Anda por aí muita falta de vergonha a propósito das declarações de Manuela Ferreira Leite, em que ela (supostamente) diz “Eu não acredito em reformas quando se está em democracia, quando não se está em democracia, é outra conversa, eu digo como é que é e faz-se; e até não sei, se a certa altura, não é bom haver seis meses sem democracia, mete-se tudo na ordem e depois então, venha a democracia”. Como o Michael nota abaixo, estas declarações são obviamente feitas em tom irónico, como a audição das mesmas facilmente comprovará. Mais, a transcrição delas está mal feita: Ferreira Leite estava a dizer que não acreditava em reformas feitas “contra uma classe profissional”, como, no seu entender, o actual Governo está a fazer. Assim, a frase “eu não acredito em reformas quando se está em democracia” é uma má transcrição: primeiro, quem oiça perceberá que há uma vírgula entre “reformas” e “quando”, e depois é facilmente perceptível que Ferreira Leite interrompe o seu raciocínio para o tal comentário irónico, como que “entre parênteses”. Assim a transcrição correcta seria: “Eu não acredito em reformas, quando se está em democracia (quando não se está em democracia, é outra conversa, eu digo como é que é e faz-se; e até não sei, se a certa altura, não é bom haver seis meses sem democracia, mete-se tudo na ordem e depois então, venha a democracia)”, e de seguida Ferreira Leite retomaria o raciocínio que estava a fazer dizendo algo como “quando estas são feitas contra uma classe profissional”. Não sei se o fez ou não (pode-se ter perdido enquanto falava, não sei, não estava lá), mas é fácil de perceber que era este o sentido do que queria dizer.
Tal como é fácil de perceber que, longe de ser um ataque à democracia, as palavras de Ferreira Leite são um ataque ao que ela considera ser a prática anti-democrática de Sócrates e do seu governo. Tendo isto em conta, é também fácil de perceber como as declarações de Alberto Martins, acusando Ferreira Leite de ser anti-democrata, são uma vergonhosa deturpação do que disse a líder do PSD. E a coisa não vai ficar por aqui. Nos próximos dias, os jornais darão cobertura a mais uma série de ataques a Ferreira Leite, vindos do governo ou do interior do PSD. E assim, um ataque à forma arrogante e autoritária como o Governo exerce o poder será transformado pelos Antónios Ferros do regime (aguardo particularmente o que Rui Tavares dirá sobre o assunto) numa declaração anti-democrática que queimará definitivamente Manuela Ferreira Leite. E com essa cortina de fumo, a Ministra da Educação lá ganhará a cobertura que precisa para recuar na questão da avaliação dos professores. No meio do barulho, ninguém se aperceberá que, ao mesmo tempo que dizia que “o modelo” de avaliação seria implementado, a Ministra garantia que este poderia ser “melhorado”: neste momento, governo e sindicatos dizem o mesmo (vão ser feitas alterações), mas com palavras diferentes (o governo dizendo que as alterações serão “correcções” do modelo actualmente previsto, os sindicatos exigindo a suspensão do dito), para que ambas as partes possam recuar sem terem de o assumir. Pequenas subtilezas que no meio da histeria e da falta de vergonha, vão passando despercebidas.
As reacções que se tem visto a esta afirmação demonstram, precisamente, que não estamos em democracia. Porque já não é a primeira vez que, no âmbito de uma intervenção, se escolhe uma frase, retira-se de contexto, dá-se um significado distinto (ou mesmo oposto, como no caso), repete-se a frase à exaustão e colocam-se comentadores dentro e fora do governo a reforçarem que não concordam com a tal frase fora do contexto.
Com os media sempre dispostos a entrar no jogo.
Neste momento, pode-se afirmar que não há liberdade de expressão.
-O post é certeiro, claro que o PS agradece, mas é M.F.L. quem se coloca a jeito, queixa-se na passada semana que não podem ser os jornalistas a escolherem o que transmitem, também aí não visava propriamente instituir a censura, mas constatar que tinha sido a 14ª notícia num alinhamento de noticiário em dia de Benfica-Sporting, pois hoje conseguiu abrir ou no mínimo ser uma das 3 notícias em todos os noticiários. Cada tiro, cada melro! Entretanto o FT classificou Teixeira dos Santos como o pior dos ministros das Finanças da zona Euro, notícia que passou ao lado, o mais ridículo foi o ministério apressar-se a emitir um comunicado a dizer que não foi o pior porque o FT apenas avaliou 19 países, o que pressupõe que talvez algum dos não avaliados possa ter um pior desempenho, esse comunicado nem foi referido na comunicação social. A partir da tarde quase não se falou de avaliação de professores. Manuela Ferreira Leite é a melhor garantia que o PS tem de renovar a maioria absoluta, um total erro de casting.
Pois é, meu caro Insurgente.
Mas toda a gente com algum cultura retórica sabe que é perigosíssimo fazer ironia em declarações públicas. São liogo aproveitadas para serem lidas à letra e viradas contra o seu autor. Um líder político não pode ser retoricamente ingénuo. Nestas coisas (e em todas as outras) é preciso saber o que se faz e o que se não faz.
Que saudades do tempo em que MFL estava calada!
Depois das célebres declarações sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e aqueloutras com vago pendor xenófobo relativas ao emprego de ucranianos e cabo-verdianos em Portugal, só faltava mesmo esta “cereja” em cima do bolo (de laranja, presumo…)
Não há dúvida – está encontrada, definitivamente, a Sarah Palin à portuguesa.
O António acha que a MFL é uma Sarah Palin. Bem, está no seu direito e, por outro lado, também não percebeu o que Bruno diz no post. Mas, enfim, ele lá sabe, pois parece que gosta mais do caixeiro-viajante vendedor de Magalhães na América Latina.
É claro que a ironia não está ao alcance de mentes tão rasteiras como o Alberto Martins e quejandos.
“Não há dúvida – está encontrada, definitivamente, a Sarah Palin à portuguesa.”
Quem nos dera!…
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“O post é certeiro, claro que o PS agradece, mas é M.F.L. quem se coloca a jeito,…”
Tendo em atenção a vergonha do que foi o aproveitamento deste não-assunto, faça ela o que fizer, diga ela o que disser, vai estar sempre “a jeito”.
Por um lado, também é bem feito que é para ela aprender.
Agora o LFM é que perdeu uma execelente oportunidade de estar calado.
Já não há paciência para aturar aquele tonto.
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Também fiquei com a impressão de que tais declarações foram feitas em tom irónico.
Penso com os jornalistas forçaram a nota ou, porventura, estarão a perder capacidades, no que toca à interpretação destas coisas. Vivem no mundo do “literal”.
Bruno,
Aqui está mais um exemplo da incapacidade de comunicação de MFL.
Independente do que a líder do PSD queria ou não dizer, qualquer discurso político obriga a uma maior atenção aos “sound bites”. Isto face à cada vez maior irresponsabilidade ética da profissão jornalística. Do Wikipedia:
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