As eleições na ordem dos advogados e a crise na justiça

O meu artigo de hoje no DE sobre algumas causas para o mau funcionamento dos tribunais. Não são as únicas, longe de isso, que as razões do problema são muito complexas, como se depara da leitura deste texto, no qual menciono condicionantes que, parecendo meros pormenores, têm uma forte influência na má prestação do poder judicial. Tendo como pano de fundo as eleições na ordem dos advogados que terão lugar no final deste mês, procuro também dar uma explicação para o comportamento polémico de Marinho e Pinto, que deriva de uma visão que se tem das ordens profissionais monopolizadoras do exercício de uma profissão que, sendo a mais livre que um homem livre pode exercer, está votada à subalternização corporativa.

De costas voltadas

No final deste mês os advogados escolhem o substituto do controverso Marinho e Pinto. O que poucos sabem, ou se apercebem, é que o estilo do actual bastonário, mais do que seu, espelha o estado de espírito da justiça portuguesa e é uma consequência da perda de influência da ordem dos advogados entre os decisores políticos.

Conhecemos bem a crispação existente entre os profissionais da justiça. Juízes, magistrados, advogados, solicitadores, oficiais de justiça, conservadores e notários, todos querem fazer valer o seu ponto de vista. Isto sucede porque a sua formação é feita de forma totalmente compartimentada: quem quiser ser juíz ou magistrado, vai para o CEJ (Centro de Estudos Judiciários); os advogados fazem o seu estágio na respectiva ordem; um notário estuda um curso específico.

Os oficiais de justiça não respondem perante os juízes em cujos tribunais trabalham. Esta separação das águas é feita logo de início, quando o futuro profissional tem cerca de 23/25 anos. Desde aí que lhe é incutida a separação de classes dentro do meio. A incompreensão é tal que, nem os discursos da praxe apelando a consensos os trazem a um entendimento. Ao se dificultar o acesso às profissões, estas hostilizaram-se.

Nem sempre foi assim. No passado, um juíz podia ter sido advogado e um advogado ter sido juíz. O mesmo se diga dos demais magistrados e notários. As experiências eram cumulativas e, acumulando-se, enriqueciam não só os próprios, mas todo o sistema. A maioria já tinha estado do outro lado. Este pormenor permitia que o sistema não fosse minado pela incompreensão e o azedume. Que os processos não se empilhassem atulhando os tribunais, onde apenas a confiança, que nasce do civismo, permite que se decida de forma célere e justa.

No meio da incompreensão cada um tem urgência para se fazer ouvir. Por isso, Marinho e Pinto fala alto. Provoca. Fá-lo, não só devido à fragmentação acima referida, mas também à descredibilização da ordem profissional que representa. Como a inscrição é obrigatória numa só ordem, esta acaba por representar advogados completamente diferentes entre si. Sejam verdadeiros profissionais liberais, empregados de escritórios ou de empresas, todos se regem pelas mesmas regras. A ordem, ao contrário de outrora, representa advogados com diferentes interesses, porque vivem realidades diversas. Abarcando todos, inclui cada vez menos. E também isso faz um bastonário elevar o tom de voz: para compensar a influência, que deriva da unidade que se perdeu.

6 pensamentos sobre “As eleições na ordem dos advogados e a crise na justiça

  1. Luís Lavoura

    Os juízes podem ter sido advogados, nada o impede. Conheço uma advogada que abandonou a carreira para começar a estudar para juíza.

  2. Lucklucky

    O texto critica a Justiça por estar dividida por diversas corporações mas depois critica a ordem de advogados por meter o que é diferente no mesmo saco. Não entendo.

    A justiça não funciona porque não há competição na justiça, um tribunal não compete com outro, ainda é um sistema neo-mercantilista ligado à geografia.
    E nada muda porque não há interesse de parte alguma do sistema em se tornar mais eficente,
    Mais eficiente significa menos “trabalho”, menos poder, menos euros no bolso.
    O sistema só se reproduz sendo muito ineficente.

  3. SET

    Comparem a nossa justiça com a Belga ou Italiana…e vão ter supresa, e agora comparem os nossos empresários com os belgas…ou italianos…;
    Grande n.º de empecilhos nada tem a ver com juizes ou advogados. Vejam uma sentença alemã ou francesa…e comparem com o conteúdo das nossas. O que quero dizer? Isto: se os atos são reduzidos ao simples, ai jesus que não fundamenta, se fundamenta muito, é gongórico…bdm, decidam-se!

  4. Pingback: As eleições na ordem dos advogados e a crise na justiça (2) | O Insurgente

  5. Para o Luis Lavoura. Aquilo que o autor quis dizer é que cada vez é mais a norma a entrada no CEJ ser feita directamente das Universidades e não das diferentes profissões jurídicas. Eu sou Oficial e Justiça e os meus colegas estão sempre a dizer mal dos Agentes de Execução. Trabalhei para um Agente de Execução antes de trabalhar para o estado e essa experiência permite-me ter uma percepção completamente diferente da realidade.

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