Vamos lá abordar este tema como quem discute touradas…

Uma vez que o Rui Castro gosta de “vacas frias”, e anda de braço dado com o RMD lá no 31, admito que possa ser útil apresentar o que penso sobre estas coisas das falências e da regulação com um exemplo que deve ser do agrado de ambos: as touradas.

Ora bem, quando um grupo de forcados entra em cena, nenhum deles deseja ou espera levar com uma violenta cornada nas partes baixas, ou ser literalmente penetrado quando, em fuga, se levanta, depois de uma valente marrada. Há esse risco, mas na maioria das vezes, os forcados saem em braços, de peito cheio, depois de terem dominado o animal. Os accionistas das empresas cotadas não são muito diferentes dos forcados: só que em vez de encher o peito, querem ganhar pilim.

Às vezes, porém, a coisa corre mal. O risco está lá. Quando o touro ganha terreno, se o forcado se distrai, se os gajos da fila bazam todos e deixam o tipo lá na frente sozinho, se é ganancioso a avançar para o bicho, há quase sempre sangue, partes baixas doridas; pode até ser pior, e bater a bota. Às vezes, até o mais cortão de todos os forcados, o que só avança quando o touro está no chão, é apanhado desprevenido. Nos mercados, nos negócios, acontece isso mesmo: às vezes perde-se alguma coisa e, imagine-se, pode acontecer perder-se tudo.

Na bancada, há sempre uns tipos mortinhos por ver forcados a voar. É como alguns gajos da esquerda na sua relação com o mercado: desde o século XIX que vão à Praça ver tipos que dão o corpo ao manifesto a levar cornadas, na esperança – e até convicção – que isso vai fazer morrer as touradas. 

E há touros que são lixados, que conseguem galgar para onde não é suposto, os sacanas, saltam para cima do público, e limpam o sebo dos espectadores. Nestas alturas, clama-se pelo regulador: na verdade, não é suposto ir ver uma tourada e acabar a levar com o touro em cima. É como os clientes dos bancos, que quando entregam os seus montantes, em produtos sem risco, ou à mera guarda, esperam recebê-los em troca.

O que não me faz muito sentido é exigir ao regulador que impeça que o touro limpe o sebo aos forcados. Niguém – além de meia dúzia de espectadores marxistas e seus derivados, que rezam (no sentido laico, certamente) pelo fim das touradas, e festejam sempre que voa um forcado – quer que o touro marre nos simpáticos marialvas que os enfrentam para ver se isso lhes permite papar umas miúdas. Agora, esses riscos existem (o de levar uma cornada, ou duas, ou três; bem como o de conseguir fazer uma pega a uma miúda). Sem riscos e recompensas, não há touradas. Importante é garantir que só os forcados se lixam, pois, quando corre bem, são eles que merecem o aplauso (e, com sorte, mais qualquer coisinha). Umas cornadas, de vez em quando, nos forcados, não mataram a tourada, fizeram nódoas negras, hematomas, e outras coisas mais graves. Até ajudam a que os forcados não menorizem o touro em ocasiões futuras.

Agora, alguém quer ter touros e forcados “regulados”? Acham isso possivel e viável? Há tourada sem risco de cornada? Quem é o forcado disposto a fazer uma pega a um touro mansinho? E quem paga para assistir a um espectáculo desses? Faz-vos algum sentido?

5 pensamentos sobre “Vamos lá abordar este tema como quem discute touradas…

  1. Muito bom, Rodrigo.

    A verdade é que eu, que não gosto de touradas, também peço a intervenção do regulador, para corrigir esta falha de mercado.

  2. A. R

    Muito bom post. Acordei mal disposto e fartei-me de rir. Tem acção, tem uma ou várias bestas bem armadas e com sentido de oportunidade, aventureiros, cobardes, pancada e perspectivas de sexo no fim. Força … um cada manhã.

  3. “É como alguns gajos da esquerda na sua relação com o mercado: desde o século XIX que vão à Praça ver tipos que dão o corpo ao manifesto a levar cornadas, na esperança – e até convicção – que isso vai fazer morrer as touradas.”

    Mais ou menos como andaram outros em relação à União Soviética e que com o desastre reclamaram, e reclamam, o fim do socialismo.

    “Nestas alturas, clama-se pelo regulador: na verdade, não é suposto ir ver uma tourada e acabar a levar com o touro em cima. É como os clientes dos bancos, que quando entregam os seus montantes, em produtos sem risco, ou à mera guarda, esperam recebê-los em troca.”

    Mas penso que é isso que se reclama. Porque se o AIG for à falência mas todos os seus clientes obtiverem todo o capital que aplicaram em produtos sem risco, então está tudo bem e ninguém quererá o fim de coisa nenhuma.

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