Todos os anos, um grupo de pessoas fora do comum reúne-se em Monterey, na Califórnia, para partilharem as suas experiências e ideias na TED Conference. Cada conferencista tem cerca de 18 minutos para “dar a palestra das suas vidas”, e “espalhar ideias que merecem ser espalhadas”. Não sendo propriamente a carta mais alta do baralho, não tenho a sorte de ir a Monterey partilhar o que me vai passando pela cabeça, ou sequer para assistir a qualquer uma das palestras. Mas hoje, graças às maravilhas da internet, idiota e génio têm igual acesso a tudo o que essas extraordinárias pessoas têm para dizer. E acredite, caro leitor, que é uma oportunidade que deve aproveitar. Enquanto ouvia a palestra que Malcolm Gladwell deu em 2004, apercebi-me que o PSD, em particular, talvez tivesse alguma coisa a aprender com o vídeo de 17 minutos.
Gladwell, o autor dos excelentes Blink e The Tipping Point, conta a história de Howard Moskowitz, um psychophysicist (não sei dizer isto em português. Se não fosse a Wikipedia, nem sequer saberia que se trata de alguém que estuda a relação entre estímulos físicos e a reacção sensorial) que nos anos setenta foi contactado pela Pepsi para ajudar a desenvolver a versão Diet da bebida. Mais especificamente, queriam que Moskowitz lhes dissesse quão doce ela deveria ser.
Moskowitz realizou então uma série de testes, experimentando diferentes combinações e perguntando a várias pessoas para as classificarem de acordo com as suas preferências, para obter resposta à pergunta que a Pepsi lhe havia feito. Moskowitz esperava obter uma “curva” de preferências, na qual as notas seriam mais baixas quanto menos doce fosse a combinação, subindo gradualmente à medida que se tornassem mais doçes, e caindo a pique a partir do momento que as amostras fossem exageradamente doces. De acordo com Gladwell, isto pura e simplesmente não aconteceu: os resultados “não faziam sentido”, eram “uma confusão”.
Aparentemente, isto incomodou Moskowitz, até que, vários anos mais tarde, ele se apercebeu do que estava errado: de acordo com Gladwell, ele estava à procura da “Pepsi perfeita”, quando deveria ter estado à procura das “Pepsi perfeitas”. Quando a Campbell Soup Company o contactou para pedir a sua ajuda no desenvolvimento do seu molho para esparguete, Moskowitz viu uma oportunidade para corrigir o seu erro.
O molho Prego da Campbell, apesar da sua maior qualidade, enfrentava dificuldades no mercado do molho de tomate. Algo estava errado, e Moskowitz pensava saber do que se tratava. Arranjou 45 tipos diferentes de molho, e viajou pelos EUA, pedindo às pessoas para provarem 10 deles, e depois classificá-los. Ao contrário do que normalmente seria feito, Moscowitz não olhou para qual era o molho com a classificação mais alta. Em vez disso, prestou atenção ao que Gladwell chama de “clusters” de opinião: quais os diferentes tipos de molho que diferentes pessoas preferiam.
O que descobriu foi que um vasto número de pessoas preferiam o molho de esparguete “normal”. Outro grande número de pessoas, por sua vez, preferia o molho “picante”, enquanto um terceiro grupo de pessoas parecia estar mais inclinado para o molho “extra-chunky” (com mais pedaços). O que havia de interessante na descoberta de Moskowitz era não haver, à altura, nenhum molho “extra-chunky” disponível no mercado: como é que poderia haver uma procura (e aparentemente, uma procura significativa) de um determinado produto, sem que ninguém estivesse disposto a oferecê-lo?
Gladwell dá-nos a resposta: na indústria alimentar, as empresas perguntavam a “focus groups” o que essas pessoas queriam num molho de tomate, numa soupa, num qualquer produto. O que Moskowitz descobriu foi que, enquanto um grupo considerável de pessoas queriam um molho “extra-chunky“, nunca ninguém havia dito isso a ninguém. Moskowitz descobriu que “as pessoas não sabem o que querem”. E por vezes, apenas querem algo diferente, como quando a Heublein Company desencantou o Grey Poupon, não uma mostarda “normal”, mas sim uma mostarda “Dijon”. Era um produto diferente, e as pessoas estavam interessadas nele porque era diferente. E, felizmente para o pessoal da Heublein, a coisa pegou. A Heublein deu às pessoas algo que elas não sabia que queriam.
Porque é que o PSD deveria prestar atenção a isto? Porque nos mostra que os políticos têm estado a olhar mal para as suas estratégias eleitorais. Tal como as empresas da indústria alimentar, os partidos perguntam às pessoas que tipo de molho de tomate elas querem, quando as pessoas “não sabem o que querem”. Tal como as empresas da indústria alimentar, os partidos fazem umas sondagens e perguntam às pessoas o que elas esperam de um Governo, quando aquilo que seria realmente capaz de atrair o seu voto é algo que, muito provavelmente, nunca sequer lhes ocorreu.
