspensão da democracia durante 6 meses» prenda mais a audiência que afirmar que escolheu mal as palavras. Mas a distorção dos factos é prejudicial à democracia. Torna as pessoas indiferentes à verdade, dividindo-as em facções que acreditam na versão dos factos mais conveniente à sua pandilha. Banaliza-se a falsidade. Ainda há pouco tempo, um deputado madeirense desfraldou uma bandeira nazi para chamar fascista ao líder da maioria e acabou ele a passar por fascista nas notícias.
Excelente post. Subscrevo.
Resta é saber se não ganha mais do que perde com as ditas “gafes”.
Isto traz-me memórias muito curiosas de Bush, especialmente o comentário dele sobre Nelson Mandela, que toda a gente e as suas mães partiram do princípio que fosse uma gaffe. Até Jon Stewart, o auto-proclamado rei da ironia política não soube reconhecer um comentário irónico mesmo à sua frente.
Está visto que até as ironias estão a ficar perigosas demais para a nossa cultura.
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O pior é que a gaffe traduz exactamente o que muita gente pensa.
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A sra. têm todo o direito a querer a Dita dura,, nem que seja por 6 meses, já dava para matar saudades.
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