Grandes Portugueses
Num concurso ou num inquérito sociológico em busca do Grande Português, jamais me passaria pela cabeça depositar o voto em António Oliveira Salazar. Trata-se de uma questão de princípio, à qual não consigo fugir, e que me impede de sentir simpatia por um líder que recusou, com gradações diversas, a liberdade aos cidadãos por si governados.
Poderia ter deixado este país na mais ampla prosperidade e paz social, que da minha parte nunca teria um voto destinado a considerá-lo um Grande Português. Podia ser tributário de alguns agradecimentos da minha parte, mas nunca, de forma alguma, um voto no sentido de merecer o epíteto que a RTP se lembrou de colocar a votação.
Coisa bem diferente disto que venho dizendo é a absoluta falta de dignidade democrática de todos aqueles que procuraram, com uma superioridade moral inaceitável num regime de liberdades, impedir que Salazar fosse a votos como todos os outros e, eventualmente, ganhasse a votação. Como se não existissem diversos (e muio legítimos) critérios de voto que não apontassem, precisamente, para Salazar.
Nada pode justificar que, numa votação como esta, a RTP que supostamente se dedica a ser a televisão de todos os portugueses, se tivesse prestado ao vergonhoso papel de tentar obliterar 40 décadas da nossa História e de colocar sobre os admiradores de Salazar um labéu a todos os títulos ilegítimo.
Não preciso, sequer, das comparações com Álvaro Cunhal, com as quais aliás discordo, para me indignar com a mão tutelar do politicamente correcto que vai grassando pelo nosso espaço público. Nem que não tivesse havido qualquer outro ditador na lista, Salazar deveria ter tido na lista inicial o papel de destaque correspondente à influência que exerceu na nossa História e ao fascínio que exerce em parte da população portuguesa.
Nada pode justificar que, numa votação como esta, os guardiães do templo, tão protegidos nos seus telhados de vidro, se tivessem dedicado a perorar sobre um regime e sobre uma personalidade como se fossem detentores de uma versão oficial da História, essa sim típica de qualquer regime ditatorial que se preze.
Há uma geração de políticos portugueses, que se forjou na clandestinidade e nessa exclusiva forja pretendeu erigir a legitimidade política, que continua a sentir-se dona do monopólio da História portuguesa, e que lição após lição, continua a não perceber que o seu tempo terminou.
Nada pode justificar que, usando meios tão próximos da propaganda, se propague por este país fora uma versão oficial da História, que seque à sua volta qualquer possibilidade de contraditório e que permita, afinal de contas, que seja a clandestinidade intelectual a ditar as alternativas ao pensamento único.
Os resultados desta votação, com todas as limitações que lhe conhecemos, são também produto deste absurdo contexto em que vivemos, em que se torna proibido pensar diferente ou discordar da versão oficial, favorecendo por isso movimentações como aquela que assistimos em favor de Salazar.
É tempo de abrir as portas do templo, para que todos, porque é de todos que se trata, possamos viver com o nosso passado em absoluta paz de espírito.
Grande post:)
Gostei dos «os guardiães do templo, tão protegidos nos seus telhados de vidro». Belíssima frase.
Um abraço,
RAF
Muito bem!
“Nada pode justificar que, numa votação como esta, os guardiães do templo, tão protegidos nos seus telhados de vidro, se tivessem dedicado a perorar sobre um regime e sobre uma personalidade como se fossem detentores de uma versão oficial da História, essa sim típica de qualquer regime ditatorial que se preze.”
Muito bem.