Políticos e seus conselheiros tendem a ver o eleitorado como um corpo definido de opiniões: algumas pessoas inclinam-se para a “esquerda”, algumas para a “direita”, e depois há um número grande de eleitores “moderados”, que se situam no “centro” do espectro político. Cometem o erro de verem estes eleitores “centristas” como pessoas com opiniões políticas claramente definidas, embora “moderadas”. Pensam que os eleitores “centristas” estão tão certos das suas opiniões como os eleitores de “direita” e de “esquerda”, e que a única diferença entre estes diferentes tipos de eleitores é a de que os “centristas”, sendo menos “extremistas”, são “captáveis”, podem ser “ganhos” se os políticos forem ao encontro dos seus desejos e lhes oferecerem um conjunto de políticas que as sondagens lhes dizem que eles querem.
O problema está em que os eleitores “centristas” não são uma espécie de versão “intermédia” dos seus concidadãos mais “extremistas”: eles são realmente diferentes. Ao contrário destes últimos, os eleitores “centristas” não têm opiniões políticas firmemente definidas. Eles mudam a sua escolha política, não porque estejam “no meio” do espectro político e os partidos ajustem as suas políticas às suas preferências medianas, mas antes porque, não tendo um corpo rígido de convicções políticas, orientam as suas opções eleitorais de acordo com outros critérios, como a sua simpatia pelos líderes partidários, a percepção que têm da competência destes últimos, da sua honestidade, ou apenas e só porque acham que o “novo chefe” é “diferente” do “velho”. E depois, como Pete Townshend sabiamente avisou, descobrem que eles afinal são “iguais”. Não há aqui qualquer surpresa: ambos, o “chefe antigo” e o “chefe novo” deram aos eleitores aquilo que pensaram que eles queriam.
É por isto que as pessoas desconfiam dos políticos. Como os políticos seguem o que as sondagens lhes dizem, e as sondagens reflectem a opinião de pessoas que “não sabem o que querem”, é apenas e só normal que, após algum tempo, as pessoas se cansem do que lhes é oferecido. E como os políticos seguem o que as sondagens lhes disseram, são vistos como gente “sedenta de poder”, disposta dizer ou fazer qualquer coisa para serem eleitos.
Em vez de darem aos eleitores mais uma mostarda “normal”, o PSD tem de lhes oferecer Grey Poupon. O PSD tem de arriscar, e dizer aos eleitores o que eles não esperam ouvir. Como as pessoas esperam que os políticos digam o quer que seja que lhes dê a vitória, o PSD tem de dizer algo que possa causar a sua derrota. Se um político disser algo impopular, as pessoas irão obviamente ficar pouco agradadas com o que ouvirem. Mas passado algum tempo, começarão a pensar para si próprios: “se estes dizem isto, mesmo sabendo que ninguém vai votar nisto, mesmo sabendo que isto lhes vai custar a eleição, então talvez eles tenham razão. Talvez eles sejam diferentes dos outros”. Como os eleitores “centristas” não têm opiniões políticas rígidas, confiarão em quem lhes parecer não estar apenas atrás do seu voto.
Claro que há certo grau de risco envolvido. O pessoal da Heublein não sabia se os consumidores iriam gostar da Grey Poupon ou não. Poderiam ter gasto uma fortuna no desenvolvimento desse produto, apenas para descobrirem que ninguém estava interessado na sua mostarda “Dijon”. Tanto quanto sabiam, as pessoas estavam perfeitamente satisfeitas com a velha mostarda “normal”. O mesmo pode acabar por acontecer ao PSD e a Manuela Ferreira Leite. Felizmente para o partido laranja e para a sua líder, Howard Moskowitz pode ensinar-lhe não só que têm de ser diferentes dos outros políticos para ganharem, mas também quão diferentes devem ser, que tipo de políticas (ou melhor, quais os princípios gerais que constituirão a base das suas políticas caso venham a ocupar o poder no futuro) devem oferecer aos eleitores.
Antes de Moskowitz aparecer, a indústria alimentar andava à procura do “prato perfeito”: queriam saber quão doce deveria ser a Diet Pepsi, quantos “pedaços” deveria ter o molho de tomate, quão “estaladiços” deveriam ser os cerais de pequeno-almoço. Como Gladwell diz, “estavam a procura de universais culinários”. É também isso que José Sócrates (e os antigos governos do PSD, diga-se de passagem) tem feito: o Primeiro-Ministro está a tentar descobrir a quantidade de açúcar que ele deve usar no Serviço Nacional de Saúde, a quantidade de farinha a usar no sistema educativo, a quantidade de molho a pôr na Segurança Social, de forma a beneficiar o maior número de pessoas possível.
