Ao assistir a qualquer debate sobre a campanha presidencial americana, verificamos que o que distingue os liberais dos conservadores no discurso político reside principalmente em duas areas. Primeiro, tudo que diz respeito à procriação da espécie; e segundo, o papel do Estado na vida dos cidadãos e no livre funcionamento do mercado.
Para os liberais americanos dos nossos dias quem condena o intervencionismo do Estado e aprova, por exemplo, as posições de um Milton Friedman sobre a economia do mercado, não é um liberal mas sim um neoliberal: classificação pejorativa que implica atitudes retrogradas e reaccionárias. Verdadeiro liberal é quem reivindica a total descriminalização do aborto (e o apoio do Estado para as relevantes medidas clínicas). Verdadeiro liberal é quem cede às reivindicações do ‘lobi gay’ incluindo casamento entre homossexuais e a adopção de crianças por casais gay. Verdadeiro liberal é o apoiante do antinomianismo nas relações entre os indíviduos e a prosseguição de um estilo hedonista de vida. Na realidade os liberais da actualidade só se entusiasmam verdadeiramente pela liberdade se for no campo sexual. A liberdade económica é uma reivindicação reaccionária, protofascista. Quanto às liberdades políticas muitos liberais contemporâneos mostram uma estranha tolerância no que diz respeito a regimes autoritários como, por exemplo, o cubano.
Só se consegue explicar esta confusão se conhecermos um pouco da história. Na realidade a esquerda socialista americana abraçou o respeitável título de liberal para fugir à onda anticomunista nos anos quarenta: o tempo do Senador Joseph McCarthy. Nessas alturas, os comunistas e socialistas americanos estavam a pensar na sua própria liberdade política, pedra de toque do liberalismo clássico. Foi só muito mais tarde, com o avanço do feminismo militante que o liberalismo no campo dos costumes substituiu o liberalismo político como pilar da nova versão do liberalismo.
O chocante nos nossos dias é constatar que o uso (ou deturpação) do termo liberalismo ter atravessado o Atlântico e penetrado na Europa e especialmente em Portugal. Temos agora também os nossos ‘liberais sociais’, cuja actividade mais visível se encontra no apoio às reivindicações do ‘lobi gay’ e à procura imparável de homofobia em todos os quadrantes.
No entanto o liberalismo genuíno é como um banco de três pernas. Ele não se mantém de pé se uma das pernas estiver partida ou enfraquecida. Os três suportes de um regime liberal são a liberdade do mercado, a liberdade política e a liberdade moral. Dos três, em ordem de prioridade, o primeiro será o mais notável, o mais necessário embora não suficiente. Se não houver liberdade de mercado no senso pleno, tanto a liberdade política quanto a liberdade moral ficam fragilizadas. Por sua vez a liberdade do mercado e a liberdade moral ficam enfraquecidas na ausência de liberdades políticas. Um regime autoritário raramente resiste à tentação de interferir tanto no mercado como na vida particular das pessoas. A liberdade é realmente indivizível.
A liberdade moral tem como princípio básico que um vício não é necessariamente um crime. Um vício pertence à esfera particular e só se transforma em crime se interferir com a liberdade dos outros. É por isso que se podem tolerar certos vícios entre adultos e ao mesmo tempo tratá-los como crimes se envolverem o aliciamento de crianças. Os menores são considerados vulneráveis e sem competência plena para proteger a sua própria liberdade. No entanto muitos ‘liberais sociais’ pregam a redução da idade de consentimento em nome de princípios liberais. (Vide o Partido Liberal-Democrático Britânico).
Uma das virtudes mais queridas do liberalismo clássico é a da tolerância. No entanto, para muitos ‘liberais’ modernos a tolerância não é suficiente. Exigem mais que a simples não-intervenção: exigem a aceitação de práticas, longamente rejeitadas pela comunidade, como se fossem normas. Até vão ao ponto de invocar intervenção estatal para impor essa aceitação. Exemplo flagrante é a imposição nas escolas de um certo tipo de ‘educação sexual’. Outro é a invenção do chamado ‘hate crime’, em que se torna susceptível de denúncia à polícia qualquer discussão da homossexualidade, da religião ou de questões referentes ao racismo. Em nome da tolerância candidatos a pais adoptivos são obrigados a comprometerem-se a educar os filhos no sentido ‘anti-homofóbico’, mesmo se tal atitude seja contra a sua fé religiosa. Em nome dessa pseudo-tolerância agências de adopção católicas são ameaçadas de fechar por não aceitarem a prática de adopção por casais homossexuais.
Quem combate tais práticas ou regras ditas homofóbicas, é classificado como sendo da extrema-direita se não pior.
O regime que mais peca neste sentido é o regime New Labour do par Blair/Brown que dirige a sociedade mais vigiada do mundo. Qualquer análise política do actual estado da sociedade que, historicamente, pariu e desenvolveu o verdadeiro liberalismo, levanta os mais graves receios de que estamos na presença de uma nova espécie de fascismo. George Orwell escreveu sobre um futuro socialismo fascista. O Newspeak, porém, não tem limites. Hoje enfrentamos a ameaça do liberal-fascismo na roupagem do liberalismo social.
Chamo a isto pôr todos os pontos em todos os ‘i’s! Parabéns por tanta lucidez e clareza!
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Muito bom.