Foi publicado na passada segunda-feira em diário da república mais um curioso fragmento de legislação, concretamente a Lei n.º 20/2008 de 21 de Abril, resultado do exercício de relay de iniciativas e imposições das cabeças pensantes comunitárias a que está remetido o nosso parlamento.
Propões-se concretamente a referida legislação “[c]ria[r] o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no sector privado”. Surge-nos imediatamente a dúvida, para cuja respectiva resposta apelamos ao contributo dos nossos leitores porventura mais esclarecidos nos altos desígnios que orientam o nosso legislador: o que é “corrupção no sector privado”?
É que, que eu saiba, o sector privado rege-se por relações contratuais, sendo que só faz sentido falar de corrupção quando intervém na equação alguma forma de poder público, situação essa já perfeitamente enquadrada na legislação existente. Ou então, que (em mais uma curiosa originalidade do nosso legislador) essa corrupção envolva o desígnio privado mais próximo de prioridade nacional do nosso país – a bola – com a sua legislação específica de “corrupção desportiva”.
Mas isso devo ser só eu, que ainda não fui esclarecido nos meandros do Mundo Novo comunitário.
Mas curiosa é também a redacção do artigo 7.º da referida lei:
Corrupção activa com prejuízo do comércio internacional
Quem por si ou, mediante o seu consentimento ou ratificação, por interposta pessoa der ou prometer a funcionário, nacional, estrangeiro ou de organização internacional, ou a titular de cargo político, nacional ou estrangeiro, ou a terceiro com conhecimento daqueles, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que lhe não seja devida, para obter ou conservar um negócio, um contrato ou outra vantagem indevida no comércio internacional, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
Teve sorte o legislador comunitário e nacional. Uma pequena distracção na redacção do referido artigo e poderia ter-se criminalizado (com consequências previsivelmente catastróficas) a atribuição de subsídios, benesses fiscais e patrimoniais que tanto ocupa o nosso estado e o quotidiano do nosso sublime ministro da economia.
Caro JLP,
Vá por este país fora e pergunta aos responsáveis pelas compras nas grandes empresas que eles explicam-lhe…
Agora, concordo que é um assunto entre privados e que o Estado não tem nada que o punir criminalmente. Mas deve dar direito a despedimento automático e ressarcimento, caso o empregador assim o entenda.
“Agora, concordo que é um assunto entre privados e que o Estado não tem nada que o punir criminalmente.”
Exacto. A questão é que um juízo de “corrupção” acarreta esse peso criminal, quando a coisa, longe de ser uma questão desse foro, é plenamente enquadrável em questões contratuais.
A crítica é exactamente essa 😉