Ludwig von Mises: O grande liberal

Ludwig von Mises

Sete décadas antes da antiga União Soviética agonizar na praça do Kremlin o economista austríaco Ludwig von Mises demonstrou antecipadamente a tragédia econômica que o socialismo iria patrocinar, claro, com dinheiro público. São dele três conclusões lapidares, publicadas no artigo “Economic Calculation in the Socialist Commonwealth”, em 1920:

1- o socialismo é desastroso para a moderna economia porque a ausência de propriedade privada (bens e capital) impede qualquer tipo de fixação racional de preço ou estimativa de custos;

2- a intervenção do governo na economia, ação estratégica do socialismo para controlar o mercado, é contraproducente e deve ser revogada;

3- a expansão dos livres mercados, a divisão do trabalho e o investimento do capital privado são os únicos caminhos possíveis para a prosperidade e o desenvolvimento da humanidade.

Mises, cujo aniversário de nascimento é comemorado hoje, foi um dos mais notáveis economistas liberais do século XX. E, nas ciências econômicas, um dos mais aguerridos defensores do indivíduo, massacrado em nome de uma massa despersonalizada. Ele via no laissez-faire irrestrito a única política econômica viável para o desenvolvimento de um país. Acreditava que o livre mercado e o exercício desobstruído do direito à propriedade privada eram garantias fundamentais do indivíduo. Ao governo caberia, restritamente, defender a pessoa e seus bens.Agora tentem imaginar uma coisa dessas no início da formação do império russo, quando o estatismo e o coletivismo (morte em massa) eram a bola da vez.

Sua obra tem por princípio um axioma fundamental, o de que o indivíduo age objetivamente para atingir as metas desejadas. Em “Ação humana – um tratado de economia”, de 1949, ele estabeleceu as bases desse pensamento econômico inovador.

Não foi do pai que o garoto Ludwig von Mises, nascido em Lemberg (ex-império Austro-Húngaro, atual Lvov) em 29 de setembro de 1881, herdou o espírito liberal. O legado parece ter vindo do tio materno, Joachim Landau, deputado pelo Partido Liberal no Parlamento Austríaco.

Mises cresceu em Viena. Na virada para o século 20, entrou para a universidade local. Era um esquerdista partidário do intervencionismo estatal, como muitos moleques de fraldas. Mas logo lhe caiu nas mãos o livro “Principles os Economics”, de Carl Menger, fundador da Escola Austríaca de Economia, o estopim para que se tornasse um entusiasta da economia de livre mercado. Liberal convicto, formou-se em direito e economia.

É de 1912 a obra “The Theory of Money and Credit”, na qual formula uma tese inovadora: o poder de compra do dinheiro é definido pela oferta e procura e numa economia de mercado os bancos devem se tratados como qualquer outra indústria. A tese, porém, sofreu críticas graves de seus colegas da Escola Austríaca. Em 1927, assenta as bases de sua filosofia política em defesa do laissez-faire em “Liberalismo”.

Com a ajuda de F. A. Hayek, outro grande expoente do moderno pensamento liberal, Mises desenvolveu a teoria do ciclo de negócios, nos anos de 1920. Com ela, avaliou que a permanente prosperidade daquela década era uma fraude e que o resultado inevitável daquela política econômica seria a depressão e a quebra do sistema financeiro. Em 1922, lançou uma pá de cal sobre o regime socialista. Em “Socialism”, fez a mais demolidora e abrangente crítica filosófica e sociológica já escrita contra o regime que apresentou ao mundo pacifistas do porte de Stálin, Mao, Pol Pot e Fidel Castro.

Como professor, Mises estimulou, na Europa, gente como o próprio Hayek, Gottfried von Haberler, John Van Sickle, Erich Voegelin etc. e, nos Estados Unidos, onde se exilou em 1940 para fugir do nazismo (era judeu e já havia escrito vários textos contra o nacional-socialismo), Henry Hazlitt, Murray N. Rothbard, Percy Greaves Jr. e Bettina Bien Graeves etc. É notável que tenha chegado aos Estados Unidos sem dominar o inglês e tenha publicado no idioma de Walt Whitman livros monumentais como “Theory and History – an interpretation of social and economic evolution”.