Justiça lhe seja feita, bem como aos governos anteriores: todos eles o fizeram pelas melhores razões possíveis. Sócrates (tal como os seus antecessores), quer ajudar as pessoas, dar-lhes uma melhor oportunidade de virem a ser bem sucedidas, permitir-lhes conduzir uma vida feliz. Mas ele esbarra (tal como esbarraram os seus antecessores) no mesmo problema que a Pepsi e a Campbell Soup enfrentaram: como Gladwell explica, se eu tiver três tipos diferentes de Pepsi, e tiver de escolher apenas uma para pôr no mercado, eu vou procurar aquela que agrada ao maior número de pessoas. Mas então eu terei um grupo relativemente largo de pessoas razoavelmente satisfeitas (de acordo com Gladwell, essas pessoas classificarão a Pepsi com uma nota de 60 numa escala de 0 a 100). Mas se seguir o exemplo da Campbell Soup, e oferecer às pessoas os três diferentes tipos de molho de tomate à escolha (um “normal”, um “picante”, um “extra-chunky”), eu terei três grupos de pessoas altamente satisfeitas (irão dar uma nota de 80 ao molho de tomate da sua preferência).
A lição de Gladwell e Moskowitz é a seguinte: se se der uma escolha mais alargada às pessoas, em vez de seguir uma política que pretende ser “universal”, toda a gente acabará por ficar mais satisfeita, e mais satisfeitos do que ficariam se se tivesse tentado oferecer-lhes essa solução universal. Bentham defendia que as políticas deveriam possibilitar “a felicidade do maior número”. Mas ao tentar fazê-lo, Sócrates (tal como os seus antecessores) não só fez algumas pessoas consideravelmente “infelizes”, como assegurou que aquelas que não o são não sejam tão “felizes” como poderiam ser. Se deixarmos as pessoas fazerem as suas próprias escolhas, elas têm uma maior possibilidade de virem a acabar por ficar satisfeitas com aquilo que lhes calhar.
O PSD deveria aprender esta lição, e dizer aos eleitores que todas as políticas que vier a adoptar caso venha a ocupar o poder obedecerão a este “princípio de escolha”: antes de qualquer anúncio de qualquer política, Manuela Ferreira Leite e o PSD deverão perguntar se “esta política aumenta ou não a liberdade de escolha dos cidadãos?”, como mostra a lição de Moskowitz. Mas acima de tudo, ela mostra que o PSD deve dizer aos eleitores que as suas políticas obedecerão a esse princípio, mesmo que nas sondagens, não seja isso que os eleitores dizem que querem. Na Campbell Soup Company e na Heublein, sabe-se que vale a pena correr esse risco.
Post interessante.
A última parte não me convenceu muito; achei pouco clara. Haver maior possibilidade de escolha significa partidos mais diferenciados, não significa que um partido em particular aposte em políticas que aumentem a liberdade dos cidadãos. Não percebo o que uma coisa tem a ver com outra.
Também concordo que a coerência, sinceridade e fundamentação trazem mais frutos do que seguir sondagens. Mas assim como a tal mostarda especial é um produto adequado a um nicho de mercado, que satisfaz muito bem uma minoria mas que é incapaz de recolher a simpatia da maioria, por muito que um partido agrade a uma minoria, ele não ganhará as eleições se não agradar à maioria.
Tem a ver, no sentido em que os políticos procuram “universais culinários” (um SNS universal, um sistema educativo estatal, etc.), em vez de darem vários pratos diferentes (assegurar o acesso individual a esses serviços, mas permitindo-nos escolher a quem queremos recorrer e a quem queremos pagar)…
Bruno,
Tens futuro no marketing político!
Acho é que a referida estratégia assenta melhor num partido mais pequeno. O PSD é um dos “líderes de mercado” e não vai querer arriscar diminuir a sua base de apoio – mesmo que parcialmente insatisfeita. Ao contrário da Campbell, o PSD não pode oferecer diferentes produtos (programas políticos) para diferentes “consumidores”. Partidos só têm uma “marca”.
Tal oportunidade serve melhor ao CDS-PP, que não pode continuar a defender um programa político demasiado semelhante ao do PSD, visto que isso o torna cada vez mais redundante. Resta-lhe, portanto, encontrar um nicho de mercado “extra-chunky”!
Pode oferecer um “produto político” que ofereça a possibilidade de escolha entre diferentes “produtos” na educação, na saúde, na segurança social, etc.
Concordo com o BZ. Acho que o Bruno Alves está a misturar coisas diferentes… Mas também não vale a pena andarmos aqui às voltas…
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