Até o final da década de 1960, o economista austríaco lecionou na Universidade de Nova Iorque. E foi na cidade lá que o velhinho morreu em 10 de outubro de 1973, praticamente esquecido. “A vida é cheia de piadas de mau gosto”, disse um amigo a Einstein ao saber que ele, jovem, batia cartão num órgão burocrático de patentes. Só isso explica que um ano depois de morrer a teoria elaborada com Hayek tenha dado, em 1974, o Nobel de Economia ao parceiro? Não só isso.  O André Azevedo Alves me conta que muita gente estava convencida de que a morte de Mises era uma condição para Hayek ser considerado seriamente para o Nobel.  E que, por várias razões, Hayek era a face aceitável dentre os intelectuais que demonstraram intelectualmente a falência intelectual do socialismo, do planeamento centralizado e do keynesianismo. 

A partir daí, iniciou-se, então, a justa revalorização, com conferências e cursos da Escola Austríaca nos Estados Unidos, além da reedição e publicação dos ensaios de Mises traduzidos do alemão para o inglês. Vários desses textos estavam na biblioteca de seu apartamento em Viena, roubada pelos nazistas quando invadiram a Áustria e recuperada décadas depois do fim da guerra por Richard Ebeling, vejam só, num arquivo de Moscou. Como foi parar lá, só a KGB sabe.

Talvez o grande responsável pelo resgate da obra do economista austríaco tenha sido Llewellyn Rockwell Jr., um dos economistas mais admirados pelos jovens liberais no mundo ocidental. No Brasil, o primeiro site a divulgar Mises e Rockwell Jr. foi O Indivíduo (www.oindividuo.org). Rockwell criou em 1982 o Ludwig von Mises Institute, com sede em Auburn, Alabama, que publica livros, oferece cursos de economia segundo os princípios da Escola Austríaca e mantém um site que é uma referência (www.mises.org).

No Brasil, primeiro, graças ao trabalho do Instituto Liberal do Rio de Janeiro (www.institutoliberal.org.br), tivemos acesso a seis obras de Mises traduzidas: “Ação Humana – um tratado de Economia”, “As seis lições”, “Intervencionismo – uma análise econômica”, “Liberalismo – segundo a tradição clássica”, “O mercado” e “Uma crítica ao intervencionismo”. “As seis lições”, um dos mais estimulantes e simples manuais introdutórios de economia já publicados, está disponível no site do OrdemLivre, assim como A ação humana. O OrdemLivre, braço do Cato no Brasil, vem fazendo um excelente trabalho de divulgação da obra de Mises e de outros autores liberais. E ainda há, indica o Igor Taam, o Instituto Ludwig von Mises Brasil.

É fato que na história do pensamento econômico ocidental o nome de Mises brilha por sua argúcia. Por pouco não ganhou o Nobel, mas deixou como legado uma obra devotadamente dedicada à liberdade do indivíduo e à consciência individual.

4 pensamentos sobre “Ludwig von Mises: O grande liberal

  1. “Agora tentem imaginar uma coisa dessas no início da formação do império russo, quando o estatismo e o coletivismo (morte em massa) eram a bola da vez.” (negrito meu)

    Não vejo muito bem a que propósito Ivan IV, o Terrível, é para aqui chamado…

  2. maverick47

    Só uma nota marginal.

    “Vários desses textos estavam na biblioteca de seu apartamento em Viena, roubada pelos nazistas quando invadiram a Áustria e recuperada décadas depois do fim da guerra por Richard Ebeling, vejam só, num arquivo de Moscou. Como foi parar lá, só a KGB sabe.”

    Isto parece um pouco conspiracionista. Imagino que a cadeia de acontecimentos tenha sido bem menos sugestiva: os nazis levaram tudo que puderam, e o que os ameaçava; as forças russas invadiram Berlim, transferindo todo o tipo de documentos para Moscovo. De entre esses, provavelmente se incluíam aqueles textos. É claro que a continuação da obra de um autor com convicções que ameaçavam a ideologia comunista nos arquivos não terá sido por mero acaso.

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